Autoridade do Estado no Mar XV - alguma cronologia comentada de Janeiro de 2012 a Dezembro de 2012
24 Fevereiro 2012 – Decreto-Lei n.º 49-A/2012
– Aprova a orgânica da Direcção-Geral de Recursos
Naturais, Segurança e Serviços Marítimos. Revoga o Decreto
Regulamentar n.º 9/2007, de 27 Fevereiro
2007.
… ...
O presente
decreto-lei procede, assim, à criação da
Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, [DGRM]
que
resulta da fusão da Direcção-Geral das Pescas e Aquicultura e do Instituto
Portuário e dos Transportes Marítimos, I. P.
À Direcção-Geral
de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos são atribuídos poderes de
autoridade para o exercício de funções de
fiscalização que anteriormente se encontravam conferidas aos anteriores
organismos, no domínio das pescas e do transporte marítimo, fixando-se no
presente decreto-lei a natureza e o âmbito desses poderes.
Assim:
Nos termos da
alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o
seguinte:
Artigo 1.º
Natureza
A Direcção-Geral
de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, abreviadamente designada
por DGRM, é um serviço central da administração directa do Estado dotado de
autonomia administrativa.
Artigo 2.º
Missão e atribuições
1 - A DGRM tem por
missão a execução das políticas de preservação e conhecimento dos recursos
naturais marinhos, a execução das políticas de pesca, da
aquicultura, da indústria transformadora e actividades conexas, do
desenvolvimento da segurança e dos serviços marítimos, incluindo o sector
marítimo-portuário, bem como garantir a regulamentação, a inspecção, a fiscalização, a coordenação e o controlo
das actividades desenvolvidas no âmbito daquelas políticas.
2 - A DGRM
prossegue as seguintes atribuições:
a) Assegurar,
através de métodos de gestão e ordenamento, o quadro de conhecimento dos
recursos naturais marinhos disponíveis nas áreas sob soberania ou jurisdição
nacional, relativamente à sua inventariação, utilização e ordenamento do
espaço;
b) Acompanhar a
atribuição e execução dos fundos nacionais e comunitários a favor dos recursos
naturais marinhos, da segurança e dos serviços marítimos;
c) Exercer as
funções de interlocutor dos fundos ou instrumentos comunitários de apoio à
pesca quer a nível nacional, quer junto da União Europeia;
d) Contribuir para
a definição da política comum de pescas e participar
na definição e aplicação da política nacional das pescas, nas vertentes
interna, comunitária e de cooperação internacional, e garantir a sua execução,
controlo e fiscalização;
e) Programar, coordenar e executar a fiscalização, a
vigilância e o controlo das actividades da pesca, aquicultura e
actividades conexas, nomeadamente no âmbito
do Sistema de Fiscalização e Controlo das Actividades da Pesca (SIFICAP) e do Sistema de Monitorização
Contínua da Actividade de Pesca (MONICAP),
nos termos da lei;
f) Autorizar,
licenciar e aprovar as estruturas e actividades produtivas nos domínios da
pesca marítima, aquicultura, apanhas marítimas e pesca lúdica, em articulação
com os demais serviços competentes;
g) Gerir o sistema
de informação das pescas, incluindo a aquicultura e a indústria transformadora,
e ainda da salicultura, nas suas diversas componentes de cobertura, nacional e
regional, e na ligação aos órgãos nacionais e internacionais competentes no
domínio da pesca, assim como o sistema estatístico pesqueiro, no quadro do
sistema estatístico nacional, assegurando a expansão e desenvolvimento do Banco
Nacional de Dados das Pescas (BNDP);
h) Assegurar a
certificação da formação profissional no sector das pescas e do transporte
marítimo;
i) Promover a
segurança marítima e portuária, regulamentando, supervisionando, vistoriando e
inspeccionando as organizações, as actividades, os navios, os equipamentos e as
instalações portuárias, em conformidade com o disposto nos instrumentos legais
relevantes da Organização Marítima Internacional (IMO), da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e da União Europeia (UE) vigentes na ordem
jurídica interna;
j) Assegurar a
certificação dos navios e dos marítimos nacionais;
l) Exercer as
funções que lhe estão cometidas no âmbito da segurança marítima e portuária e
da prevenção da poluição dos navios;
m) Promover a adopção, aplicação, monitorização e controlo do
cumprimento das leis, regulamentos, normas e requisitos técnicos aplicáveis no
âmbito das suas atribuições, designadamente das normas nacionais e
internacionais relativas à segurança nos sectores marítimo e portuário, sem prejuízo das competências atribuídas por
lei a outras entidades;
n) Cooperar com a
entidade responsável pela investigação de acidentes e incidentes marítimos;
o) Operar e
coordenar os serviços e sistemas de monitorização e controlo do tráfego
marítimo, coordenando o desenvolvimento dos respectivos sistemas de apoio;
p) Atribuir, no
âmbito das suas competências, os títulos de utilização do espaço marítimo e
licenciar ou participar no licenciamento das actividades a levar a efeito neste
espaço;
q) Participar no
processo de planeamento e gestão territorial das zonas costeiras;
r) Propor, em
articulação com a Autoridade Nacional para a Conservação da Natureza e
Biodiversidade, a criação de áreas marinhas protegidas, assegurar a gestão das
de interesse nacional e colaborar na gestão das que são de âmbito regional ou
local, nomeadamente através da elaboração, avaliação e revisão de planos de
ordenamento respectivos;
s) Participar, ao
nível técnico e científico, na definição e promoção das estratégias de
protecção das áreas marinhas protegidas, definidas a nível nacional,
comunitário ou internacional, e coordenar a participação nacional no âmbito da
Convenção para a Protecção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (OSPAR);
t) Licenciar e
fiscalizar, no âmbito das suas competências, a utilização de águas sitas em
áreas marinhas protegidas;
u) Colaborar no
desenvolvimento e manutenção do Sistema Nacional de Informação do Ambiente;
v) Exercer os
poderes que, nos termos da lei, lhe são atribuídos no domínio da administração
e da segurança marítimas, designadamente os que lhe caibam nos termos do Decreto-Lei 46/2002, de 2 de Março, e da náutica de
recreio;
x) Regulamentar a
actividade das entidades que actuam no sector marítimo-portuário e da náutica
de recreio, designadamente aprovando normas administrativas de regulamentação
do sector;
z) Assegurar, no
âmbito das suas competências, a representação do Estado Português nos
organismos internacionais do sector marítimo-portuário;
aa) Promover a aplicação e fiscalizar o cumprimento das
leis, dos regulamentos, das normas e dos requisitos técnicos aplicáveis no
âmbito das suas atribuições, designadamente das normas nacionais e
internacionais relativas ao sector marítimo-portuário, sem prejuízo das
competências de outras entidades;
bb) Exercer
funções de Autoridade Nacional da Pesca,
de Autoridade Nacional de Imersão de Resíduos,
de Autoridade Nacional de Controlo de Tráfego
Marítimo e de Autoridade Competente para
a Protecção do Transporte Marítimo e dos Portos, nos termos da lei;
cc) Contribuir
para a definição e actualização das políticas de planeamento civil de
emergência, na área do transporte marítimo;
dd) A nível da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), contribuir para a definição
das políticas e doutrinas adoptadas no âmbito do Alto Comité do Planeamento
Civil de Emergência da OTAN e assegurar a coordenação das actividades dos
delegados portugueses nos organismos dele dependentes no que diz respeito ao
transporte marítimo;
ee) Construir,
adquirir, conservar e fiscalizar as obras de infra-estruturas que se revelem
necessárias para a prossecução das suas atribuições;
ff) Instruir procedimentos contra-ordenacionais no
âmbito das suas atribuições e competências;
gg) Exercer os poderes sancionatórios que lhe são
atribuídos pela lei;
hh) Exercer as
demais atribuições que lhe forem cometidas por lei.
3 - O Fundo de
Compensação Salarial dos Profissionais da Pesca funciona junto da DGRM,
regendo-se por legislação própria.
Artigo 3.º
Órgãos
A DGRM é dirigida
por um director-geral, coadjuvado por dois subdirectores-gerais, cargos de
direcção superior de 1.º e 2.º graus, respectivamente.
Artigo 4.º
Director-geral
1 - O
director-geral exerce as competências que lhe sejam conferidas por lei ou que
nele sejam delegadas ou subdelegadas.
2 - Os
subdirectores-gerais exercem as competências que lhe sejam delegadas ou
subdelegadas pelo director-geral, devendo este identificar a quem compete
substituí-lo nas suas faltas e impedimentos.
Artigo 5.º
Tipo de organização interna
A organização
interna da DGRM obedece ao modelo de estrutura hierarquizada.
Artigo 6.º
Receitas
1 - A DGRM dispõe
das receitas provenientes de dotações que lhe forem atribuídas no Orçamento do
Estado.
2 - A DGRM dispõe
ainda das seguintes receitas próprias:
a) O produto das
taxas devidas e quantias cobradas pela prestação de serviço público
compreendidas nas suas atribuições e pela emissão de licenças, certificações,
registos e títulos análogos;
b) O produto de
venda de publicações e de trabalhos por si editados;
c) Os subsídios,
subvenções e comparticipações de entidades públicas e privadas;
d) O produto das
coimas nas percentagens legalmente atribuídas e custas dos processos de contra-ordenação por si instaurados e
instruídos ou concluídos, nos termos da legislação aplicável;
e) Quaisquer receitas
que por lei, contrato ou outro título lhe sejam atribuídas.
3 - As quantias
cobradas pela DGRM são fixadas e periodicamente actualizadas por despacho dos
membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, do mar e das pescas,
tendo em atenção os meios humanos e materiais mobilizados em cada caso, podendo
ainda ser tidos em conta os custos indirectos de funcionamento.
Artigo 7.º
Despesas
Constituem
despesas da DGRM as que resultem de encargos decorrentes da prossecução das
atribuições que lhe estão cometidas.
Artigo 8.º
Poderes de autoridade
1 - Para
prossecução das suas atribuições, a DGRM exerce
os poderes de autoridade do Estado quanto:
a) À liquidação e
cobrança, voluntária e coerciva, de taxas que lhe sejam devidas nos termos da
lei e, bem assim, dos rendimentos provenientes da sua actividade, sendo os seus
créditos correspondentes equiparados aos créditos do Estado e constituindo
título executivo as facturas, certidões de dívida ou títulos equivalentes;
c) À execução coerciva das demais decisões de autoridade;
d) Ao uso público
dos serviços e à sua fiscalização;
e) À protecção das
suas instalações e do seu pessoal.
2 - O pessoal da
DGRM que desempenhe funções de inspecção e
fiscalização é detentor dos necessários poderes de autoridade, e no
exercício das suas funções goza das seguintes prerrogativas:
a) Aceder e inspeccionar, sem necessidade de aviso
prévio, as instalações, os equipamentos, os serviços e os documentos das
entidades sujeitas a inspecção e fiscalização pela DGRM;
b) Requisitar para
análise equipamentos e documentos;
c) Identificar as pessoas que se encontrem em flagrante violação das normas cuja observância
lhe compete fiscalizar, no caso de não ser
possível o recurso à autoridade policial em tempo útil;
d) Solicitar a intervenção das autoridades administrativas e policiais quando
necessário ao desempenho das suas funções.
3 - O disposto nas
alíneas a), b) e d) do número anterior é igualmente aplicável às entidades e
agentes credenciados pela DGRM para o exercício de funções de fiscalização, nos termos previstos no presente
diploma.
4 - O pessoal da
DGRM e os agentes por este credenciados titulares destas prerrogativas devem
exibir, no exercício das suas funções, um documento de identificação próprio,
de modelo a fixar pelo director-geral.
5 - A livre
entrada a bordo dos navios fundeados ou atracados nos portos nacionais é
facultada ao pessoal da DGRM, encarregado, nos termos da lei, da realização de
inspecções e vistorias aos navios e da superintendência ou fiscalização de
serviços portuários, mediante documento de identificação, acreditando-o para
esta missão.
Artigo 9.º
Mapa de cargos de direcção
Os lugares de
direcção superior de 1.º e 2.º graus e de direcção intermédia de 1.º grau
constam do mapa anexo ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante.
Artigo 10.º
Sucessão
1 - A DGRM sucede
nas atribuições do Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, I. P., no
domínio da regulamentação, supervisão e fiscalização do sector marítimo-portuário
e da náutica de recreio.
2 - A DGRM sucede
nas atribuições, direitos e obrigações da Direcção-Geral das Pescas e
Aquicultura, com excepção das atribuições no domínio das linhas de orientação
estratégica.
3 - A DGRM sucede
nas atribuições da Comissão de Planeamento de Emergência de Transporte
Marítimo.
Artigo 11.º
Critérios de selecção de pessoal
São fixados os
seguintes critérios gerais e abstractos de selecção do pessoal necessário à
prossecução das atribuições da DGRM:
a) O desempenho de
funções no Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, I. P., directamente
relacionadas com as áreas de regulamentação, supervisão e fiscalização do
sector marítimo-portuário e da náutica de recreio;
b) O desempenho de
funções na Direcção-Geral das Pescas e Aquicultura, com excepção das áreas
relacionadas com as linhas de orientação estratégica.
Norma transitória
Mantêm-se em vigor
os artigos 23.º a 27.º do Decreto-Lei 14/2004, de 13 de Janeiro, até à revisão
das carreiras de inspecção da extinta Direcção-Geral das Pescas e Aquicultura,
nos termos do n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei 170/2009, de 3 de Agosto.
Artigo 13.º
Norma revogatória
São
revogados:
a) O Decreto-Lei
146/2007, de 27 de Abril, na parte relativa às atribuições e
competências que transitam para a DGRM, referidas no n.º 1 do artigo 10.º;
Artigo 14.º
Entrada em vigor
O presente
decreto-lei entra em vigor no 1.º dia do mês seguinte ao da sua publicação.
5 Março 2012 – Universidade dos Açores – “Governança
Oceânica - Bases estratégicas para o desenvolvimento do “Mar dos Açores” –
Maria Luz Paramio Martín – Dissertação apresentada
à Universidade dos Açores para obtenção do grau de Doutor no ramo de Geografia,
especialidade de Planeamento e Ordenamento do Território Orientação – Professor
Doutor João Mora Porteiro Co-orientação – Professor Doutor Fernando Veloso
Gomes Co-orientação – Professora Doutora Fátima Alves
… …
3.4.7. Defesa e
segurança
A protecção de rotas marítimas e o apoio nas viagens oceânicas
foram duas funcionalidades centrais que os Açores disponibilizaram ao longo da
história (Escorrega, 2010). No Mar dos Açores e de acordo com o enquadramento
nacional da República Portuguesa7, a
defesa e segurança são competências atribuídas à Marinha: "A Marinha é a garantia da soberania e protecção
dos interesses dos portugueses e do Estado, no e pelo Mar".
7 Decreto-Lei
nº 49/93, de 26 de Fevereiro
O
Decreto-Lei n.º 49/93 (LOMAR 93) foi revogado
pelo Decreto-Lei n.º 233/2009 (LOMAR 2012). Estava portanto revogado à data
desta dissertação (2012). Porém, o diploma de 2009 não reduziu as missões
cometidas à Marinha na LOMAR 93 e a autora terá certamente constatado o que, na
prática, a Marinha fazia.
A importância da Marinha Portuguesa é atestada pela diversidade de actividades que desenvolve em duas
áreas distintas, designadamente nas actividades de carácter militar e
diplomático:
A defesa do território
nacional;
A protecção da diáspora portuguesa no mundo;
A protecção das linhas de comunicação;
O combate às redes transnacionais de terrorismo,
tráfico de armas, de droga e escravatura;
A participação nas alianças;
A projecção de força;
O apoio à política externa do Estado;
E a aproximação à diáspora portuguesa.
A Marinha desenvolve, igualmente, missões
de interesse público, cuja actividade assenta essencialmente nas
seguintes áreas:
Busca e salvamento marítimo;
Segurança marítima;
Fiscalização da pesca e combate aos ilícitos
marítimos;
Preservação dos recursos marinhos e combate à
poluição;
Investigação científica;
Actividade cultural.
Destas funções salientam-se as responsabilidades internacionais
que detém na Busca e Salvamento Marítimo
(Search And Rescue), numa área de responsabilidade que totaliza,
aproximadamente, 5.792.740 km2, o que corresponde a cerca de 63 vezes a
superfície do território nacional, abrangendo o território marítimo dos Açores.
… ….
9 Março 2012 – Despacho do Ministro da Defesa Nacional n.º
4810/2012 – Manda
proceder a uma clarificação e adequação da legislação da Polícia Marítima
Através do Decreto -Lei n.º
300/84, de 7 de Setembro, o legislador criou o designado Sistema da Autoridade
Marítima (doravante «SAM»), cujo principal objectivo era o de garantir o
cumprimento da lei nos espaços marítimos sob jurisdição nacional, e de, em
certa medida, definir e delimitar as competências da Marinha no novo contexto
de separação institucional das Forças Armadas relativamente ao Governo,
decorrentes das profundas transformações políticas e orgânicas ocorridas com o
25 de Abril de 1974.
Da leitura conjugada dos
artigos 1.º e 2.º do referido diploma, o SAM consistia no quadro institucional
de âmbito nacional, formado pelo conjunto de órgãos posicionados nos níveis
central, regional e local responsáveis pelo cumprimento da lei nos espaços
marítimos. De forma expressa, este Sistema
dependia directamente do CEMA. O que bem
se compreende se considerarmos que se tratava de uma estrutura
manifestamente reduzida, confinada a estruturas que hoje nem sequer existem:
Direcção-Geral da Marinha, 3 órgãos consultivos (Comissão do Domínio Público
Marítimo, Comissão Nacional contra a Poluição do Mar e a Comissão para o Estudo
do Aproveitamento do Leito do Mar), a órgãos regionais e locais.
Sucede que, o panorama histórico e político,
pós-revolução, foi sucessivamente conduzindo as Forças Armadas a uma
reorganização da instituição militar, e a um seu reposicionamento numa lógica
governamental que ia amadurecendo, o que acabou por reconduzir à inserção das
Forças Armadas na administração direta do Estado.
É por isso que, em 1993, o diploma que aprovou
a orgânica do Ministério da Defesa Nacional, o
Decreto-Lei n.º 47/93, de 26 de Fevereiro, veio
retirar o Sistema da Autoridade Marítima da alçada da Marinha, passando
a constituir uma estrutura autónoma do MDN
(cf. alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º), à semelhança da Marinha, vulgo Forças
Armadas, cf. artigo 3.º, n.º 1, alínea c).
... ...
No artigo 7.º [do Decreto-Lei n.º 43/2002] sob a epígrafe «Organização», passam a
integrar este Sistema de Autoridade Marítima, a Autoridade Marítima Nacional
[cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º], e a Polícia Marítima [cf. Alínea b) do
n.º 1 do artigo 7.º].
… …
Ora, em face das alterações legislativas
introduzidas pelos supra-mencionados Decreto-Lei
n.º 43/2002, de 2 de Março, e Decreto-Lei
n.º 44/2002, de 2 de Março, importa
proceder à clarificação e adequação da legislação da Polícia Marítima
relativamente a esta nova configuração jurídica.
Deste modo, determino o seguinte:
1 — Deverá a
Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional apresentar até ao final do
mês de Março do presente ano, uma proposta de adequação
e conformação da legislação supramencionada, após audição dos
contributos que se revelem pertinentes, nomeadamente a Marinha, a Autoridade
Marítima Nacional, e ao Comandante-Geral da Polícia Marítima;
... ...
14 de Março
2012 – Decreto-Lei n.º 61/2012 – Transpõe
a Directiva n.º 2009/16/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril
de 2009, relativa à inspecção de navios pelo Estado do porto. Revoga,
entre outros, o Decreto-Lei n.º 195/98, de 10 de Julho.
Março 2012 – “Maria Scientia” N.º 2 – Instituto de Estudos
Políticos. Universidade Católica – “MONITORIZAÇÃO,
CONTROLO E FISCALIZAÇÃO DA PESCA” – António Mateus Anjinho Mourinha
… …
III. A
FISCALIZAÇÃO E CONTROLO DA PESCA
Visitados
que foram os principais problemas que a pesca enfrenta, os meandros da sua
gestão, e a trama regulamentar que a rege, com incidência nas águas e na frota
nacional, debrucemo-nos agora sobre um dos “instrumentos” utilizados na
implementação das medidas de gestão das pescas, a fiscalização das actividades de pesca. Comecemos
pois primeiro por delimitar o que é esta actividade.
a)
O que é a Fiscalização da Pesca?
Primeiramente
importa circunscrever o que é fiscalização genericamente, para depois especificar
relativamente à pesca. Para enquadrar a actividade de fiscalização em termos
genéricos importa começar
por distingui-la de uma outra actividade com a qual muitas vezes se
confunde, o policiamento.
Uma das principais razões desta confusão prender-se-á com o facto de muitas vezes os agentes que
efectuam uma e outra destas actividades serem os mesmos, quando se trata de polícias com
competências de fiscalização em matérias específicas, uma vez que a estes
também competem as actividades de policiamento nas suas mais diversas formas. As actividades de policiamento
são sempre efectuadas por agentes de órgãos de polícia criminal e são
enquadradas genericamente pela Lei de Segurança Interna que define as medidas que podem ser
tomadas no âmbito destas actividades, agrupando-as em “medidas de polícia” e “medidas especiais de polícia”,
nos termos das leis penais, processuais penais e equiparadas. Nesse sentido
normalmente o seu foco é sobre as actividades ilícitas previstas na Lei Penal e
demais legislação equiparada, e tipificadas como crimes. Já as actividades de fiscalização,
muitas vezes realizadas também por polícias, incidem sobre actividades legais em si mesmas,
mas visando procedimentos que podem não estar em acordo com a regulamentação
aplicável (e.g. pesca comercial). Consistem, muito basicamente, numa verificação administrativa
da forma como uma actividade é realizada. As infracções detectadas nesse âmbito
são enquadradas pela legislação específica para a actividade ou para a área em
causa, sendo consideradas como ilícitos de mera ordenação social e as medidas coercivas
aplicáveis são de natureza
contra-ordenacional e não penal. É a legislação específica de cada
actividade ou área, que determina quem é competente para exercer as acções de
fiscalização sobre ela, designando-se essas autoridades, quando não forem
polícias, como agentes de
fiscalização [incluindo “pessoal de inspecção”, de acordo
com o art.º 2.º alínea c) do Decreto-Lei n.º 276/2007, de 31 Julho 2007, que aprova o regime jurídico da actividade de
inspecção da administração directa e indirecta do Estado].
Isto
não significa que todos os órgãos de polícia criminal possam fiscalizar todas
as actividades, pois só o podem fazer quando a legislação específica que
enquadra essa actividade os designa para tal (e.g. a Polícia de Segurança
Pública, apesar de ser uma Polícia, não é competente para fiscalizar as
actividades de pesca). Por outro lado, também os agentes de fiscalização podem, em determinadas
circunstâncias, tomar medidas consideradas como “medidas de polícia”, mesmo não
sendo polícias. Uma delas é quando a legislação referente à matéria a fiscalizar prevê essas
medidas (e.g. a identificação de indivíduos quando estes estejam a
praticar pesca lúdica, para efeitos da verificação do licenciamento). Outra é
quando essas medidas também se encontram previstas no Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social,
sendo este aplicável subsidiariamente (e.g. apreensão cautelar de material).
Ainda quando o Código
Penal e o Código do
Processo Penal expressamente o permitam (e.g. detenção de indivíduos em
flagrante delito).
...
...
b)
A Fiscalização, a Regulamentação e a Decisão Processual.
A fiscalização da pesca assenta portanto
na verificação do
cumprimento da legislação de pesca
pelos pescadores. Mas não se fica por aí, pois pressupõe nessa acção, aquando
da detecção de eventuais infracções, a elaboração de documentação e a recolha
de meios de prova que permitam uma adequada decisão processual
pelas entidades competentes para tal. Poderemos assim enquadrar a fiscalização entre a legislação
e a decisão processual,
situando-a a jusante da primeira e a montante da segunda, servindo
consequentemente de ponto de ligação entre ambas. Nessa situação de ligação
entre dois “poderes” esta actividade assume muitas vezes o papel de elo mais
fraco, a quem se imputam ao mesmo tempo a ineficácia da acção do Estado e o
exagero dessa acção, situações de todo incompatíveis entre si...
Convém
por isso olhar para a eficácia
e eficiência da acção do Estado como o resultado de um todo, encaixando
a fiscalização no seu lugar nesse todo. A eficácia do seu resultado agregado
poderá ser avaliada na medida em que se verificar o cumprimento da
regulamentação aplicável, enquanto a eficiência se avaliará na medida da
optimização dos recursos despendidos para se atingir esse resultado. Vão de
certa forma nesse sentido as teorias racionalistas sobre a observância da lei,
como o incontornável modelo apresentado por Gary Becker em 1968, conhecido por
“Becker’s model” ou “Optimal penality model”. É ali defendido que os potenciais
infractores reagem
sobretudo à probabilidade de serem detectados, à probabilidade de serem
condenados e à severidade das medidas coercivas aplicáveis. Nesta
perspectiva, o caminho apontado para se atingir uma diminuição nas infracções
passaria por um aumento da gravidade das medidas coercivas previstas na lei
(Legislação), por um aumento do número e/ou da eficácia das actividades de
fiscalização (Fiscalização), ou ainda pelo aumento da probabilidade de o
infractor vir a ser condenado em tempo útil (Decisão).
Também
nesse sentido vai a perspectiva de Leal & Centeno (1982), onde é apontado
que o resultado final da acção do Estado (numa perspectiva estrita da
coercibilidade) será o resultado do produto dos lados do triângulo
Legislação/Fiscalização/Tribunais e não da sua soma. Como refinamento desta
ideia abstracta apresentamos o resultado da acção do Estado, não como um triângulo, mas como
um volume correspondente ao produto dos três vectores referidos
(substituindo os tribunais pela Decisão Processual, ver fig. 2), equivalendo
cada vector ao contributo dado por cada uma das componentes. Esse contributo,
não havendo perdas significativas em termos de organização e de eficiência, em
cada uma dessas componentes deverá aproximar-se também do esforço do Estado, em
termos de recursos despendidos. Logo a eficiência máxima deste modelo implicará um equilíbrio entre os
três vectores, que permitirá o melhor output final da acção coerciva do
Estado em face dos recursos disponíveis (esta optimização será representável
graficamente como um cubo, vd volume azul na fig. 2). Este princípio tanto será
válido para países ricos e com muitos recursos, como para países pobres com
poucos recursos. Uma situação desequilibrada, como a exemplificada no volume
laranja da fig. 2 (onde reduzimos o tamanho de dois dos vectores a metade,
mantendo o outro), conduz a uma ineficiência da acção coerciva do Estado, pois
a uma redução da soma dos três vectores para 66,6% (esforço total do Estado),
corresponde uma redução do volume para 25% (resultado total da acção do
Estado).
Legislação
|
Fiscalização
|
Decisão
|
Esta ineficiência poderá conduzir a uma
situação de ineficácia, caso se verifique um incumprimento reiterado das normas
legais, ou, em alternativa, à utilização de recursos em excesso para se atingir
o resultado pretendido. Esta é, naturalmente, uma abstracção que pretende
traduzir um determinado conceito mais do que o quantificar matematicamente
apresentado.
… …
c)
A fiscalização da pesca em Portugal
Vejamos
pois agora como se executa o controlo e a fiscalização da pesca em Portugal,
começando por apontar a quem compete a sua execução e que estruturas se
encontram previstas para a articulação entre essas entidades, para
posteriormente mostrarmos, no ponto seguinte, como se encontra edificada a
capacidade de fiscalização da pesca na Marinha Portuguesa, explanando quer as
suas estruturas de apoio, quer ainda os princípios e um pouco da metodologia
que são seguidos no desempenho desta actividade de serviço público não militar.
O rol
dos organismos com competência legal para a realização das tarefas de
fiscalização das actividades de pesca encontra-se na leitura conjugada de dois
Decretos-Lei. O primeiro, o Decreto-Lei
nº 278/87, de 7 de Julho, que institui a regulamentação quadro do exercício da pesca
marítima, estipula no seu artº 15º que:
“A
fiscalização das actividades de captura, desembarque, cultura e comercialização
das espécies marinhas, (...) competindo a sua execução aos órgãos e serviços dos
Ministérios da Defesa Nacional, das Finanças, da Administração Interna, da
Economia, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do
Ambiente, no âmbito das atribuições e competências que lhes estejam
legalmente conferidas relativamente à inspecção, vigilância e controlo.”
Não
especificando quais os órgãos e serviços em causa este Decreto-Lei deixou assim
incompleto o quadro de intervenção na fiscalização e controlo das pescas, até
2001, altura em que é promulgado o Decreto-Lei nº 79/2001, de 5 de
Março,
que, no seu preâmbulo, aponta precisamente o facto de ter vindo preencher essa
lacuna:
“Completa-se,
assim, o quadro de intervenção legal e operacional no sector da pesca, dando
sequência instrumental às grandes linhas de orientação já definidas no regime
jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º278/87, de 7 de Julho”.
Este
regulamento, que veio instituir e regulamentar o Sistema Integrado de
informação e apoio à vigilância, FIscalização
e Controlo da Actividade da Pesca,
conhecido como SIFICAP
indica no seu artº 2º que:
“1 — O
SIFICAP suporta as acções de vigilância, fiscalização e controlo das
actividades da pesca.
2 — São competentes para o exercício
das acções referidas no número anterior as seguintes entidades
participantes no SIFICAP:
a) Inspecção-Geral das Pescas;
b) Marinha;
c) Força
Aérea;
d) Guarda Nacional Republicana;
e) Região Autónoma dos Açores;
f) Região Autónoma da Madeira.”
O
SIFICAP não deve ser entendido apenas como um sistema informático para
compilação e troca de informação relativa às pescas e à sua fiscalização,
porque na realidade é muito mais que isso, pois integra todos os meios Humanos
e Materiais (navios, aéreos, viaturas terrestres, etc.) das entidades
participantes. O SIFICAP tem como órgão central que assegura o seu
funcionamento uma Comissão
de Programação e Planeamento (CPP), onde têm assento representantes de
todas as entidades participantes no sistema, designados como administradores operacionais da entidade respectiva.
Para
além deste fórum de programação e planeamento operacional no âmbito da
fiscalização da pesca, a criação em 2007 do Centro Nacional Coordenador Marítimo (CNCM) veio
facultar uma nova plataforma de coordenação ao nível operacional entre as
entidades que exercem a autoridade do Estado no mar. Ao mesmo tempo este
diploma [Decreto
Regulamentar n.º 86/2007, de 12 Dezembro
2007] atribui à Marinha
competências de coordenação da GNR, no âmbito operacional, em matéria de vigilância e
fiscalização das actividades de pesca, sem
prejuízo das competências superiores de coordenação que o Decreto-Lei nº
79/2001, de 5 de Março, comete à DGPA.
Apontadas
que foram as entidades competentes para a Fiscalização e controlo das
actividades de pesca, e após visitarmos muito sumariamente as estruturas legais
previstas para a sua articulação, olhemos pois brevemente para a organização da
Marinha nesta matéria, sobretudo pela sua relevância na fiscalização da pesca
no mar, mas também fruto da nossa experiência profissional.
d)
A fiscalização da pesca na Marinha Portuguesa
A Marinha exerce actividades no âmbito da fiscalização da
pesca, antes de mais nada devido ao facto de ser uma “Marinha de Duplo Uso”.
Fig.6:
Organograma simplificado do Comando-Geral da Polícia Marítima, da
Direcção-Geral da Autoridade Marítima e do Comando Naval.
Uma das características-chave do conceito de Duplo Uso é a integração, de forma
articulada, de três estruturas orgânicas diferenciadas (ver fig. 6). A
primeira, e a única destas que reflecte nela o próprio conceito de Duplo Uso
devido à sua aptidão bivalente para a acção militar e não militar, é o Comando Naval. A segunda,
de vocação não militar e ligada principalmente à aplicação e à verificação do
cumprimento das leis e dos regulamentos marítimos, é a Direcção-Geral
da Autoridade Marítima. A terceira, direccionada para a acção policial nos espaços marítimos e terrestres sob
jurisdição da Autoridade Marítima, é o Comando-Geral da Polícia Marítima. Esta integração
privilegia pois uma lógica de economia de meios e de partilha de estruturas de apoio e de valências
comuns, bem como do desenvolvimento de uma actuação integrada e complementar destinada a
garantir uma parcimoniosa
utilização dos recursos existentes, potencializando as sinergias criadas
na partilha de
conhecimentos, de competências técnicas e de valores institucionais.
A Marinha,
através destas estruturas garante o exercício da autoridade do Estado nos
diversos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional,
designadamente, entre outras, em matéria de fiscalização da pesca. Para isso
utiliza como meios operacionais, quer as unidades navais na dependência do CN,
quer também os meios humanos e materiais das estruturas da DGAM e do CGPM,
designadamente, das Capitanias dos Portos e dos respectivos Comandos Locais da
Polícia Marítima.
A fórmula
encontrada para a actividade de fiscalização assenta numa estrutura articulada,
complementar entre si e sinérgica na actuação: a fiscalização nos espaços oceânicos e costeiros
é sobretudo efectuada
pelas unidades navais do CN, nas zonas marítimas ribeirinhas, onde se
encontram algumas das áreas mais sensíveis do ponto de vista biológico (zonas
de reprodução e de alevinagem, reservas, etc.) e social, as tarefas são
repartidas entre aqueles meios e os da PM, justificando-se aqui alguma sobreposição do
esforço de fiscalização, enquanto as águas interiores e o domínio público hídrico sob a jurisdição da
Autoridade Marítima, são áreas essencialmente fiscalizadas pelos meios da PM.
As acções de
fiscalização da pesca, sobretudo as efectuadas no mar, onde devido à sua
extensão e consequentemente aos custos envolvidos, não se poderia manter
permanentemente uma presença dissuasiva, são direccionadas para zonas e tipos
de embarcações onde se tenha identificado uma maior probabilidade de práticas
ilícitas e de acordo com as prioridades do plano de fiscalização da pesca em
vigor. Para isso é efectuado um planeamento aos vários níveis de comando e
controlo, tendo como factores, as probabilidades referidas e as condicionantes
que decorrem do tipo de embarcações, artes, malhagens, períodos de defeso,
zonas de reserva, condições meteorológicas, etc., utilizando em apoio a este
planeamento ferramentas como o SIFICAP, o MONICAP ou seja o
Vessel Monitoring System (VMS) nacional, o SIPM e o SADAP, esta última
como integradora da informação de todas as outras, garantindo a interoperabilidade
entre estes sistemas. Subjacente a este conceito de operação encontra-se uma
doutrina de nível táctico que foi desenvolvida a partir da criação em 2008 do Gabinete de Fiscalização
Marítima. Cabe a este Gabinete, inicialmente criado na Esquadrilha de
Navios Patrulhas e actualmente sedeado no CITAN, a tarefa de apoiar toda a Esquadra na compilação de legislação e desenvolvimento de
documentação de apoio, mas também no suporte à formação, à avaliação dos padrões
operacionais e ao treino respectivo, tudo no campo da Fiscalização Marítima, onde se inclui com
particular relevo a fiscalização da pesca.
Relativamente
aos procedimentos de planeamento e de operação há que destacar sobretudo
aqueles que têm implicações na eficácia e na eficiência da fiscalização,
maximizando assim o vector “fiscalização” no conceito de acção coerciva do
Estado, conforme acima descrito. Destes, começaremos por apontar o privilégio
por um tipo de fiscalização que maximiza a detecção dos infractores, num
primeiro ensejo em flagrante na situação de infracção, ou posteriormente, no
decurso da visita a bordo da embarcação fiscalizada. Este tipo de metodologia,
que envolve uma selecção criteriosa dos alvos a fiscalizar baseada numa análise de risco, segue as indicações da União Europeia
nesta matéria, expressas pelo Regulamento de Controlo resumidas da
seguinte forma no seu preâmbulo:
“As
tecnologias modernas, nomeadamente o sistema de monitorização dos navios, o
sistema de detecção de navios ou o sistema de identificação automática, deverão
ser exploradas, dado que permitem efectuar uma monitorização eficaz e proceder,
de uma forma rápida, a controlos cruzados sistemáticos e automatizados, para
além de facilitarem os procedimentos administrativos para [que] as autoridades
nacionais e os operadores, possibilitem assim a realização atempada de análises de risco e avaliações globais de todas as
informações pertinentes sobre o controlo. É, pois, necessário que o regime de
controlo permita aos Estados-Membros combinar a utilização de vários
instrumentos de controlo a fim
de garantir que o método de controlo seja o
mais eficiente possível.”
Na elaboração
dessa análise de risco é utilizado o já referido SADAP, sistema de apoio à
decisão integralmente desenvolvido na Marinha e implementado a partir de
2008/2009. Este sistema encontra-se actualmente em utilização no apoio à
condução de operações, ao nível superior no CN, na DGAM e no CGPM, ao nível
intermédio nos Comandos de Zona Marítima, Departamentos Marítimos e Comandos
Regionais da PM, e ainda ao nível das unidades navais com tarefas de
fiscalização, das Capitanias e dos Comandos Locais da PM. A análise de risco
efectuada por este sistema é baseada nos históricos da fiscalização efectuada tanto pelas
unidades navais, como pela Polícia Marítima, e na informação recebida do
MONICAP. Permite assim identificar a maior probabilidade de existência de infracções, tanto em termos
geográficos, como em termos temporais (períodos sazonais, semanais ou diários),
ou ainda conforme a tipologia dos alvos (tipo de embarcação, tipo de artes em
utilização, etc.), facultando a possibilidade de direccionar as actividades de
fiscalização para onde exista maior risco de cometimento de infracções.
Por outro lado,
como vimos atrás, a
percepção da justeza e da equidade de procedimentos por quem é fiscalizado
desempenha um papel importante na observância por estes das normas legais
aplicáveis. Nesse sentido durante cada fiscalização são adoptados procedimentos rigorosos e
padronizados, sendo seguida escrupulosamente uma lista de verificação
específica para as embarcações de pesca (existem listas diferentes para
outros tipos de embarcações). A verificação dos pontos dessa lista é
acompanhada a bordo das unidades navais através de reportes de situação feitos
regularmente pela equipa de fiscalização ao comandante, o que assegura um duplo controlo que
diminui a probabilidade de ocorrência de erros procedimentais. Adicionalmente, no âmbito das tarefas de apoio
do COMAR, encontra-se disponível 24 horas por dia uma Hot Line para apoio aos
comandantes das unidades navais no campo da fiscalização marítima.
O correcto
desempenho das unidades navais e das suas equipas de fiscalização não depende
contudo apenas da utilização dessa lista e do seguimento desta metodologia, ele
assenta mormente em quatro outros alicerces: numa formação adequada dos
elementos envolvidos, no treino das equipas, na existência de uma organização
adequada e de documentação de apoio para consulta expedita durante a
acção.
... ...
IV.
CONCLUSÃO
… …
No que
respeita especificamente à Fiscalização,
pudemo-nos aperceber de como se encontra estruturada em Portugal, e que, mau
grado os dados que apontam para uma elevada taxa de inobservância das leis da
pesca que ainda se verificará no nosso país comparativamente aos seus parceiros
europeus, é apreciada
positivamente e acima de outras matérias em estudos independentes sobre a
gestão e o controlo das pescas. Esta situação configurará eventualmente
um desajuste, seja no âmbito dos três vectores da acção coerciva do Estado, ou
seja em outros domínios da acção do Estado, cujo estudo entendemos pertinente.
Vislumbrámos
ainda o importante papel da Marinha nesta actividade, como a única entidade integrante do
SIFICAP a efectuar inspecções a embarcações de pesca em todo o espaço marítimo
entre as 12 milhas e as 200 milhas de costa (ZEE), sendo ainda a que exerce maior esforço
no restante espaço marítimo (Mar
Territorial e Águas Interiores). Da mesma forma, é a única entidade com
formação específica sobre esta matéria e que baseia o seu planeamento de
actividades em sistemas de análise de risco, em conformidade com as exigências
da União Europeia.
O
móbil das acções de gestão, controlo e fiscalização da pesca praticamente não é
perceptível para grande parte dos cidadãos, pois são actividades de que não se
colhem frutos a curto prazo, ou aparentemente não se colhem frutos de todo,
cabendo aos nossos filhos e netos colhê-los (ou mais propriamente pescá-los).
Mau grado os constantes anúncios de renovado interesse no mar, numa altura em
que o presente é avassalador e a cultura do imediatismo predomina, não é
incomum ouvirmos quem se questione, olhando apenas para o dia de hoje, se o que
se gasta com as actividades de fiscalização da pesca não será tanto ou mais do
que o que se perde com a pesca ilegal, e nesse caso para quê fiscalizar? O
pressuposto desta questão está, porém, profundamente errado, pois tal como os
ganhos não são vislumbráveis a curto prazo, também as perdas que interessa
prevenir, por não configurarem saltos bruscos e mediáticos, não são notícia no
imediato... Mas o paulatino exaurir dos recursos nem por isso deixaria de
prosseguir, infelizmente com reflexos inevitáveis – e seguramente bem visíveis
– no futuro.
20 Abril 2012 –
“Diário de Notícias” – “Militares e Polícias: competências” – Jorge Silva Paulo
Proponho-me rever duas questões
substantivas mas pouco atendidas. Militar e polícia têm pontos em comum: são
estruturantes do Estado, assentando no monopólio do uso legítimo da força
(palavra-chave: legítimo), e ambos são especialistas na gestão do uso da força;
têm o dever de defender a comunidade e a ordem em que se inserem, contra
ameaças, sobretudo as que usem a força; no Estado de direito, estão sujeitos à
lei e dependem dos órgãos legítimos do poder político.
Com as Forças Armadas (FA) sujeitas
a cortes orçamentais, ou limitadas no seu poder, as informações a que as
polícias podem ter acesso (pela sua difusão no território) e os recursos que
lhes são atribuídos são tentadores. Ante as aparentes economias de escala [de gama], a partilha é tentadora para as FA. Num ambiente de ínfima ameaça externa, as economias
de escala recomendarão antes que as FA apoiem as polícias. Mas isso é
que não, "um militar não se subordina a
polícias", dizem muitos militares.
Apoiar é uma coisa, subordinar
é outra totalmente diferente. Como é evidente, há muitas formas de “apoiar” que
não implicam “subordinar”. Ou, falando em termos militares, que não implicam
ficar sob o comando ou o controlo operacional da entidade apoiada.
Em todo o caso, se for necessária uma
intervenção conjunta, ela terá que ser feita de acordo com o disposto na
Constituição, na Lei de Segurança Interna (Lei n.º 53/2008, de 21 Agosto 2008), na Lei de Defesa
Nacional (Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 Julho 2009) e na Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA 2009),
Lei
orgânica n.º 1-A/2009, de 7 Julho 2009.
Constituição:
Artigo 273.º
(Defesa Nacional)
... ...
1.1.1.1.
A defesa nacional tem por objetivos garantir, no respeito da ordem
constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais,
a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a
segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas.
... ...
Artigo 275.º
(Forças Armadas)
1.
Às Forças Armadas incumbe a defesa
militar da República.
... ...
6. As Forças Armadas podem ser
incumbidas, nos termos da lei, de colaborar em missões de protecção civil,
em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a
melhoria da qualidade de vida das populações, e em acções de cooperação técnico-militar
no âmbito da política nacional de cooperação.
Lei de Segurança Interna:
Artigo 35.º
Forças Armadas
As Forças Armadas colaboram em
matéria de segurança interna nos termos da Constituição e da lei,
competindo ao Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna e ao Chefe do
Estado-Maior-General das Forças Armadas assegurarem entre si a articulação
operacional.
Lei de Defesa
Nacional:
Artigo 24.º
Missões das Forças Armadas
1 — Nos termos da Constituição e da lei, incumbe às
Forças Armadas:
... ...
e) Cooperar com
as forças e serviços de segurança tendo em vista o cumprimento conjugado das
respectivas missões no combate a agressões ou ameaças transnacionais;
f) Colaborar em
missões de protecção civil e em tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades
básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações.
... ...
LOBOFA 2009:
Artigo
4.º
Missões das Forças Armadas
1 — Nos termos da Constituição e da lei, incumbe às
Forças Armadas:
... ...
a)
Cooperar com as forças e serviços de segurança tendo em
vista o cumprimento conjugado das respectivas missões no combate a agressões
ou ameaças transnacionais;
... ...
Repete-se que já se disse quando se comentou a Lei n.º 53/2008 – 29 Agosto 2008 (Lei de Segurança
Interna) e a Lei Orgânica de Bases
da Organização das Forças Armadas (LOBOFA 2009), Lei orgânica n.º 1-A/2009, de 7 Julho 2009:
À
face do que estipula a Constituição, não se entende a colaboração ou a cooperação
das Forças Armadas com as forças e serviços de segurança, que nela não está
prevista.
Salvaguarda-se
a hipótese de se entender que, numa situação particular que não justifique a
declaração de estado “emergência” ou de “sítio”, estas forças e serviços, por
insuficiência de meios, necessitem pontualmente da “ajuda” das Forças Armadas,
numa perspectiva de “satisfação de uma necessidade básica das populações”
– neste caso por estar em risco a sua segurança. Mas
estar-se-ia
a contornar o estipulado na alínea e) do art. 4.º da LOBOFA, que restringe uma
acção deste tipo apenas em presença de agressões ou ameaças transnacionais.
Agressões e ameaças estas que se supõe não serem de
ordem militar, situação em que, quando muito, as forças de segurança deverão,
se tal lhes for determinado, cooperar com as Forças Armadas, podendo ficar
mesmo sob o seu comando. E um ataque que se supõe terrorista identifica
inequívoca e imediatamente a sua origem nacional ou transnacional / externa? É
evidente que não. O bom senso e a consciência dos valores em causa determinam
que não se façam leituras fundamentalistas destes diplomas.
Tal
como também já se disse, isto nada tem a ver, por exemplo, com o apoio a
uma qualquer entidade policial na fiscalização da pesca. De facto, papéis de
bordo incorrectos, malhagens inferiores ao permitido ou a pesca por arrasto a 5
milhas de costa em vez 6 (para dar alguns exemplos), absolutamente nada têm
a ver com a segurança das populações (nem, aliás, com a satisfação de uma sua
necessidade básica) ou uma agressão ou ameaça transnacional. Ou seja, a actuação das Forças Armadas em
assuntos desta natureza é tão inconstitucional – ou constitucional
– quer o façam independentemente, quer o façam em colaboração ou em apoio de
entidades policiais.
Numa
situação em que, de facto, e justificadamente, as Forças Armadas tenham
que colaborar com as Forças de Segurança, o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna e o Chefe do Estado-Maior-General das
Forças Armadas asseguram entre si a articulação operacional e determinam a
forma do exercício de comando no terreno, não havendo à partida, uma vez
que se trata de colaboração, qualquer modelo pré-estabelecido (e
eventualmente a qualquer uma das forças envolvidas pode ser atribuída uma
missão parcial, que irá desempenhar mantendo a sua própria cadeia de comando.
Aliás, é o que sucede em acções desempenhadas pelas Forças Armadas no âmbito da
Protecção Civil – ver 3
Junho 2006 – Lei n.º 27/2006 – Lei de bases da Protecção Civil
– artigo 57.º).
… ...
Esta dualidade indicia que as
economias de escala [de gama], ou outros argumentos afins, apenas
visam manter a configuração das FA; é o caso da pretensão
de domínio da Marinha sobre a Polícia Marítima (ou sobre o Sistema Nacional
para a Busca e Salvamento Marítimo),
O art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 248/95 –
ver 21 Setembro 1995 – insere formalmente a Polícia Marítima
no SAM, que então é dirigido pelo CEMA;
O art.º 8.º do mesmo diploma estipula que “o comandante-geral e o 2.º comandante
geral, os comandantes regionais e os comandantes locais são, respectivamente, por
inerência de funções o director-geral e o subdirector-geral da Direcção-geral
de Marinha, os chefes dos departamentos marítimos e os capitães dos portos”;
O n.º 2 do art.º 9.º
do Decreto-Lei n.º 717/76 estipula que “ os comandantes de zona marítima
exercem, por inerência e cumulativamente, as funções de chefes dos
departamentos marítimos das respectivas zonas”;
O art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 44/2202 –
ver 2 Março 2002 – estipula que a PM
integra a recém-criada AMN, cujo dirigente máximo é, por inerência, o CEMA;
O
n.º 1 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 15/94 determina que o SBSM “funciona no âmbito da Marinha” – ver 22
Janeiro 1994.
Legislação
subsequente não alterou na sua essência estas disposições. Os diplomas citados
são leis de um Estado de Direito Democrático, que legitimamente as promulgou. O
vínculo que se estabelece entre a Marinha e a PM e o SNBSM decorre destas leis
e não de qualquer pretensão de domínio.
cristalizada na expressão "duplo uso" e em economias de escala
[e de gama] (por demonstrar [tal
como o contrário: quem pretende alterar alguma coisa é que terá que
demonstrar o seu mérito. Ver comentários a propósito em artigo anterior de
Silva Paulo – 22 Outubro 2011 e em 14 Novembro 2013, em Respostas do C.M.G. (Res.) Jorge Silva Paulo [a questões que lhe
foram colocadas]), mas sem fundamento na Constituição [ver comentário a artigo
anterior de Jorge Silva Paulo – ver 24
Setembro 2011] nem na lei.
Pelo contrário: a generalidade das leis
que se ocupam deste assunto pressupõem o “duplo uso”. Ver em 18 Junho 2014 uma súmula das
disposições legais posteriores à revisão constitucional de 1982, relacionadas
com a fiscalização das águas sob soberania ou jurisdição nacional feita pela
Marinha.
E mesmo quem o defende já reconhece
que a separação constitucional entre defesa nacional e segurança interna deve
ser diluída para que este "duplo uso" deixe de ser inconstitucional -
um, entre tantos casos de servidores do Estado
que querem mudar a lei para facilitar a gestão interna ou para realizar
projectos particulares.
Isto
é redutor e a atingir o ofensivo. Primeiro há muito quem defenda este “duplo
uso” – aliás em vigor num número enorme de países, ver Anexos A e B
– porque entende ser a melhor solução para o país. Segundo, porque de acordo
com o entendimento do poder político esta solução não é anti-constitucional –
ver 24 Setembro 2011.
Mas há duas razões
substantivas que sustentam uma diferenciação entre FA e polícias.
Aprendi com um notável almirante que
me chefiou que a diferença entre FA e polícias
é "a prova": enquanto o militar pode, e por vezes deve, levar
a sua acção até a destruição [e os polícias evidentemente que
também], o polícia está [primordialmente!] sujeito ao imperativo de preservar a prova (fundamenta
a acusação e pode ter de ser presente a tribunal) [mas acima disso está a legítima segurança dos
cidadãos, de companheiros e mesmo a sua]. O polícia
orienta-se pelo mínimo uso da força; o militar [também…] apoia-se em tecnologias que
disponibilizam grandes quantidades de energia aplicadas em pouco tempo, que
garantem a destruição dos objectivos.
Com, obviamente, a utilização do mínimo
uso da força que a garanta – e, numa época em que a informação corre célere e
atinge todo o lado, tendo muito cuidado com os “efeitos colaterais”! Os
militares, que sabem o poder que têm, são instruídos de modo a utilizá-lo de
forma (muito) ponderada. Desde logo, num Estado de Direito Democrático, apenas
na sequência de decisão do poder político. E depois, “no terreno”, com a
necessária contenção. Isto nem sempre acontece? Claro que sim. Mas também
abundam os exemplos de violência policial. Nos Estados Unidos da América ela é
flagrante, com as consequências que se sabem. Mas não é preciso sair de
Portugal para encontrar maus exemplos desta natureza.
Tem de ser
diferente a formação e o treino de ambos, desde logo porque o polícia tem de conhecer bem a lei que faz cumprir todos os dias [idem quem, das Forças Armadas, também a
faz cumprir] e é punido se não a souber ou se a aplicar mal.
E a distinta natureza das funções e
da formação do militar e do polícia levam-nos a encarar a informação de modo
divergente, incluindo na relação com as suas envolventes. Enquanto o militar segue o princípio de "need to know" (só se permite o
acesso, mesmo interno, à informação, a quem tenha de a saber, por motivos
operacionais), o polícia guia-se pelo "right to know" (obter e preservar a
prova determina que a informação é pública, com excepções e interpretações
restritas).
Não se contestando que existe diferença
entre informação “divulgável” militar e policial, os tempos actuais e as
tecnologias disponíveis no presente esbatem muito as diferenças entre ambas.
Hoje assistimos (com horror) à transmissão da guerra em directo e, por outro
lado, vemos polícias e operadores judiciais a defenderem com afinco o “segredo
de justiça”, pelo menos na medida em que uma divulgação não comprometa uma
investigação em curso. O “right to know” está muito longe de ser absoluto.
Isolando o profissionalismo dos
serviços de relações públicas, mais do que na postura corporativa dos civis, a desconfiança está latente na formação e na conduta
típica dos militares sobre a observação ou divulgação externa (sem controlo)
das suas actividades internas; e revela-se na atitude cultural perante
os “media” que são considerados não-simpáticos.
Militares e polícias são diferentes, e são
insubstituíveis nos seus âmbitos próprios, definidos na Constituição e na lei.
Falando no abstracto de militares, polícias,
Constituição e lei, há que reconhecer que as soluções adoptadas são diferentes
(às vezes muito diferentes mesmo), de país para país. E há que reconhecer
também que há inúmeras forças militares a desempenharem exclusivamente missões
policiais. A GNR é uma delas. Mas também a Guardia Civil espanhola, o Marechaussée dos Países Baixos, os Carabinieri italianos (são mesmo um dos ramos das Forças
Armadas), a Gendarmerie Nacional francesa é militar, e a Gendarmerie Maritime,
que está integrada na Marinha, etc., etc., etc. ….
Ante
ameaças existenciais, e justificando-se o uso de elevada força, as FA dirigem e
as polícias apoiam; fora dessas excepções, as polícias dirigem e as FA devem
apoiá-las.
Fora dessas excepções, as polícias e as
Forças Armadas desempenham autónoma e separadamente as suas funções. Como é
lógico.
Sem
pôr minimamente em causa que Forças Armadas … são Forças Armas e Polícias … são
Polícias, nada obsta a que elementos das Forças Armadas, devidamente
instruídos, desempenhem cabalmente tarefas de fiscalização, por exemplo, com o
mesmo cuidado na obtenção de provas, a mesma contenção de procedimentos, etc.,
etc. que a Polícia normalmente tem. Em Portugal, mais de 180 anos desta prática
provam-no exuberantemente. Num número enorme de países a mesma prática também é
seguida sem qualquer problema. Esquecer isto é lacunar, e grave.
Também,
em princípio, nada deverá obstar a que, em circunstâncias excepcionais, as
Forças Armadas não possam cooperar com as Forças de Segurança. Mas isto, como
atrás se disse, não significa que sejam estas obrigatoriamente a dirigi-las.
Ver também comentário a este propósito em 7
Julho 2009 – Lei orgânica n.º 1-A/2009 (LOBOFA 2009 – art.º 4.º)
11 Junho 2012 – “Diário de Notícias” – “Uso e abuso do
duplo uso” – Jorge Silva Paulo
Quando pessoas muito diversas
começam a usar a mesma expressão é sinal de confusão [ou de moda, “prontos“…]. É o que está a passar-se com as “eurobonds” - e com
o "duplo uso".
O “slogan” "duplo uso" surgiu no contexto
do comércio internacional de armas para designar bens e tecnologias declarados
para fins civis mas que se destinam ao fabrico de armas.
“Duplo uso” é uma
expressão vulgar, aplicável a uma infinidade de situações correntes e terá sido
aplicada também a esta situação.
Há poucos anos, a Administração da Marinha de Guerra criou uma
doutrina do "duplo uso", para justificar a integração de
serviços públicos não militares, como a Autoridade Marítima, nesse ramo militar.
Desde que há Marinha de combate (chamemos-lhe assim)
em Portugal que ela tem um “duplo uso”: a defesa militar da nação e a defesa
contra a pirataria e mais tarde também contra o contrabando – que são funções
policiais. Aliás, Silva Paulo diz isto mesmo no seu artigo do DN de 24 Setembro 2011, “Marinha de duplo uso – uma
reflexão”: “Na "Marinha de duplo uso",
a ideia é contrária: aplicar legitimamente em fins civis meios concebidos para
operações militares - o que o ramo faz há séculos.”. É pois uma prática que de facto existe
há séculos. E seria um tanto tardio (para não dizer outra coisa) que uma
doutrina surgida “há poucos anos” tivesse nascido para justificar alguns
aspectos actuais dessa mesma prática.
Sugiro
uma busca neste documento por “duplo uso” – que todo o poder político defende.
A primeira entrada post revisão
constitucional de 1982 reporta-se a 1984 e ao deputado da UEDS César de
Oliveira, que lhe dá a pitoresca designação de “matar dois coelhos de uma cajadada”.
A Autoridade Marítima [entenda-se: o serviço que é designado por “Autoridade
Marítima Nacional”] é totalmente operada por pessoal dos quadros da
Marinha. A Polícia Marítima é o instrumento operacional da Autoridade Marítima
Nacional, subordinada ao ministro da Defesa Nacional, e tem quadros e estatutos
próprios. A Administração da Marinha tem feito uma gestão global da Marinha, do
Serviço de Busca e Salvamento Marítimo (SBSM), da Autoridade Marítima e da
Polícia Marítima (em que os três últimos dependem do ministro da Defesa
Nacional), dando a prioridade à Marinha de
combate oceânica.
A principal missão constitucional da Marinha, enquanto
ramo das Forças Armadas portuguesas, é a defesa militar da República. A
prioridade terá portanto que ser essa.
Essa
prioridade tem colocado a proteção das nossas águas em segundo plano, como se vê pela falta de
navios-patrulha, que [é da total responsabilidade do
poder político e] não é compensada por fragatas e submarinos, cuja
obtenção a Administração da Marinha considerou
um desígnio superior, mas muitíssimo mais caros de operar e inadequados
para as missões correntes.
Constituem de facto um desígnio superior – a defesa
militar da República, que a Constituição comete às Forças Armadas. Os meios em
causa são adequados para esta defesa e para os compromissos internacionais de
Portugal.
Por “missões correntes” presume-se que o autor
significa as missões de interesse público e carácter civil. Mas há aqui uma questão
a considerar, e que não é de somenos importância. A Marinha pode considerar o
que quiser do que quiser. Mas quem decide é o poder político. A Lei de
Programação Militar é uma lei da Assembleia da República; os sucessivos
orçamentos de Estado anuais, que são propostos pelos Governos, são leis da
Assembleia da República. E todas as leis são promulgadas pelo Presidente da
República. Estamos num Estado de Direito Democrático, com todas as instituições
de condução do país a funcionarem legitimamente. E é a este poder político
que compete dotar a Marinha dos meios adequados para cumprir as missões que lhe
confia.
Quando aponto as contradições a esta doutrina [do “duplo uso”] observo o incómodo e as reacções ilegítimas dos que a apoiam. Ela põe em causa a separação
constitucional e legal entre as Forças Armadas e a segurança interna.
1. O autor deveria querer dizer: “observo incómodo e reacções defendendo posições ilegítimas entre
alguns dos que a apoiam” – o que é substancialmente diferente do que disse.
“Ilegítimas” porquê? As “reacções” em si não são ilegítimas nem põem em causa o
que quer que seja. Vivemos num país democrático, onde a opinião é livre. O que
se defende é que poderá ou não ser aceitável. Mas isso é outra questão – e
convém – mesmo muito – não confundir as coisas. Além do mais, se as
reacções desses apoiantes são as que elenca a seguir – uma revisão
constitucional e um novo conceito de segurança e defesa – são absolutamente
legítimas, tão legítimas quanto as opiniões do autor. E poderão ser
defendidas com o mesmo empenho que este coloca na defesa dos seus pontos de
vista.
2. O poder político, e também a Marinha, consideram
que o exercício da autoridade do Estado no mar – desde logo a acção de
fiscalização das nossas águas feita pelas unidades navais – é um assunto de
soberania nacional e de Defesa e não de segurança interna. É discutível, mas é
a realidade.
Conscientes deste facto, há
militares, nos ramos e suas extensões, que defendem uma revisão da Constituição para que esta se adapte à doutrina do
"duplo uso". Temendo não o conseguir, vai-se preparando uma
alternativa através de um novo conceito de
segurança e defesa.
A participação
de pessoal e meios da Marinha em tarefas de natureza não-militar tem séculos e nunca
suscitou dúvidas, até que alguém se lembrou de elevar uma expressão ilustrativa (duplo uso) [de uma prática de séculos…] a doutrina,
desvalorizando a Constituição e a lei, que se chegou a chamar "corrosiva".
Ou seja: no entender do autor, a prática “nunca
suscitou dúvidas”, mas a tradução dessa prática numa doutrina desvaloriza a Constituição e a lei. É,
no mínimo, incompreensível. E a que lei, em sentido geral, se refere o autor?
Veja-se em 18
Junho 2014 uma súmula das disposições legais
posteriores à revisão constitucional de 1982 e relacionadas com a fiscalização
das águas sob soberania ou jurisdição nacional feita pela Marinha.
Veja-se também o que o autor disse em 2 Agosto 2011 – “Diário de Notícias” – “Resiliência organizacional e
Marinha de duplo uso”:
“A Marinha de "duplo uso" consubstancia, na sua essência, o serviço
público militar de Defesa, característico de uma armada, e não militar de segurança,
típico de uma guarda costeira. Esta lógica multifuncional tem
possibilitado à Marinha usufruir de sinergias inerentes às actividades
logísticas, organizacionais e operacionais, desenvolvidas numa simbiose
sustentável de economia de escala. Por outras palavras, se o País possuísse
uma armada e uma guarda costeira, separadas e com meios próprios, haveria seguramente um aumento exponencial
da despesa pública, sem qualquer benefício de defesa ou segurança para os
cidadãos.”
Nenhuma
referência fez então quanto a uma alegada desvalorização da Constituição e da
lei.
A Força Aérea é pelo menos tão
importante como a Marinha na realização e eficácia de missões de busca e
salvamento marítimo, mas não criou uma doutrina de "duplo uso" e não
reivindica em vídeos e declarações públicas que é um serviço seu - o SBSM
depende, por lei, do ministro da Defesa e é executado pelos meios e pessoal dos
ramos e doutros serviços do Estado.
Funciona no âmbito da Marinha, com meios e pessoal da
Marinha, podendo contar com a colaboração de diversas entidades, do Estado ou
não, incluindo a Força Aérea. Ver 22
Janeiro 1994 – Decreto-Lei n.º 15/94
A Administração da Marinha está de parabéns por ter
conseguido a adesão de pessoas muito variadas a um “slogan” que tem uma origem
distante do sentido que lhe deu [tal com se disse atrás,
“duplo
uso” é uma expressão vulgar, aplicável certamente que há longuíssimo tempo a
uma infinidade de situações correntes com exactamente o mesmo sentido com que é
empregue agora pela Marinha: duas utilizações (que neste caso são uma de
carácter civil e outra militar)], e cuja sonoridade
encaixa bem nestes tempos de chavões e ideias simples. Está por ver se essa
vitória mediática passa de pírrica à realização dos seus fins, apesar da bem
cristalizada interpretação da Constituição e da lei. Quando os portugueses
estão a ser informados com horror [?!?!] de inúmeros abusos
individuais e corporativistas, para obtenção de "quintas" e
benefícios, cujos efeitos nefastos e custos são deixados para os contribuintes, o "duplo uso" só pode significar o apoio
das Forças Armadas a missões de natureza não-militar, subordinados às
autoridades civis competentes, nos termos da lei. E quem não cumpre a
lei, que (se) mude!
Tal como já se disse atrás, considera-se
tão constitucional ou inconstitucional o “apoio” das Forças Armadas em
determinadas missões de natureza não-militar quanto a sua execução – ver comentários à Lei n.º 53/2008 – 29 Agosto 2008 (Lei de Segurança Interna) e à Lei
orgânica n.º 1-A/2009, de 7 Julho 2009
(LOBOFA 2009).
Não se vê em lado algum o “horror” dos
portugueses que o autor refere, ou, pelo menos, que este “horror” se aplique ao
caso em apreço. Este, aliás, é um assunto ao qual os portugueses, mesmo os que
nele estão directamente envolvidos, votam um absoluto desinteresse. É um
não-assunto.
(Mas
suspeito seriamente que a situação se alteraria de forma radical se se
pretendesse acabar com este “duplo uso” e tornassem públicos os custos
envolvidos. E não deixa de ser interessante verificar que uma petição pública
pela defesa da Força Aérea a combater fogos florestais vai ser discutida em
Plenário da Assembleia da República depois de ter sido aprovada, por unanimidade, em comissão parlamentar. Ver 17 Janeiro 2017).
“Quintas”, benefícios, efeitos nefastos
e custos para os contribuintes: seria interessante o autor não se ficar apenas
por generalidades e concretizar as suas acusações – nomeadamente os custos e os
efeitos nefastos do “duplo uso”, em contraposição com os custos e os efeitos
benéficos de uma solução concreta que apontasse. (Eventualmente noutro
artigo no DN ou outro meio de divulgação pública, mas, que se desse conta,
nunca o fez. (Se acaso o fez, aqui ficam desde já as minhas mais veementes
desculpas).
O “duplo uso” aplica-se a um determinado
número de actividades (fiscalização da pesca, fiscalização e combate à
poluição, busca e salvamento, hidrografia e oceanografia, etc.). Em nenhuma das
leis aplicáveis a estas tarefas se refere o empenhamento da Marinha em apoio
de qualquer entidade. Antes pelo contrário, são-lhe directamente cometidas
aquelas missões.
Por outro lado, o n.º 6 do art.º 275.º da Constituição
estipula o seguinte:
6. As Forças Armadas
podem ser incumbidas, nos termos da lei, de colaborar em missões de protecção
civil, em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a
melhoria da qualidade de vida das populações, e em acções de cooperação
técnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação.
Salvo a busca e salvamento e a
fiscalização e combate à poluição, nenhuma das outras actividades de interesse
público e carácter civil desempenhadas pela Marinha reveste a satisfação de uma
necessidade básica ou a melhoria da qualidade de vida das populações. Elas
são desempenhadas porque o poder político as entende como exercício da
autoridade do Estado no mar e missões de Defesa e de soberania. E por sua vontade. Sem embargo
da concordância da Marinha, que é evidente.
5 Julho 2012 – Tribunal de Contas – Relatório n.º 22/2012,
Processo n.º 46/2011 – Auditoria de Acompanhamento Permanente da Lei de Programação
Militar
… …
Força
Aérea
43. A Força Aérea foi responsável pela execução de projectos
englobados em 9 medidas (Anexo VII), sendo as mais representativas as medidas
M2150, M2451, e M2552,
que, em conjunto, representaram cerca de 78% do total de pagamentos.
… …
Medida M25 – “Capacidade de Transporte de Teatro, Vigilância e Fiscalização, Fotografia Aérea e Geofísica” -
melhoria da capacidade de transporte de teatro, vigilância e fiscalização,
fotografia aérea e geofísica. 53
… …
Medidas e
projectos relevantes
… …
26. Neste âmbito, foi celebrado entre o Estado Português, a DEFLOC
– Locação de Equipamentos de Defesa, S.A. e a EH Industries, Ltd., em dezembro
de 2001, um contrato para o fornecimento de 12 helicópteros EH-10123. Dois helicópteros (lote SIFICAP) foram
adquiridos pelo Estado por cerca de 67 M€24. Os restantes 10 (lote SAR/CSAR) foram objecto de contrato de
locação operacional entre o Estado Português e a DEFLOC, por um período de 15
anos, com início em 29 de Junho de 2006 (data de entrega do último helicóptero)
e pagamentos de alugueres semestrais até
2020, que representam um encargo total de 392M€25
… …
24 Com comparticipação comunitária, ao abrigo do “Programa de
Integração e Expansão dos Subsistemas de Fiscalização
e Controlo da Actividade da Pesca”, no montante de 16,5 M€.
… …
50. A medida M25 integrou até ao final de 2011 os projectos que
suportaram os pagamentos decorrentes do fornecimento das aeronaves C-295M,
designadamente, as rendas do contrato de locação, a manutenção das aeronaves o
funcionamento das MAF – Missões de acompanhamento e fiscalização59 e
a aquisição de equipamento adicional (GFE e GSE).
… …
O
Tribunal de Contas não vê inconstitucionalidade nas actividades da Força Aérea
nos campos da fiscalização, busca e salvamento, combate à poluição, etc.
8 Agosto 2012 – “Diário de Notícias” – “O milagre de
Santa Luzia” – Jorge Silva Paulo
O “Diário de Notícias” de 8 de julho afirmou que
havia militares do Exército a controlar o acesso de cidadãos a espaços públicos
na serra de Santa Luzia (Viana do Castelo), mandando-os parar e exigindo a sua
identificação. Segundo o DN, este tipo de operação já ocorreu em 2011. O
Exército não negou a notícia, não afirmou estar a prestar apoio a autoridades
policiais, a pedido destas e nos termos da lei, e não justificou esta operação
com os planos Lira ou Vulcano, no âmbito da Proteção Civil. Não foi declarado o
Estado de sítio.
1. Não se entende a
que propósito o Exército teria que negar ou justificar a notícia.
2. Sem embargo das
conclusões a que o autor chegou, teria sido bom indicar, para esclarecimento
dos leitores, porque é que os militares do Exército mandaram parar e exigiram a
identificação de cidadãos em Santa Luzia, em que contexto isto ocorreu
(incêndios florestais, presume-se), quem o determinou, se houve ou não algum
pedido nesse sentido – e, em caso afirmativo, da parte de quem e que procedimentos
foram seguidos a montante.
Os referidos controlos e identificação são medidas de polícia, previstas na Lei de
Segurança Interna. São competência típica das Polícias e não são competência
típica das Forças Armadas - só a declaração do
Estado de sítio lhes pode atribuir esses poderes. Portanto, tudo sugere tratar-se de uma operação ilegal.
Nos “media”, só o DN deu relevo à ocorrência. No
meio político, só o deputado António Filipe tomou posição pública. Numa audição
do ministro da Defesa Nacional na Comissão Parlamentar de Defesa, o deputado
Miranda Calha, que já exerceu funções no sector da defesa e que foi o primeiro
a inquirir o ministro, não referiu esta operação; o deputado António Filipe, o
segundo a inquirir o ministro, pediu esclarecimentos (mais tarde por escrito) e
o ministro afirmou desconhecê-la (o que faz supor que o seu assessor de
imprensa terá sido repreendido por deixar passar tamanha ocorrência). E um
sindicato anunciou que ia apresentar uma queixa no Ministério Público, por abuso
de poder.
A menos que se prove que alguém visou usufruir
ilegitimamente ou prejudicar outrem com a operação, é difícil defender que
houve crime; as declarações constantes das peças jornalísticas sugerem que os
afetados não terão razões de queixa. De resto, não custa imaginar que quem
ordenou a operação invocará as melhores intenções, a impunidade (ou o elogio)
do precedente de 2011, e não precisará de invocar "leis mal feitas"
nem explicar que benefício poderá ter extraído da operação, que tantos
aprovarão e aceitarão ter apenas motivação altruísta; tudo isto suscitará a
simpatia de todos os que não alcançam as implicações dos atos praticados. O que
me suscita três dúvidas:
- O que aconteceria (aconteceu?) a quem se
indignasse e se recusasse a cumprir a ordem ilegal? Ou os portugueses só se
indignam com perdas de rendimento?
O autor não indica
se alguém se indignou de facto, limita-se a questionar se tal terá acontecido.
Mas tudo leva a crer que não. Há realmente circunstâncias em que as pessoas
entendem certos factos menos comuns. Ou nem tão incomuns quanto isso. A
exigência de “identificação de pessoas suspeitas que se encontrem ou
circulem em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial” é uma medida de
polícia. Mas ninguém se indigna quando em inúmeras situações se é interceptado
e é exigida a identificação de um cidadão no âmbito de inspecções levadas a
cabo por entidades que não são de
polícia. Por exemplo, na acção:
-
- dos Guardas
dos Recursos Florestais na fiscalização da caça e da pesca, a serviço de entidades
privadas (Decreto-Lei n.º 9/2009, de 9 Janeiro):
Artigo 1.º
Objecto |
O
presente decreto-lei estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da
actividade dos guardas dos recursos florestais contratados por
entidades privadas gestoras ou concessionárias de zonas de caça ou de pesca,
adiante designados por guardas, no território continental de Portugal.
...
...
- Dos inspectores do Trabalho, no âmbito da verificação
das condições de trabalho:
9.2.4.3. Visita inspetiva
A visita
inspetiva, efetuada em regra por uma equipa de dois inspetores, é um momento
importante para verificação e recolha dos elementos necessários à ação.
... ...
ii) Desenvolvimento
da visita
Dependendo da natureza e objetivos da intervenção, o inspetor
do trabalho desenvolve a visita pela deslocação a um ou mais postos de
trabalho, verificando situações, identificando trabalhadores, obtendo
informação junto das organizações representativas de trabalhadores e/ou
solicitando/requisitando e analisando a documentação considerada pertinente e
proporcionada.
No decurso da visita, e sempre que seja relevante para o
desenvolvimento da ação inspetiva o inspetor efetua registos fotográficos,
imagens vídeo e medições; pode também recolher e levar para análise
amostras de produtos, materiais e substâncias utilizados nos locais de
trabalho, dando do facto conhecimento ao empregador ou ao seu representante.
... ...
- Dos inspectores da Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), no âmbito da fiscalização da pesca:
Decreto-Lei n.º 49-A/2012, de 24 Fevereiro 2012:
Artigo 8.º
Poderes de autoridade
...
...
2 - O pessoal da DGRM que
desempenhe funções de inspecção e fiscalização é detentor dos necessários poderes
de autoridade, e no exercício das suas funções goza das seguintes
prerrogativas:
a) Aceder
e inspeccionar, sem necessidade de aviso prévio, as instalações, os equipamentos,
os serviços e os documentos das entidades sujeitas a inspecção e fiscalização
pela DGRM;
b) Requisitar para análise
equipamentos e documentos;
c) Identificar
as pessoas que se
encontrem em flagrante violação das normas cuja observância lhe
compete fiscalizar, no caso de não ser possível o recurso à autoridade policial em tempo
útil;
d) Solicitar a intervenção das autoridades
administrativas e policiais quando
necessário ao desempenho
das suas funções.
3 - O disposto nas alíneas a), b) e
d) do número anterior é igualmente aplicável às entidades e agentes
credenciados pela DGRM para o exercício de funções
de fiscalização, nos termos
previstos no presente diploma.
Dos inspectores da Inspecção Regional das
Pescas (dos Açores):
Decreto Regulamentar Regional n.º 13/2007/A, de 16 Maio 2007
Artigo 14.º
Poderes e
prerrogativas dos inspectores
1 - No exercício da
sua actividade e quando devidamente identificado, o pessoal das carreiras de
inspecção de pesca pode:
a) Exercer o
direito de visita nos termos previstos no regime geral da pesca;
b) Ter livre
acesso a todas e quaisquer embarcações em que se exerçam actividades de
pesca, viaturas, instalações portuárias, lotas, estabelecimentos de
aquicultura, estabelecimentos industriais ou comerciais em que se conservem,
transformem, armazenem ou transaccionem produtos da pesca ou apetrechos para
a actividade da pesca;
c) Permanecer nos
locais referidos na alínea anterior pelo tempo necessário à execução das
respectivas diligências inspectivas, nomeadamente à análise de documentos
relevantes e recolha de matéria de prova;
d) Obter a
colaboração e fazer-se acompanhar de peritos ou técnicos de serviços
públicos, devidamente credenciados pela IRP;
e) Solicitar a
identificação de qualquer pessoa que se encontre no local inspeccionado;
f) Requisitar, com
efeitos imediatos, ou para apresentação nos serviços da IRP, examinar e
copiar documentos ou quaisquer interessem ao bom exercício da actividade
inspectiva e fiscalizadora;
g) Efectuar registos
fotográficos, imagens vídeo, pesagens ou medições que se mostrem relevantes
para a acção inspectiva;
h) Adoptar, em
qualquer momento da acção inspectiva, as medidas cautelares necessárias e
adequadas para impedir a destruição, o desaparecimento ou alteração de
documentos, registos, pescado ou bens, sujeitando-as à ratificação do
inspector regional das Pescas;
i) Solicitar a
colaboração de autoridades policiais, sempre que a mesma se registos que se
mostre necessária ao cumprimento da actividade inspectiva.
2 - Quem por qualquer
forma recusar a colaboração devida, dificultar ou se opuser ao exercício da
acção inspectiva e fiscalizadora da IRP e dos seus inspectores, incorre em
responsabilidade criminal, nos termos da lei.
Do pessoal dos quadros das CCDR [Comissões de Coordenação
e Desenvolvimento Regional] exercendo
funções de fiscalização e vigilância:
Decreto-Lei n.º 134/2007,
de 27 Abril 2007
Artigo 4.º
Poderes de
autoridade
1 - Para a
prossecução das suas atribuições, as CCDR exercem
os poderes da autoridade do Estado
na área geográfica de actuação, ... ...
2 - Ao pessoal dos
quadros das CCDR que exerça funções de fiscalização e vigilância são
reconhecidos os seguintes poderes gerais, sem prejuízo de outros constantes
de legislação específica:
... ...
c) Identificar
quaisquer pessoas ou entidades que violem disposições legais e
regulamentares nos domínios do ambiente, do ordenamento do território ou da
conservação da natureza e da biodiversidade;
d) Intimar à
imediata remoção de ocupações ilegais em bens do domínio público sob a
administração das CCDR e determinar o embargo de quaisquer construções em
áreas de ocupação proibida ou condicionada em zonas de protecção
estabelecidas por lei ou em violação da lei, dos regulamentos ou das
condições de licenciamento ou autorização.
... ...
E podiam continuar os exemplos destas acções – que não são “medidas de polícia” nem são
tomadas por agentes de polícia: são acções resultantes do exercício de
poderes de autoridade pública, reguladas pelo Decreto-Lei n.º 233/82, de 18 Junho 1982 (Regime Geral das Contra-Ordenações) e
também pelo Decreto-Lei n.º 276/2007, de
31 Julho 2007, que aprova o regime
jurídico da actividade de inspecção da administração directa e indirecta do
Estado.
A sociedade aceita tudo isto pacificamente. E não
aceita, muito simplesmente, nem um quadro de polícia desmesurado (que além do
mais teria que pagar...) nem que atrás de cada fiscal ou inspector do que
quer que seja esteja um agente policial.
|
- Se quem ordenou ou tolerou a operação entendia que
estava a proceder bem e os afetados não se queixaram, porque foi ela
descontinuada? Ainda com os mesmos pressupostos, por que razão não faz o
Exército mais operações destas? Se foi uma iniciativa local, sem cobertura
superior, foram iniciados os devidos processos de averiguações no Exército com
vista a punir o responsável pelo ilícito?
- Se a violação de um princípio constitucional e
legal fundamental do Estado de Direito (separação entre as competências das
Polícias e as das Forças Armadas) é difícil de punir, como se evita a
ocorrência e a escalada de abusos consumados, por exemplo, passando da prevenção de incêndios florestais à
prevenção do crime ou da desordem pública?
Parece-me óbvio que o Exército
está empenhado em (e fará tudo o que puder para) não perder recursos nem
poderes;
Parece-me óbvio que
reduzir “tudo” a jogos de recursos e poderes é uma visão redutora, limitada e
tristemente pessimista da vida. Ainda há, felizmente, generosidade e sentido do
interesse público – o que não invalida, como é evidente, a necessidade de
respeitar as normas e leis que regem a sociedade e o país.
creio que os meios empregues e esta operação se
enquadram nas "características de duplo
uso" de que fala o general Loureiro dos Santos em recente livro [“Forças Armadas em
Portugal”]- alargando o domínio duma
expressão elevada a doutrina há poucos anos pela administração da Marinha, sem
suporte legal e que visa submeter um serviço não-militar (a Autoridade Marítima) e uma
força policial (a Polícia Marítima) a um ramo militar.
Reduzir uma prática
de muitos séculos a uma vontade de submeter (“visa submeter”, diz o autor) a Polícia Marítima – que
nasceu em 1919 – e a Autoridade Marítima Nacional – que nasceu em 2002
– é, no mínimo, uma incongruência. Confundir doutrina com prática (ainda por
cima privilegiando a primeira) é um erro primário. O “duplo uso” existe em
Portugal e numa enorme quantidade de países de todo o Mundo porque em todos eles
se considera ser a melhor forma de defender o interesse nacional.
Tal como a Administração da Marinha, estará a
esforçar-se para não perder recursos nem poderes, quando tenta evitar que a
estrutura da Autoridade Marítima Nacional saia da sua dependência, onde nunca
esteve por lei - creio que é exatamente disso que se trata, pois a Marinha (ao contrário do Exército [?!]) não tem de se esforçar para justificar a sua
existência e dimensão num país com pequena profundidade estratégica e amplos
espaços marítimos sob sua jurisdição.
1. Não creio haja
qualquer dificuldade em justificar a existência de Forças Armadas em Portugal.
2. Cada ramo indica
ao poder político os meios de que necessita para cumprir cabalmente as missões
que lhes estão confiadas. E naturalmente pode, e deve, defender os seus pontos de vista
com a veemência que entender adequada. Mas é o poder político, a quem compete
tudo decidir, que terá que justificar perante a Nação (desde logo na Assembleia
da República) as suas opções. Não são as Forças Armadas.
As administrações da Marinha e do Exército poderão
evitar a temida contração se conseguirem que o futuro Conceito Estratégico de
Segurança e Defesa Nacional elimine as
fronteiras entre segurança interna e defesa; ajuda chamar tudo
"segurança" e argumentar que o terrorismo aboliu essas fronteiras.
Claro que o CESDN não é juridicamente vinculativo e será sujeito à discussão
por especialistas que serão imunes às pressões dos ramos militares, apesar da
manifesta falta de ameaças ao território nacional (a razão de ser das Forças
Armadas).
A manifesta falta
de ameaças ao território nacional também se deve obviamente à própria
existência de Forças Armadas. As “Grandes Opções do Conceito Estratégico de
Defesa Nacional” (não o CEDN) são apresentadas pelo Governo à Assembleia da
República, que as discute, sem daí resultar qualquer aprovação ou reprovação –
ver, por exemplo, 9 Março 2013. Após
a discussão, o Governo, a quem compete decidir sobre esta matéria, publica o “Conceito
Estratégico de Defesa Nacional”. Ver, por exemplo, 5 Abril 2013.
A questão não é trivial nem mesquinha. Na essência
do Estado está o monopólio da violência legítima. E bem, porque é decisivo para
a existência e manutenção das pessoas numa comunidade que a violência, que está
ao alcance de todas as pessoas e grupos, seja evitada ou reduzida ao mínimo.
Mas algum uso da força pode ser necessário, para dissuadir e para reprimir (com
proporcionalidade) quem use da força ilicitamente, o que, no Estado de direito,
exige o respeito pelos direitos fundamentais e pela lei, em especial, na
definição de quem é competente, e em que termos, para usar a força. Sem
esquecer dois princípios fundamentais estabelecidos na Constituição e na lei: o
princípio da liberdade, que determina que os cidadãos são livres de fazer o que
a lei não proíbe, e o princípio da legalidade, que determina que os órgãos e
agentes do Estado só podem fazer o que a lei prescreve. Estes critérios
conferem legitimidade ao Estado e ao uso da força (e à coação em geral) pelos
competentes servidores do Estado.
Mas quando é o próprio Estado que não respeita as
leis que ele próprio impõe à comunidade (as leis podem emergir de um processo
democrático, mas, uma vez em vigor, são impostas), ou faz uso ilícito de meios
de coerção, é a essência da legitimidade do Estado que está em causa. Não é
exagero: mesmo que os militares em Santa Luzia não tivessem armas à vista, por
estarem fardados e por haver barreiras na estrada, mostra-se ao cidadão
interpelado que é melhor para si obedecer; ninguém duvidará que os militares
são uma expressão física do Estado, sobretudo atuando organizadamente, que
podem causar danos físicos (e não apenas passar multas) a quem não cumprir as
suas exigências.
Esta estrutura de raciocínio e acção traduz uma
deontologia, e é anterior ao utilitarismo ou hedonismo que inspira hoje a
maioria das pessoas; isto é, um servidor do Estado não pode fazer o que entende
e justificar-se com a ausência (desconhecimento?) de efeitos nocivos. Mesmo que
pareçam abstrações, há que respeitar a liberdade dos cidadãos, protegida por
princípios e normas constitucionais e legais. É indispensável ter a humildade
de admitir que a opinião individual pode não conhecer as boas razões da
existência das normas que se consideram mal feitas, insensatas ou irrealistas.
É crucial que quem exerce funções no Estado veja
estas noções com clareza no seu espírito para as aplicar bem: nada mais prático
do que uma boa teoria. É a isto, aliado a um conhecimento sólido da natureza,
orgânica e funcionamento do Estado, que se chama "postura de Estado"
e que julgo faltar a numerosos políticos e oficiais, entre outros. Não se trata
de mudar mentalidades, memorizar dogmas ou pedir um milagre a Santa Luzia que
faça ver quem não vê, mas
de instrução e de estudo para perceber o que é o Estado de direito democrático.
Sem qualquer
dúvida. Uma regra básica de um Estado de Direito Democrático é a subordinação
do poder militar ao poder político. Seria útil que o autor estudasse com a
necessária profundidade qual é a vontade do poder político quanto à actuação
das Forças Armadas em missões de interesse público.
27 Agosto 2012 – “Diário de Notícias” – “Navios de combate à poluição no mar” – Jorge Silva
Paulo
O combate à poluição do mar é
uma atribuição da Autoridade Marítima Nacional (AMN), um serviço público
não-militar, totalmente operado por servidores do Estado geridos pela Marinha [prestando serviço na Marinha, para ser mais claro]. Para realizar esta atribuição
foi criado em 1993 o Plano Mar Limpo, constante de um regulamento administrativo
independente do Governo, o qual define os procedimentos e atribui as
correspondentes competências aos órgãos da Autoridade Marítima e às
Administrações Portuárias. São de destacar os capitães dos portos e o Serviço
de Combate à Poluição do Mar por Hidrocarbonetos (SCPMH), ao qual incumbe a
direção técnica e o combate a episódios de poluição do meio marinho de grande
dimensão e impacto, em qualquer ponto da costa; é único em Portugal e apoia
outras entidades no âmbito das suas capacidades. O Navio de Combate à Poluição
Marítima (NCP), que voltou há dias aos “media”, visa servir aquela atribuição
da AMN.
Há anos que
defendo que o conceito do NCP é um erro caro para o Estado; outro, é a ideia de
usar o NCP para viabilizar os Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC). Explico-me.
Em 2001, antes do acidente com o
“Prestige”, o Governo decidiu adquirir por ajuste direto com os ENVC um Navio
de Patrulha Oceânica (NPO) e um NCP. Em Abril de 2002, a Marinha e os ENVC
acordaram que o fornecimento seria de dois NPO, o primeiro por euro 33 milhões
(entregue à Marinha em 30-Dez-2010) e o segundo por euro 32 milhões (por
entregar). O Estado contratou, em 2004, com os ENVC, a aquisição de dois NCP, como variante do NPO,
mas com duas grandes diferenças: sem convés para helicóptero e com um Transrec
250 na tolda, a adquirir.
Em 2004 (ver 19
Maio 2004) o Estado contratou com os ENVC:
a) Elaboração do
projecto de dois navios de patrulha oceânico e de combate à poluição,
incluindo o desenvolvimento de um sistema integrado de comando, vigilância,
comunicação e gestão da informação, aos mesmos destinado, de acordo com o
contratualmente estabelecido;
b) Construção de
dois navios de patrulha oceânico e de combate à poluição completos, prontos
a operar, devidamente apetrechados, classificados, testados e com uma dotação
completa de consumíveis técnicos, incluindo aguada e combustível;
c) Fornecimento de
um conjunto de equipamentos de combate à poluição, conforme especificação
técnica prevista contratualmente;
...
A
intenção declarada não é construir dois NCP – é construir dois meios capazes de
efectuar patrulha oceânica e
desempenhar acções de combate a poluição.
O Transrec é um dos
recuperadores mais sofisticados e potentes que há para recolher substâncias
viscosas no mar. Mas exige muito espaço no convés do navio onde vai operar,
para instalar os seus componentes (alguns pesam toneladas) e a grua necessária
para movê-los; exige bastante energia ao navio; e, sobretudo, exige uma
adequada capacidade de armazenamento de resíduos recolhidos do mar. Como o
Transrec tem um débito nominal de 250 m3/hora, o navio onde ele opera deve ter
tanques na ordem de 1000 m3 para justificar o emprego do recuperador.
A AMN já tem um Transrec 250,
mas a AMN e a Marinha não têm navio para o operar; o treino e a manutenção
preventiva deste Transrec não são fáceis: têm-se vindo a fazer em cais, em
condições inadequadas. Como o Estado não usufrui sequer de um, se não comprar o
segundo (previsto no contrato de aquisição dos NCP) poupa na aquisição e poupa em
despesas de manutenção; mas não custará imaginar que haverá quem exalte os
benefícios de ter mais um, ainda mais raramente usado.
Quanto ao NCP, há boas razões
para abandonar o conceito aprovado. Primeiro, o NCP, como variante do NPO, não
tem boas características para combater a poluição do mar, pois o convés está
muito acima da água; a manobra de barreiras e de recuperadores mais pequenos do
que o Transrec e de uso mais frequente exige muito trabalho manual, cuja
dificuldade aumenta com a distância à água - no NCP são quase três metros.
Depois, o NCP não tem tanques próprios para guardar os resíduos recolhidos do
mar; confia-se em tanques flutuantes, uma solução de recurso e má, pois a
agitação marítima exige grande esforço para fracos resultados. Acresce que o
NCP não tem convés para o helicóptero, degradando as suas capacidades para a
patrulha. Por fim, mesmo que não custe mais do que os euro 50 milhões que se
diz ter custado o NPO, o NCP já é caro para o que pode fazer; por exemplo, a
Espanha adquiriu em 2004 o “Campoamor” e a Suécia adquiriu em 2011 o KBV 003,
ambos por euro 40 milhões, cujas missões são o combate à poluição do mar, o
salvamento da vida humana no mar e a salvação marítima.
Entretanto,
Portugal precisa de mais NPO para patrulhar os seus espaços marítimos,
dissuadir ilícitos como o narcotráfico e a poluição do mar, e capazes de
perturbar ou impedir a ação dos prevaricadores; o helicóptero tem um papel
crucial nestas tarefas.
Sem pôr em causa a importância do papel que um
helicóptero pode desempenhar em missões de fiscalização, deve reconhecer-se que
nenhum navio de fiscalização em Portugal dispõe ou embarca um meio desse tipo
em missões de fiscalização.
Os recursos a gastar nos dois
NCP podem ser mais bem empregues em NPO e assim explorar economias de escala e
de aprendizagem da construção (muito atribulada) dos dois primeiros NPO. Fazer
já uma grande alteração do seu projeto (como se exige para a tolda do NCP),
mesmo mantendo a narrativa de que o NCP é uma variante do NPO, é difícil de
entender (para quê outro nome?) e, sobretudo, é antieconómico: perdem-se
algumas qualidades do NPO, sem ganhar nada de relevo no combate à poluição do
mar; e cria-se a ilusão nos cidadãos de que Portugal tem capacidade de combater
marés negras com os NCP.
O argumento da urgência em
adquirir NCP e Transrec pela falta de meios em Portugal é fraco. As marés
negras hoje combatem-se com apoio e cooperação internacional, desde logo
através da Agência Europeia de Segurança Marítima, que tem sede em Lisboa;
nenhum país combate marés negras de grandes dimensões sozinho, e não há nenhuma
vergonha nisso.
Por outro lado, Portugal dispõe
da lancha de desembarque NRP “Bacamarte”,
que desde 2009 tem vindo a melhorar a sua capacidade de combate à poluição do
mar. As lanchas de desembarque podem transportar pessoal e material até locais
de difícil acesso por terra, algo muito valioso perante marés negras; podem
alojar pessoal em contentores no poço; e são mais baratas. O projecto da
“Bacamarte” é português e não é sofisticado; um aumento da potência propulsiva
e uma melhoria na habitabilidade dão-lhe uma boa razão benefícios-custos para o
combate à poluição do mar. Podem-se construir mais destas lanchas do que NCP (com euro 50 milhões e um projeto simples e
controlado poderão adquirir-se três lanchas), pelo que seria viável
adoptar um conceito de operação do tipo “conveyor belt”, com seis lanchas: duas
estão em trânsito, duas recolhem resíduos no mar e duas estão num porto a
trocar as cisternas ou tanques flexíveis cheios por outros vazios.
Importa notar que as aquisições
dos NPO e dos NCP, que não são navios de guerra, têm sido sujeitas a um segredo
inaceitável num Estado de Direito Democrático, que se deve a estarem a ser
tratados como material militar, de acordo com a decisão do Governo de 2001 que
iniciou o programa. Expressei logo dúvidas quanto aos fins, à transparência e à
eficácia da decisão de fazer a aquisição ao abrigo do decreto-lei que regulava
as aquisições militares, quando os navios visavam fins não militares. [São declaradamente navios de duplo uso]
Na maioria das aquisições
militares não se justifica segredo quanto ao avanço do contrato, só quanto às
especificações pormenorizadas dos sistemas. Mas o segredo pode ser útil para
limitar a difusão de disfunções, como as relativas às responsabilidades dos
intervenientes, aliás difíceis de discernir mesmo para quem conhece os
processos; mas isso fica para outra ocasião.
Pelo menos quanto aos NPO e NCP,
o segredo devia acabar já e serem divulgadas as despesas que o Estado realizou
e com que resultados. Não me surpreende que muitas despesas atribuídas à
construção dos NPO e NCP tenham sido um meio discreto de subsidiar os ENVC; se
foram, fica provado que usar a subsidiação encoberta não produz bons navios nem
salva empresas.
Por fim, depois da reforma de
2002 da Autoridade Marítima, que definiu a natureza e a autonomia deste serviço
não militar, não se justifica que a estrutura
da Autoridade Marítima continue a ser subordinada da Administração da Marinha
no processo de aquisição dos NCP.
1.1.1.1.1.1.1.
Como atrás se disse, não são
NCP’s: são navios de patrulha
oceânico e de combate à poluição. Atendendo à felizmente baixa frequência da ocorrência
de casos de poluição que exijam o emprego destes meios, a sua utilização será
quase totalmente feita no âmbito da patrulha oceânica e SAR. (Em todo o caso,
estes navios não foram construídos).
1.1.1.1.1.1.2.
Só em 2014 a AMN se autonomizou
da Marinha – ver 29 Dezembro 2014).
Claro que o melhor é acabar com
o programa dos NCP e iniciar um programa de aquisição
de seis lanchas de desembarque grandes para a Marinha, com
natureza não militar e com o combate à poluição do mar entre as suas missões
principais, adquiridas por
concurso público internacional.
Não podem ser construídas em Portugal?!
Com estas lanchas, a Marinha
pode realizar missões militares e não militares
[duplo uso], e no caso do combate à poluição do mar, apoiar as missões dirigidas pela Autoridade
Marítima. Assim, o Estado gastava melhor os recursos obtidos pelos impostos.
O autor é um especialista em assuntos de combate à
poluição. Em todo o caso, do ponto de vista militar, julgo que o país não
necessita de seis LDG´s. Presumo que, do ponto de vista de combate à poluição,
também não necessite de um número tão elevado desses meios – os quais, atendendo
às suas características, também teriam uma utilização muito reduzida em outras
missões de interesse público.
3 Setembro 2012 – Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º
38/2012/M
A Região
Autónoma da Madeira exige mais do Estado Português - em defesa do mar e pela
salvaguarda da Zona Económica Exclusiva
As insuficiências orçamentais que têm afectado as Forças Armadas Portuguesas nas últimas
décadas, uma situação que agora assume particular gravidade devido às pesadas
limitações impostas pela crise económica e financeira, fazem com que a modernização de meios e a realização de missões
de alta importância nacional, e de elevado interesse
para a Região Autónoma da Madeira, seja cada vez mais posta em causa. A fiscalização da Zona Económica Exclusiva (ZEE), a salvaguarda
da vida humana no mar, a evacuação
de doentes e a capacidade de complementar, sempre que tal se torne
necessário, o Serviço Regional de Proteção Civil, estão
entre essas missões essenciais. No presente momento, na prática, não há suficiente fiscalização da ZEE, e as
restantes missões referidas, apesar de concretizadas sempre com o maior brio, elevado profissionalismo e reconhecida
dedicação por parte dos membros das Forças Armadas, são
realizadas cada vez com maior dificuldade. Não obstante o espírito de missão
revelado pelos homens e mulheres das Forças Armadas Portuguesas a prestar
serviço nas unidades na Região, são óbvias as limitações decorrentes da
insuficiência orçamental e de meios técnicos. Os meios
atribuídos às Forças Armadas, nomeadamente à Marinha e à Força Aérea,
para operarem na RAM, para além de notoriamente
escassos, são, em boa parte dos casos, muito antigos, perto do fim da sua vida útil. O dispositivo naval montado nesta Região Autónoma é não só claramente insuficiente,
como também é totalmente desadequado,
tendo em conta a importância das missões
referidas e a vastidão da zona de operações. O dispositivo da Força Aérea,
não obstante a entrada em serviço de sistemas mais recentes, opera com meios de
intervenção ainda insuficientes,
muito aquém das necessidades objectivas que resultam do superior interesse
nacional. Uma eficaz fiscalização da ZEE
requer a criação de outras condições para que possa haver, com empenho da Marinha e da Força Aérea, com os
indispensáveis meios humanos e com meios operacionais, a concretização de missões fundamentais que interessam a todo o País, e que têm
especial significado em regiões como é o caso do Arquipélago da Madeira. Assim,
em conformidade com a Constituição da República Portuguesa e com o Estatuto
Político-Administrativo da RAM, e de acordo com o Regimento, a ALRAM recomenda ao Governo da República a urgente
criação de condições orçamentais imediatas
para que sejam tomadas as necessárias e urgentes medidas de fundo capazes de
contribuírem para que as Forças Armadas
disponham, na Região Autónoma da Madeira, de dispositivos e meios adequados às
missões cuja concretização é fundamental, não apenas para a própria
Região, mas também para o todo nacional.
Aprovada em Sessão Plenária da Assembleia Legislativa da Região
Autónoma da Madeira em 31 de Julho de 2012.
O PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, José Miguel Jardim Olival
de Mendonça
É
bastante clara a opinião da Assembleia Regional da Madeira sobre a acção das
Forças Armadas em missões de fiscalização das águas regionais, busca e
salvamento, etc. Nada se detecta de a AR da Madeira considerar estas missões
inconstitucionais. Antes pelo contrário: considera que a sua concretização é
fundamental e recomenda mesmo ao Governo da República que sejam atribuídos
meios financeiros com a máxima urgência para que as Forças Armadas sejam
dotadas de meios para as desempenharem com a eficácia desejada.
8 Setembro 2012 – “Diário de Notícias” – “Haja alguém que trace limites menos equívocos das funções da Marinha” – Óscar Mascarenhas
Vão mosquitos por cordas - ou melhor, mosquitos por
cabos, que, na Marinha, corda só o sino a tem... - na definição das
competências do ramo marítimo das Forças Armadas. A discussão está crispada e
envolve o redator do DN Manuel Carlos Freire.
Não posso dar conta ao leitor, nesta página, da
troca de argumentação jurídica entre quem critica Manuel Carlos Freire e o
jornalista: fá-lo-ei, no Blogue do Provedor. Quem tiver curiosidade e,
sobretudo, fôlego, encontrará ali com que se entreter.
O que está em causa? Saber quem é a Autoridade
Marítima Nacional: é o chefe do Estado-Maior da Armada, por outorga do ministro
da Defesa Nacional ou o chefe do Estado-Maior da Armada enquanto tal? Pelo que
deduzo, Manuel Carlos Freire considera - e fundamenta - que é a primeira
formulação, e elementos de topo na Marinha entendem - e também fundamentam -
que é a segunda. De ambos os lados há leis - ou pedaços de leis - a sustentar
cada uma das teses, como é apanágio da produção legislativa portuguesa que se
caracteriza pelo "nem sim nem não - antes pelo contrário". E com um
advogado à testa do Ministério da Defesa, não posso garantir que haja melhoras.
Onde a nau do debate adorna perigosamente é que são
feitas acusações a Manuel Carlos Freire de manter "guerras pessoais"
contra esta ou aquela alta personalidade militar, como o fez o leitor que se
identificou como Alberto Magalhães Coelho:
"Venho por este meio
demonstrar a minha indignação para com a 'guerra suja' que o jornalista Manuel
Carlos Freire 'comprou' contra algumas altas patentes da Marinha, com as quais se terá incompatibilizado,
encontrando no ataque à instituição uma forma pessoal de atacar estas
individualidades. Esta 'guerra quente', suja e doentia foi já publicamente
assumida pelo próprio jornalista junto de várias pessoas, em conversas de vão
de escada (ou de auditório).
"Esta 'guerra' é facilmente confirmável nos
seus artigos (e outros não assinados, mas de sua autoria - nomeadamente em A
Vespa), pela menção sistemática ao subchefe do Estado-Maior da Armada,
contra-almirante Silva Ribeiro (a última delas bem explícita na caixa que
acompanha o artigo de 30 de agosto de 2012, intitulado 'Aguiar-Branco força
Marinha a corrigir comunicado', e em A Vespa do passado fim de semana).
"Os sinais da 'guerra' são por demais
evidentes, bastando olhar para os artigos escritos pelo jornalista nos últimos
meses, e constatar que a informação prestada é falsa, pela simples leitura dos
diplomas legais em vigor. [...]
"A 'guerra' poderia até ser aceitável, se fosse
legítima e a informação prestada fosse correta e rigorosa 'implicando' que
cumprisse com a ética e o Código Deontológico do Jornalista (que, no caso
concreto, prefere esquecer).
"O método aplicado consiste em atacar
deliberadamente a instituição Marinha, fazendo vista grossa, ou interpretações
parciais da legislação em vigor, sem qualquer consideração pelo Estado de
Direito em que vivemos. Aliás, o jornalista já foi chamado várias vezes à
atenção para os preceitos legais em vigor, nomeadamente para a Lei Orgânica de
Marinha [...], que contraria taxativamente a informação veiculada nos seus
textos. [...] Já alguém da direção do DN se questionou porque é que nenhum
outro órgão de comunicação social 'pega' nas notícias e manchetes do dito jornalista?
O desconhecimento da lei não é, nem nunca poderá ser argumento, pois o
jornalista em questão tem um profundo conhecimento dos diplomas em
questão."
Segue-se, depois, a argumentação jurídica que
centraliza na Armada a Autoridade Marítima Nacional e o Serviço de Busca e
Salvamento Marítimo (em parceria com a Força Aérea).
Em resposta aos meus pedidos de esclarecimento,
Manuel Carlos Freire explicou que há duas correntes, sobre esta questão, na
Marinha - que ele várias vezes, citando as palavras do atual primeiro-ministro,
acentua que é "de Guerra", e esta circunstância não é despicienda
para a definição de âmbito de autoridades: a busca e salvamento marítimo não
são uma atividade bélica, pelo contrário; do mesmo modo, não é concebível que o Exército ou a Força Aérea
assumam funções policiais em território português: a "guerra" ao crime não é "a
guerra" desses ramos das Forças Armadas. Por isso, a lógica - e legislação
- em que Manuel Carlos Freire baseia a sua explicação aponta em sentido
contrário ao de responsáveis da Marinha.
Ninguém na Marinha
faz “guerra ao crime” (ilícitos contra-ordenacionais que originam autos de
notícia não são crimes). As missões que desempenha, entre elas a Busca e
Salvamento Marítimo, decorrem da lei – elaborada e publicada pelos legítimos
órgãos democráticos do país, que jamais questionaram aquele desempenho, muito
antes pelo contrário. A leitura deste estudo comprova-o amplamente.
O jornalista demonstra que é também essa a linha de
pensamento do Executivo: "Há duas correntes dentro da 'Marinha de Guerra'
(terminologia usada pelo chefe do Governo): uma legalista e outra 'fora-da-lei', dominante porque os seus
elementos ocupam a generalidade dos cargos de topo do ramo.
Não se encontrou
qualquer escrito de MCF onde esteja patente esta “demonstração” – o que não
quer dizer, evidentemente, que não exista. Do que se duvida seriamente é da
alegada a linha de pensamento do Executivo. A ser assim – e a não alterar
radicalmente esta situação – seria a demonstração, de uma tibieza inacreditável.
Não colhe argumentar que o Executivo receia enfrentar as Forças Armadas: veja-se
o que sucedeu ao Estatuto dos Militares das Forças Armadas, ao IASFA, ao
Colégio Militar e ao Instituto de Odivelas, à saúde militar, ao Fundo de Pensões
dos Militares das Forças Armadas...
"O DN, nos seus artigos, tem sistematicamente
citado legislação vigente [...]. É que o quadro legal português relativo às
questões do mar não se esgota na Lei Orgânica da Marinha e no decreto-lei de
1994, que estabelece o Sistema Nacional para a Busca e Salvamento Marítimo.
"O ministro da Defesa determinou há vários
meses a revisão de toda a legislação relativa à Autoridade Marítima Nacional
(AMN), processo que está em fase final de conclusão. Porquê? Por haver
ambiguidades e uma certeza no atual quadro constitucional e legislativo: a
Marinha, como ramo das Forças Armadas, não tem nem pode exercer autoridade em
território nacional. [...]
"Questão já resolvida é a da tutela da Polícia
Marítima, por despacho ministerial e contrário ao que a Marinha sempre advogou:
essa força de segurança está na tutela direta do ministro!
"Aproveito para dizer que [...] na apresentação
do balanço da época balnear, o almirante Saldanha Lopes esteve presente na
qualidade exclusiva de Autoridade Marítima Nacional (e não por desempenhar
também as funções de chefe do Estado-Maior da Armada, o que poderá ser aferido
nas notícias sobre a cerimónia).
"Sobre o artigo 'Aguiar-Branco força Marinha a
corrigir comunicado', um facto: o ramo alterou o comunicado inicial (eliminando
a referência à 'Marinha - AMN'). Porquê, se esse primeiro texto estivesse de
acordo com a lei e com a interpretação que dela faz o Governo (como atrás
referi)?"
Manuel Carlos Freire não dá grande troco às
acusações pessoais (pouco elegantes e desproporcionadas, diga-se), limitando-se
a perguntar: "Quanto ao contra-almirante Silva Ribeiro: é mais importante
o jornalista citar o que ele - enquanto militar, subchefe da Armada e à luz dos
seus deveres - diz ser o seu entendimento da lei num Estado democrático com
cobertura hierárquica e perante o continuado silêncio do poder político
(Presidente, Parlamento e Governo) ou, em alternativa, ser o jornalista
criticado por o divulgar e lembrar?"
Já aqui tive a oportunidade de criticar
negativamente um trabalho de Manuel Carlos Freire, mas com o cuidado de
ressalvar a sua probidade e dedicação à verdade. Reitero-o hoje. Manuel Carlos
Freire é um "osso duro de roer" - e ainda bem. Mas é leal - e tem-no
sido ao longo da sua carreira, pelo que não se justifica a terminologia que o
leitor usou contra ele. É natural que, perante a hostilidade que tem encontrado
na sua tarefa noticiosa, Manuel Carlos Freire se sinta espicaçado: mais sal e
pimenta ganha a informação, desde que não haja abuso de condimento.
O desvio, aqui, é que, de tão
focado "no que vão dizer fulano e beltrano", o jornalista possa
embrenhar-se num labirinto quase intimista, em que já não escreve para o
público em geral e reduz drasticamente o número de destinatários da mensagem. Isso é mais do que visível nos textos de A Vespa, uma coluna mordaz não assinada, ao
gosto de muita imprensa. Confesso que tenho muita dificuldade em perceber o
alcance do que ali se escreve, em especial em matéria militar: aquilo, para
mim, é cifra e como, no meu tempo de tropa, eu era dado como politicamente
suspeito (espero ainda o ser...), nunca tive acesso a essa informação. Mas
Manuel Carlos Freire deve ter a certeza de que aqueles em quem pensou o
entenderão perfeitamente - e rilharão os dentes. Como é que eu sei que é Manuel
Carlos Freire, se o texto não é assinado? Da mesma maneira que os leitores
furibundos: o estilo é a sua assinatura.
Não quero ser acusado de tentar impor um jornal
insosso, o qual seria o primeiro a não querer ler. Mas deve haver maneiras,
digamos, mais abrangentes, de enviar farpas e que sejam percebidas por mais
gente. É só uma questão de querer.
Optei,
neste estudo, por não comentar exaustivamente os artigos de Manuel Carlos
Freire, pois isso seria, em boa medida, uma duplicação dos comentários feitos
aos artigos de Jorge Silva Paulo. Sem pôr minimamente em causa a legitimidade
das suas opiniões, não pode deixar de se considerar confrangedora a pobreza da
argumentação aduzida e a falta de rigor que evidencia. Os comentários que apesar
de tudo ainda faço sustentam esta afirmação.
20 Setembro 2012
– Resolução do Conselho de Ministros 79/2012 – Revoga a Resolução do
Conselho de Ministros n.º 183/2004, da Presidência do Conselho de
Ministros, de 22 de Dezembro – que aprovou o Programa Relativo à Aquisição de
Navios Destinados à Marinha Portuguesa (PRAN) – e autoriza o Ministro da Defesa
Nacional a proceder à revogação de contratos entre o Estado Português e os
Estaleiros Navais de Viana do Castelo, S. A.
Na sequência do procedimento
aberto pelo despacho conjunto 15/2001, publicado
no Diário da República, 2.ª série, de 11 de janeiro de 2001, foi celebrado, em 15 de outubro de 2002, entre o Estado e a
sociedade Estaleiros Navais de Viana do Castelo, S. A. (ENVC, S. A.), entidade
atualmente detida a 100 % pela EMPORDEF - Empresa Portuguesa de Defesa (SGPS),
S. A., um contrato relativo à construção e aquisição de um navio-patrulha oceânico, com direito de opção de aquisição de um
segundo do mesmo tipo, direito de opção esse exercido pelo Estado em 14 de janeiro de 2003.
O Estado celebrou também com a
ENVC, S. A., em 19 de maio de 2004, um
novo contrato em que, nomeadamente, procede à aquisição de dois navios-patrulha oceânicos e de combate à
poluição, situação que se encontra refletida na resolução 68/2004, do Conselho de Ministros,
publicada no Diário da República, 2.ª série, de 16
de junho de 2004.
Por sua vez, a Resolução do
Conselho de Ministros n.º 183/2004, de 22 de dezembro, aprovou,
designadamente, um programa estruturado e
completo de aquisição de navios, denominado Programa Relativo à
Aquisição de Navios Destinados à Marinha Portuguesa (PRAN),
a executar por um período de 11 anos, no qual se
compreendem um contrato-quadro, um contrato específico de aquisição de seis navios-patrulha oceânicos e um
contrato específico de aquisição de cinco
lanchas de fiscalização costeira, tendo em vista a manutenção e
reforço da capacidade de vigilância e
fiscalização marítima, designadamente nas zonas
económicas exclusivas do continente e das Regiões Autónomas dos Açores e
da Madeira, bem como nas áreas interiores
ribeirinhas.
Em concretização do PRAN, foi celebrado, em 17 de novembro de 2004, o referido
contrato-quadro, nos termos do qual se define e regula o enquadramento e o modo
de união entre os dois contratos específicos de aquisição de seis
navios-patrulha oceânicos e cinco lanchas de fiscalização costeiras, destinados
à Marinha.
Em 19
de dezembro de 2005 foi celebrado o contrato base entre o Ministério da
Defesa Nacional e a ENVC, S. A., que estabelecia, de modo vinculativo, as bases
do contrato de aquisição de cinco lanchas de
fiscalização costeira em concretização do contrato-quadro, celebrado
no âmbito do PRAN, tendo, em 17 de março de
2009, sido assinado o respetivo contrato de aquisição de cinco lanchas de fiscalização costeira, com o
direito de opção de aquisição de mais três.
A celebração dos procedimentos e
dos contratos referidos teve como principal objetivo proporcionar ao País uma
adequada mobilidade e capacidade para exercer uma ação continuada de vigilância
e presença nos espaços marítimos nacionais, visando designadamente a realização
de fiscalização em áreas ribeirinhas, costeiras e nas zonas
económicas exclusivas do continente e nas Regiões Autónomas da Madeira e dos
Açores, incluindo ações de combate à poluição
marítima.
Em razão das características
defensivas e da integração de material militar nos navios acima referidos, que
exigem o acompanhamento de especiais medidas de segurança relacionadas com a
sensibilidade de tal material e com as cautelas que o seu manuseamento e
instalação exigem, o Estado entendeu que os contratos de fornecimento e de
aquisição de navios acima referidos fossem celebrados com a ENVC, S. A., atendendo
à aptidão técnica e estrutural adquirida por esta entidade e de forma a
fomentar a indústria nacional, designadamente no que respeita aos projetos e
construção.
Contudo, a ENVC, S. A., empresa
operadora na área da reparação e construção naval, tem enfrentado graves
dificuldades económico-financeiras, que se agravaram nos últimos anos, tendo o
Governo aprovado, através do Decreto-Lei
186/2012, de 13 de agosto, o processo de reprivatização do
capital social da ENVC, S. A.
Assim, considerando que i) todos
os bens objeto dos contratos de fornecimento e de aquisição celebrados entre o
Estado e a ENVC, S. A., constituem navios de guerra abrangidos pela lista a que
se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 296.º do Tratado de Amesterdão,
correspondente à alínea b) do n.º 2 do artigo 223.º do Tratado de Roma, ii) a
sua construção exige um acompanhamento especial por razões essenciais de
segurança, relacionadas com a especificidade e sensibilidade do material instalado
e com a prudência requerida para a respetiva instalação e manuseamento, sendo
os documentos de suporte aos contratos celebrados, na sua maioria,
classificados, iii) a evolução do estatuto jurídico da ENVC, S. A., que
culminará na reprivatização do seu capital social, passando a integrar o sector
privado, é interesse do Estado salvaguardar que todos os documentos, projetos e
bens adquiridos ou produzidos no âmbito dos contratos de aquisição e
fornecimento celebrados com a ENVC, S. A., permaneçam na propriedade do Estado,
de forma a proteger o interesse público;
Por último, no âmbito de um
contrato de contrapartidas celebrado com o German Submarine Consortium, a ENVC,
S. A., foi beneficiária de um projeto de
construção de um navio polivalente logístico, que é, atualmente,
propriedade da ENVC, S. A., tendo o Estado um
interesse crucial e estratégico na aquisição do referido projeto de
forma a salvaguardar que as suas especificidades e características únicas
permanecem na propriedade do Estado, tendo em vista a sua potencial construção
futura e a sua utilização como um elemento importante nas relações na área da
defesa com outros países:
Assim:
Nos termos das alíneas e) do n.º
1 do artigo 17.º do Decreto-Lei
197/99, de 8 de junho, e g) do artigo
199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Revogar
a Resolução do Conselho de Ministros n.º 183/2004, de 22 de dezembro,
que, designadamente, aprovou o Programa Relativo à Aquisição de Navios Destinados
à Marinha Portuguesa (PRAN) e adjudicou à Estaleiros Navais de Viana do
Castelo, S. A. (ENVC, S. A.), mediante ajuste direto, a execução do PRAN.
2 - Delegar no Ministro da Defesa
Nacional, com a faculdade de subdelegação, a competência para proceder à revogação do contrato-quadro celebrado em 17 de
novembro de 2004, entre o Estado Português e a ENVC, S. A., nos termos
do qual se define e regula o enquadramento e o modo de união entre os dois
contratos específicos de aquisição de seis
navios-patrulha oceânicos e cinco
lanchas de fiscalização costeiras, destinados à Marinha.
3 - Delegar no Ministro da Defesa
Nacional, com a faculdade de subdelegação, a competência para proceder à revogação do contrato de aquisição celebrado
em 19 de maio de 2004, relativo a dois
navios-patrulha oceânicos e de combate à poluição e do contrato de aquisição celebrado em 17 de março
de 2009, relativo às lanchas de fiscalização
costeira, considerando o processo de reprivatização da ENVC, S. A., em
curso, e tendo em vista a salvaguarda de todos os documentos, projetos e bens
adquiridos ou produzidos no âmbito dos contratos de aquisição e fornecimento
celebrados com a ENVC, S. A., na propriedade do Estado, de forma a proteger e
salvaguardar o interesse público.
4 - Delegar no Ministro da Defesa
Nacional, com a faculdade de subdelegação, a competência para proceder à
formalização de todos os atos tendentes à conclusão, com a urgência necessária,
do contrato de construção dos dois navios-patrulha oceânicos, celebrado em 15
de outubro de 2002, entre o Estado Português e a ENVC, S. A., de forma a
permitir a sua entrega em definitivo.
5 - Autorizar,
nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 17.º do
Decreto-Lei
197/99, de 8 de junho, a realização
da despesa inerente à celebração do contrato de aquisição
do projeto do navio polivalente logístico a celebrar, por ajuste
direto, com a ENVC, S. A., nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 24.º do
Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei
18/2008, de 29 de janeiro,
até ao montante máximo de (euro) 25 500 000, ao qual acresce o IVA à taxa legal
em vigor.
.. …
24 Setembro 2012 – “Diário de Notícias” – “A fé nos
esquemas” – Jorge
Nalguns corredores da
administração pública e entre alguns servidores do Estado corre a convicção de
que as decisões dos dirigentes administrativos têm uma muito ampla margem de
discricionariedade na sua interpretação, pois raramente são escrutinadas, e
ainda menos revogadas, por entidade superior ou pelos tribunais. E quando são
irregulares e duram, ainda há servidores do Estado que as invocam como
precedente, para justificar posteriores irregularidades. Assim, podem
suceder-se decisões ilegais e até inconstitucionais, apoiadas na distorção dos princípios da
interpretação da lei e de argumentos jurídicos, como o de que a
inconstitucionalidade não se presume.
A inconstitucionalidade pode naturalmente presumir-se.
Não se pode é assumir qualquer posição com base apenas nessa presunção. Só o
Tribunal Constitucional apreciar a constitucionalidade, nos termos
especificados no art.º 277.º e seguintes da CRP.
Por isso, há quem diga que
"a ilegalidade é uma ferramenta de gestão". Convém notar que enquanto
aos cidadãos se aplica o Princípio da Liberdade (podem fazer o que não é
proibido), a administração pública está sujeita ao Princípio da Legalidade: as
suas decisões têm a sua orientação e fundamento na lei e na sua interpretação
de boa-fé.
… …
Ouve-se dizer que há dirigentes
que, para decidirem o sentido das suas decisões, comparam os efeitos
pecuniários de determinadas decisões relativas a pessoal com os custos para os
visados da impugnação pela via judicial. E também se ouve dizer que houve
dirigentes superiores que tomaram decisões que sabiam ser ilegais, mas que se
sentiam invulneráveis, por terem garantias de que ninguém os processaria por
isso. Nestes cenários, o dirigente administrativo atua de má-fé, o que, só por
si, é uma violação de um princípio fundamental do direito a que estão
vinculados todos os servidores do Estado.
Entre muitos
possíveis exemplos, veja-se a recente doutrina do "duplo uso" da
Administração da Marinha (que o General Loureiro dos Santos pareceu abraçar em
recente livro), que visa subordinar as funções
policiais e não militares da Autoridade Marítima a um ramo militar.
O autor repete-se. Ver comentário a este mesmo assunto
em 8 Agosto 2012
– “Diário de Notícias” – “O milagre de Santa Luzia”.
Primeiro, a doutrina do
"duplo uso" é uma construção interna da Marinha (só consta de
documentos internos); há uma referência não vinculativa a "duplo uso"
num preâmbulo de um decreto-lei. Não há na Constituição (CRP) nem em nenhuma lei
uma base legal que a doutrina do "duplo uso" venha densificar. A
invocação de bases legais no direito internacional ou noutros diplomas legais
não dispensa a observância dos preceitos constitucionais.
Já se comentou o suficiente sobre “duplo uso” em anteriores
artigos de Jorge Silva Paulo.
Toda a doutrina jurídica
portuguesa concorda numa interpretação da CRP, que assenta na separação das
funções de defesa nacional e de segurança interna. Não se conhece uma única posição favorável ao "duplo uso", na
doutrina jurídica portuguesa. Ninguém disputa que os militares da
Marinha sirvam também na Autoridade Marítima, mas a densificação legal da CRP
tem consistentemente apontado para que só no
Estado de Sítio as funções de segurança interna fiquem subordinadas a militares
- este é o ponto crucial.
1. O autor afirma que “Não se conhece uma única posição favorável ao
"duplo uso", na doutrina jurídica portuguesa”. Na “doutrina jurídica”, não sei. Agora na
lei existem, e muitas. Sendo incontroverso que à Marinha compete participar
no seu âmbito na defesa militar da República (uso militar), veja-se em 18 Junho 2014 uma súmula
das disposições legais posteriores à revisão constitucional de 1982 (para só
citar estas) relacionadas com a fiscalização das águas sob soberania ou
jurisdição nacional a desempenhar pela Marinha (uso não-militar dos seus
meios). Duplo uso, portanto. Poderiam referir-se ainda as disposições legais
relativas a busca e salvamento marítimo, ao assinalamento marítimo, as
Resoluções do Conselho de Ministros relativas aos Planos Estratégicos
Nacionais, etc….
2. Como já se disse anteriormente várias vezes, o
poder político português considera a fiscalização das nossas águas não como
uma missão de Segurança, mas sim como uma missão de Defesa e de exercício de
soberania e de autoridade do Estado – ver, por exemplo, 24 Setembro 2011.
O que concorda com a lógica do
Estado de Direito Democrático e com a prática dos países democráticos (e também
seguido pelo Estado Novo).
Também já atrás se
disse que há inúmeros países democráticos que têm a fiscalização das suas águas
a cargo de militares – ver Anexos
A e B.
Como já defendi antes, os
militares não têm formação nem a orientação básica para a obtenção e
preservação da prova, ao contrário das polícias - e a prova é absolutamente
decisiva no Estado de Direito; estão antes focados na ocupação do objetivo, que
pode chegar à sua total destruição.
Já atrás se comentou esta questão – ver 20 Abril 2012.
Por isso, o "duplo
uso" não foi reconhecido por nenhuma autoridade exterior à Marinha, bem
pelo contrário, e o ministro da Defesa Nacional determinou em Março de 2012 que
fosse preparada a devida clarificação legal dos "equívocos" em que a
Administração da Marinha parecia estar a operar.
1. O “duplo uso” das unidades navais está reconhecido
em Portugal há séculos. O próprio Silva Paulo afirma: “Na
"Marinha de duplo uso", a ideia é contrária: aplicar legitimamente em
fins civis meios concebidos para operações militares - o que o ramo faz há
séculos. –
ver 24 Setembro 2011.
2. O MDN exarou o seu despacho n.º 4810/2012 – ver 9 Março 2012 – porque, “em face das alterações
legislativas introduzidas pelos supra-mencionados Decreto-Lei n.º 43/2002, de 2
de Março, e Decreto-Lei n.º 44/2002, de 2 de Março [10 anos atrás! - ver 2 de Março 2002] importa proceder à
clarificação e adequação da legislação da Polícia Marítima relativamente a esta
nova configuração jurídica” – o que é um pouco diferente de
se visar uma “clarificação
legal dos "equívocos" em que a Administração da Marinha parecia estar
a operar”.
Por fim, estando em causa um princípio
estruturante do Estado de Direito Democrático contido na CRP, afigura-se que
teria sido mais prudente a Marinha obter previamente sólida cobertura política
superior para uma interpretação inovadora ou heterodoxa.
A questão não está bem posta: é o próprio Ministro da
Defesa que entende ser necessária uma clarificação e adequação da lei da
Polícia Marítima – e portanto manda prepará-la, para depois ser publicada e
naturalmente cumprida – foi o Decreto-Lei n.º 235/2012, que se estende também uma “clarificação
da dependência hierárquica da Autoridade Marítima Nacional”– ver 31
Outubro 2012]
Por outro lado, ao fundamentar o
"duplo uso" usando a linguagem de economia e gestão ("economias
de escala" [e de gama] e "sinergias"), que
soa bem hoje (saibam ou não as pessoas o seu significado técnico, as suas
implicações e se são reais), suscita-se a simpatia de quem faz avaliações
superficiais ou não se dispõe a contestar publicamente nem a impugnar a decisão.
É como usar militares em funções de polícia na prevenção de incêndios.
O uso de militares em Santa Luzia tal com descrito em 8 Agosto 2012 pode ser visto como um exercício
de medidas de polícia. O “duplo uso” é entendido pelo poder político e pelo poder
judicial dentro das missões de Defesa e do exercício da soberania e da
autoridade do Estado.
De facto, no espaço público, há
poucas [pouquíssimas] vozes a duvidar da bondade da
doutrina do "duplo uso" [e não é difícil entender
porquê]. Acresce que a invocação do
Estado de Direito Democrático nem sempre é razoável ou consistente. Não posso
deixar de notar que as preocupações das associações profissionais de militares
das Forças Armadas relativas ao Estado de Direito Democrático parecem só ter
expressão pública em relação à saúde e às remunerações, já que não houve
posições ou dúvidas públicas destas organizações sobre as ocorrências em Santa
Luzia ou sobre o "duplo uso".
É compreensível que a
Administração da Marinha não venha justificar-se publicamente cada vez que
alguém põe em causa as suas orientações e acções. Mas não lhe ficava mal que o
fizesse nas que têm efeitos externos, pois tem uma responsabilidade fiduciária
perante a Nação portuguesa; e, na verdade, fá-lo - em regra. De resto, é sempre
uma atitude salutar expor à nação e aos contribuintes, sem propaganda e com a
mais sólida fundamentação, que se está a respeitar em pleno e com boa-fé o
Estado de Direito Democrático.
Porém, a partir do momento que o
ministro da Defesa Nacional determinou a correção
dos "equívocos" do "duplo uso", o mínimo que a Administração da Marinha devia ter
feito, para mostrar a sua boa-fé, era suspender a aplicação desta sua doutrina
e dar nota pública disso, até que o poder político tomasse as decisões que
legitimamente entendesse. Prosseguir numa linha de ação que mereceu a
expressão pública de dúvidas pelo Governo permite admitir que a Administração
da Marinha não estava de boa-fé ou que não reconhecia a subordinação ao poder
político, o que, por muito que se ache que a lei pode ser
"corrosiva", seria muito perturbador.
Já atrás se disse o que o Ministro mandou fazer.
Transcreve-se para que não haja dúvidas:
“… …
De acordo com o artigo 3.º, n.os
1 e 2, integram a estrutura da Autoridade Marítima Nacional: o Conselho Consultivo
(CCAMN), a Comissão do Domínio Público Marítimo (CDPM) e a Direção-Geral da
Autoridade Marítima (DGAM).
E no n.º 3 do mesmo artigo 3.º,
podemos ler que «A Polícia Marítima (PM) integra a estrutura operacional
da AMN, nos termos previstos no presente diploma».
Ora, em face das alterações
legislativas introduzidas pelos supra-mencionados Decreto-Lei n.º 43/2002, de 2
de março, e Decreto-Lei n.º 44/2002, de 2 de março, importa proceder à clarificação
e adequação da legislação da Polícia Marítima relativamente a esta nova
configuração jurídica.
Deste modo, determino o
seguinte:
1 — Deverá a Secretaria -Geral
do Ministério da Defesa Nacional apresentar até ao final do mês de março do
presente ano, uma proposta de adequação e conformação da legislação supramencionada,
após audição dos contributos que se revelem pertinentes, nomeadamente a
Marinha, a Autoridade Marítima Nacional, e ao Comandante-Geral da Polícia
Marítima;
… …”.
Como também atrás se disse, o Ministro entende que é
necessária uma clarificação e adequação da lei da Polícia Marítima –
sinal que a lei em vigor, que naturalmente era para cumprir, era pouco
clara e estava desadequada. Se entendesse que se estava perante procedimentos
ilegais ou incorrectos da Marinha, à sua revelia, obviamente que os teria
mandado suspender – e, se disso fosse caso, sancionado em conformidade o(s)
prevaricador(es).
É fundamental que os dirigentes
do Estado percebam o Estado de Direito Democrático que estão obrigados a
defender, e que não usem de artifícios, como sejam pareceres encomendados a subordinados cujas carreiras estão em causa.
A afirmação é de uma deselegância extrema. Que
pareceres? Isto é um artigo de um jornal de grande tiragem, não é uma carta a
um amigo que lhe sabe ler as linhas e as entre-linhas. Lançar insinuações e
suspeições desta natureza sem as concretizar – não se faz.
Entretanto, a comunicação
externa da Marinha está a mudar no sentido de reconhecer que a Autoridade
Marítima não é uma parte da Marinha, nem está a esta subordinada. As recentes
decisões do Governo levam a ter esperança que a CRP e a lei prevalecerão. É uma
vitória para o Estado de Direito Democrático.
·
8 Outubro 2012 – Decreto Legislativo Regional 40/2012/A – Aplica
à Região Autónoma dos Açores o Dec Lei 276/2007, de 31 de julho, relativo ao
regime jurídico da atividade de inspeção, auditoria e fiscalização dos serviços
da administração direta e indireta do Estado.
O Decreto-Lei 276/2007,
de 31 de julho, alterado pelo Decreto-Lei 32/2012, de 13 de fevereiro, estabelece o regime jurídico da atividade inspetiva, de auditoria
e fiscalização, cujo âmbito de aplicação subjetivo se circunscreveu aos
serviços da administração pública central.
A atividade inspetiva na Região Autónoma
dos Açores é um importante setor no controlo interno e externo dos serviços e
organismos públicos e privados.
Até à presente data, os serviços inspetivos
da administração pública regional tinham ao seu dispor os poderes atribuídos nos
respetivos diplomas orgânicos ou regulamentos internos. Sucede, porém,
que tais regulamentos são insuficientes perante as especificidades da atividade
administrativa, implicando, tradicionalmente, a prática de atos administrativos
de polícia.
Refira-se, a título de exemplo, os direitos
e deveres de cooperação e colaboração com e entre entidades inspetivas e
inspecionadas; a homogeneidade dos procedimentos inspetivos; os princípios
gerais de atuação; as garantias no exercício da atividade inspetiva; o regime
de incompatibilidades e impedimentos; as áreas territoriais; ou prerrogativas
específicas conexas com o âmbito de atuação do serviço inspetivo. Trata-se,
pois, de matérias que, pela sua dignidade ou solenidade, reclamam a forma de um decreto
legislativo regional.
Acresce que o atual contexto
económico-financeiro exige a garantia não só da manutenção, mas do reforço da
economia, eficiência e eficácia na gestão dos serviços públicos
administrativos, tal como o cumprimento da lei pelas entidades privadas
sujeitas aos respetivos serviços inspetivos.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região
Autónoma dos Açores decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º
da Constituição da República e do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
O
presente decreto legislativo regional aplica na Região Autónoma dos Açores o Decreto-Lei 276/2007, de 31 de julho,
alterado pelo Decreto-Lei
32/2012, de 13 de fevereiro, relativo ao regime jurídico da atividade de inspeção, auditoria e fiscalização dos
serviços da administração direta e indireta do Estado, aos quais tenha
sido cometida a missão de assegurar o exercício de funções de controlo, interno
ou externo, sem prejuízo do disposto no Decreto
Legislativo Regional 18/2011/A, de 15 de junho, que
aplicou, com as necessárias adaptações, o Decreto-Lei
170/2009, de 3 de agosto.
Artigo 2.º
Adaptação de competências
A
aplicação na Região Autónoma dos Açores do Decreto-Lei
276/2007, de 31 de julho, alterado pelo Decreto-Lei
32/2012, de 13 de fevereiro, faz-se com as seguintes adaptações orgânicas:
a) As referências feitas a membros do
Governo consideram-se reportadas aos membros do Governo Regional;
b) A definição das áreas territoriais de
inspeção prevista no artigo 22.º do Decreto-Lei 276/2007, de 31 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 32/2012, de 13 de fevereiro é
competência do membro do Governo Regional da tutela, sob proposta do dirigente
máximo do serviço inspetivo;
c) As referências orgânicas consideram-se
reportadas à Região Autónoma dos Açores, com as devidas adaptações.
Artigo 3.º
Âmbito subjetivo
O
presente decreto legislativo regional aplica-se a todas as inspeções e serviços da Região Autónoma dos
Açores a que sejam cometidas as funções mencionadas no artigo 1.º, nos
respetivos diplomas orgânicos.
Artigo 4.º
Colaboração com os serviços congéneres
Os serviços de inspeção da Região Autónoma
dos Açores podem prestar colaboração aos serviços congéneres das outras
administrações, no âmbito material das suas atribuições.
... ...
21 Outubro 2012 –
“Operacional” –
“OS MILITARES & O COMBATE A INCÊNDIOS FLORESTAIS” – Miguel Machado
Todos os anos muitos militares e meios
das Forças Armadas são empregues no combate a incêndios florestais, nos termos do que a lei
determina para este apoio. Raramente no entanto este contributo passa pelo
conhecimento do público, pelas noticias das 20H00!
Seja
como for, ele tem lugar e hoje apresentamos um texto que disso mesmo dá conta.
O autor, Rui Pais dos Santos, é Major de Infantaria, com a especialidade
de pára-quedista. Com 20 anos de serviço e seis missões cumpridas no estrangeiro
(uma em Timor-Leste, duas na Bósnia-e-Herzegovina, uma no Kosovo e duas no
Afeganistão). Pais dos Santos ingressou na Academia Militar em 1992, tem
o Curso de Estado-Maior e o de Estado-Maior Conjunto, e concluiu em 2011-12 a
Pós-Graduação em Ciências Militares – Segurança e Defesa, no Instituto de
Estudos Superiores Militares. Actualmente é Doutorando em Relações
Internacionais – Especialidade de Estudos de Segurança e Estratégia, na
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa.
O
“Operacional” agradece esta colaboração de Pais dos Santos que nos dá o
conhecimento directo sobre aquilo que o Exército vem fazendo no âmbito do
combate a incêndios florestais – sobretudo com dados numéricos – e mostra bem,
embora este artigo apenas incida sobre o trabalho de uma das brigadas, que o
esforço do ramo abrange todo o território nacional.
Importante
ainda quanto a nós as referências à legislação que suporta estas missões,
provando afinal que quando se quer, o emprego dos militares em território
nacional, que tantos detractores tem, não só é possível e legal como muito
útil, e, dizemos nós, desejável.
Participação
da Brigada de Reacção Rápida no combate aos incêndios florestais em 2012
A
BrigRR empenhou, ao abrigo do Dispositivo Especial para o Combate aos Incêndios
Florestais (DECIF) para o ano de 2012, trinta e dois pelotões, num total de 733
militares e 92 viaturas.
De
norte a sul de Portugal
O
primeiro empenhamento de meios da Brigada de Reação Rápida (BrigRR), ocorreu em
março. Fruto das condições atmosféricas anormais para a altura do ano, eclodiu
na região de Castro Daire um incêndio, para o qual, foi mobilizado um pelotão
do Centro de Tropas de Operações Especiais (CTOE – Lamego), de 29 a 30 de
março. Sensivelmente no mesmo período, de 29 a 31 de Março, o Regimento de
Artilharia 4 (RA4 – Leiria) participou com dois pelotões e o Regimento de
Infantaria 15 (RI15 – Tomar) com um pelotão no combate a um incêndio na região
de Penela.
No
grande do incêndio de S. Brás de Alportel – Tavira, a BrigRR empenhou 10
pelotões. A participação da brigada iniciou-se a 19 de julho, com a projeção de
um pelotão do Centro de Tropas Comando (CTC – Serra da Carregueira) e um do
Regimento de Infantaria 3 (RI3 – Beja). Por este incêndio passaram, ainda, dois
pelotões da Escola de Tropas Paraquedistas (ETP – Tancos), dois pelotões da
Unidade de Aviação Ligeira do Exército (UALE – Tancos), dois pelotões do RA4,
e, mais dois pelotões do RI3, tendo a brigada terminado o seu empenhamento
neste incêndio no dia 25 julho.
No
dia 19 de julho, o Regimento de Infantaria 15 (RI15) mobilizou um pelotão para
um incêndio que lavrava na região de Tomar. Ainda no mês de julho, nos dias 29
e 30, o Regimento de Infantaria 10 (RI10 – S. Jacinto / Aveiro) participou com
um pelotão nas operações de rescaldo de um incêndio ocorrido na região de
Tondela.
Nos
dias 3 e 4 de agosto, o RI3 foi participou novamente numa ação de rescaldo,
desta vez na região de Penela, tendo para isso empenhado um pelotão. O CTOE, em
12 e 13 de Agosto, empenhou um pelotão, no rescaldo de um incêndio que
deflagrou na região de Chaves.
O
mês de setembro foi profícuo no número de incidentes que implicaram o
empenhamento de meios da BrigRR em ações de rescaldo. Este mês iniciou-se com a
participação de um pelotão do CTOE num incêndio deflagrado na região de
Sernancelhe. Seguindo-se, nos dias 2 e 3, o emprego de um pelotão da UALE e de
um pelotão da ETP na região de Óbidos. A 3 de setembro, o RA4 participou com um
pelotão no combate a um incêndio no Bombarral. De 3 a 4 de setembro, o RI15
cooperou nas operações de rescaldo de um incêndio em Ourém, com o efetivo de um
pelotão. No mesmo período, o RI3 enviou um pelotão, em igual tarefa, para a
Vidigueira. De 3 a 5 setembro, o RI10 regressou à região de Tondela, com um efetivo
de um pelotão. Por sua vez, o CTOE empregou um pelotão, de 5 a 7 de Setembro,
em tarefa semelhante, na região de Viseu. O período de 9 e 10 de Setembro foi
de elevada atividade com o emprego simultâneo de meios da BrigRR em dois
incêndios: um pelotão da UALE em Arganil e quatro pelotões (RI10, RI15, ETP e
RA4) na região de Viseu. O último empenhamento ocorreu na região de Bragança
com o emprego de um pelotão do CTOE, de 16 a 17 de setembro.
Aos
meios anteriormente referidos acresce a participação de Equipas de Ligação, a
cargo das Unidades que projetam os pelotões. Estas equipas, enviadas em
simultâneo com os pelotões, asseguram a ligação entre as forças militares e o
Posto de Comando Operacional, da Autoridade Nacional de Proteção Civil.
Além das ações de rescaldo e de vigilância pós-rescaldo, a BrigRR, através do CTC, participou em ações de vigilância da Serra de Sintra, com um efetivo de 25 militares, divididos em cinco equipas de vigilância. A participação das equipas do CTC foi efetuada de acordo com um Protocolo firmado com a Câmara Municipal de Sintra, que suportou uma parte significativa dos custos.
Além das ações de rescaldo e de vigilância pós-rescaldo, a BrigRR, através do CTC, participou em ações de vigilância da Serra de Sintra, com um efetivo de 25 militares, divididos em cinco equipas de vigilância. A participação das equipas do CTC foi efetuada de acordo com um Protocolo firmado com a Câmara Municipal de Sintra, que suportou uma parte significativa dos custos.
Enquadramento
legal
A
participação da BrigRR no combate aos incêndios florestais decorre da
legislação enquadrante das Forças Armadas e da Proteção Civil. A moldura legal
aplicável às Forças Armadas inicia-se com a Constituição da República Portuguesa, sendo secundada
pela Lei de Defesa Nacional (1) e pela Lei Orgânica de Bases da Organização da Forças
Armadas (2) , repercutindo-se no Decreto-Lei que regula a Organização do Exército.
Esta legislação identifica, entre as missões das Forças Armadas, a colaboração em missões de
protecção civil e em tarefas relacionadas com a satisfação das
necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações.
Por sua vez, a Lei de Bases da Proteção Civil (3) impõe às Forças Armadas, enquanto agente de proteção civil, a responsabilidade de colaborar com a Autoridade Nacional de Proteção Civil. O Artigo 54.º desta Lei, clarifica o papel das Forças Armadas, referindo que entre as formas colaboração das Forças Armadas com a Autoridade Nacional de Proteção Civil inclui-se as “acções de prevenção, auxílio no combate e rescaldo em incêndios”.
Decorrentes da legislação são desenvolvidos Planos que definem as formas de cooperação entre as Forças Armadas e a ANPC. Neste âmbito surge a Diretiva Operacional Nº 006/CEMGFA/2010, que pormenoriza a forma como as Forças Armadas se articulam com a estrutura de proteção civil e de que forma colaboram com esta.
Por sua vez, a Lei de Bases da Proteção Civil (3) impõe às Forças Armadas, enquanto agente de proteção civil, a responsabilidade de colaborar com a Autoridade Nacional de Proteção Civil. O Artigo 54.º desta Lei, clarifica o papel das Forças Armadas, referindo que entre as formas colaboração das Forças Armadas com a Autoridade Nacional de Proteção Civil inclui-se as “acções de prevenção, auxílio no combate e rescaldo em incêndios”.
Decorrentes da legislação são desenvolvidos Planos que definem as formas de cooperação entre as Forças Armadas e a ANPC. Neste âmbito surge a Diretiva Operacional Nº 006/CEMGFA/2010, que pormenoriza a forma como as Forças Armadas se articulam com a estrutura de proteção civil e de que forma colaboram com esta.
Planos
do Exército – “Lira” e “Braseiro”
Especificamente
para o combate aos incêndios florestais, o Exército desenvolveu o Plano Lira 2012, que por
sua vez, originou no Comando das Forças Terrestres, o Plano Lira Operacional.
Subsequentemente, a BrigRR implementou o Plano Braseiro, que define a forma
como as unidades da BrigRR se articulam no DECIF 2012 e participam no combate
aos incêndios florestais. Este Plano determina que cada uma das oito unidades
territoriais apronte e mantenha em prontidão um pelotão e uma equipa de
ligação, num efetivo mínimo de 22 e de 2 militares, respetivamente. Ou seja, a
BrigRR disponibiliza em permanência um efetivo mínimo de 192 militares para operações de rescaldo e de
vigilância ativa pós-rescaldo. Os pelotões aprontados para o DECIF são
auto-sustentáveis por um período mínimo de 48 horas, estão dotados de meios de
comunicação que permitem a ligação permanente e equipados com material para
combater o fogo na fase de rescaldo, tais como: abafadores, motobombas,
motosserras, lanternas, pás, enxadas, abafadores, picaretas e ancinhos.
Além
do apoio em ações de rescaldo, a BrigRR tem capacidade para colaborar com a
ANPC através do fornecimento de apoio logístico. Este pode incluir apoio de alimentação, o
abastecimento de água, apoio de transporte, apoio sanitário de emergência,
apoio em material diverso (material de aquartelamento, tendas de campanha,
geradores, depósitos de águia, entre outros), disponibilização de
infra-estruturas para apoio a unidades terrestres ou aéreas de combate aos fogos,
e, abastecimento de água às aeronaves no Aeródromo Militar de Tancos (na UALE)
e no Aeródromo Militar de São Jacinto (no RI10).
(1)
Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de Julho
(2) Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 de Julho
(3) Lei n.º 27/2006, de 3 de Julho
(2) Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 de Julho
(3) Lei n.º 27/2006, de 3 de Julho
Estudo sobre planos
LIRA, Vulcano e Aluvião:
31 Outubro 2012 – Decreto-Lei n.º 235/2012 – Procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º
248/95, de 21 de Setembro (que insere formalmente a
Polícia Marítima (PM) na estrutura do Sistema da Autoridade Marítima (SAM) e põe
em vigor o Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima) e à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 44/2002, de 2 de Março (que
estabelece, no âmbito do Sistema da Autoridade Marítima, a estrutura,
organização, funcionamento e competências da Autoridade Marítima Nacional e
cria, na estrutura desta, a DGAM).
Preâmbulo:
... ...
Nesse sentido, o Decreto-Lei n.º
44/2002, de 2 de
Março, que estabelece, no âmbito do SAM, as atribuições, a estrutura e a
organização da Autoridade Marítima Nacional, conforma uma arquitectura legal e
institucional em que o exercício da Autoridade
Marítima, atenta a natureza das suas atribuições, se insere no quadro constitucional da Administração
Pública e do exercício de polícia, distinto do que a Constituição
reserva quanto ao enquadramento das Forças Armadas e, em moldes concretos, à
defesa militar da República.
O que, no entender dos poderes político e judicial,
engloba a fiscalização das nossas águas – que aliás continuou a processar-se
sem qualquer alteração após a publicação dete diploma.
... ...
Nesse modelo, a Polícia Marítima
integra, necessariamente, a estrutura da Autoridade
Marítima Nacional, constituindo um dos seus órgãos e serviços, e
materializando um conjunto de funções executivas e policiais
...
Importa, por isso, reconhecer que actualmente a Marinha representa uma moldura
institucional com legitimidades heterogéneas e capacidades multifuncionais,
onde se identifica uma componente de acção
militar que constitui o ramo naval das Forças Armadas, histórica e
conceptualmente designado de Armada,
e uma
componente de acção não militar, fora do propósito imediato e do âmbito
próprio das Forças Armadas, que constitui uma outra estrutura do Ministério da Defesa Nacional,
designada Autoridade Marítima Nacional.
Portanto, a AMN, estrutura não militar, pertence à
Marinha – da qual só foi formalmente desinserida pela LOMAR 2014
(Decreto-Lei n.º 185/2014, de 29 Dezembro 2014).
Em todo o caso, não se entende que uma estrutura seja
simultaneamente uma componente da Marinha e uma estrutura do MDN.
De facto, actualmente, ambas as componentes, militar e não
militar, não se confundem, sem prejuízo de se articularem sinergicamente numa
lógica funcional de alinhamento e complementaridade entre capacidades e
competências, no exercício do emprego operacional no mar, quer da Armada no quadro
próprio das missões das Forças Armadas, quer da Autoridade Marítima Nacional no
quadro das atribuições do SAM.
... ...
Assim, o presente decreto-lei procede à clarificação da dependência hierárquica da Autoridade Marítima Nacional
e à consequente adequação da legislação
relativa à Polícia Marítima, alterando, para o efeito, o Decreto-Lei n.º
44/2002, de 2 de março, e o Decreto-Lei n.º 248/95, de 21 de setembro, alterado
pelo Decreto-Lei n.º 220/2005, de 23 de dezembro, que estabelece o Estatuto do
Pessoal da Polícia Marítima.
… …
Artigo 1.º
Objeto |
O presente diploma
procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 248/95, de 21 de setembro, alterado pelo
Decreto-Lei n.º 220/2005, de 23 de dezembro, que cria, na estrutura do
Sistema da Autoridade Marítima, a Polícia Marítima, e à primeira alteração ao
Decreto-Lei n.º 44/2002,
de 2 de março, que estabelece, no âmbito do Sistema da Autoridade
Marítima, a estrutura, organização, funcionamento e competências da
Autoridade Marítima Nacional (AMN).
[...]
1 - ... 2 - A PM é uma força policial armada e uniformizada, dotada de competência especializada nas áreas e matérias legalmente atribuídas ao SAM e à AMN, composta por militares da Armada e agentes militarizados. 3 - ... 4 - ...» |
Redacção original do Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 248/95:
Artigo 1.º
Polícia Marítima
Polícia Marítima
… …
2 — A PM é uma força
policial armada e uniformizada, dotada de competência especializada nas áreas e
matérias legalmente atribuídas ao SAM e
composta por militares da Armada e agentes militarizados da Marinha.
Redacção actual, dada pelo Decreto-Lei
n.º 235/2012:
Artigo 1.º
Polícia Marítima
Polícia Marítima
… …
2 — A PM é uma força policial armada e uniformizada, dotada
de competência especializada nas áreas e matérias legalmente atribuídas ao SAM e à AMN, composta por
militares da Armada e agentes militarizados.
Em
relação à versão original, este Decreto acrescenta AMN è expressão “nas áreas e matérias legalmente atribuídas
apo SAM…”e retira a expressão “da
Marinha” no final da disposição: “agentes
militarizados da Marinha” na primeira, “agentes
militarizados”, na segunda. Não se entende porquê (embora a alteração não
seja substantiva). Na verdade, de acordo com o Preâmbulo desta mesma lei, a
Marinha possui “uma componente de acção
militar ... ramo naval das Forças Armadas ... designado por Armada, e
uma componente de acção não militar, ... designada por Autoridade Marítima
Nacional”. Como a Autoridade Marítima Nacional compreende a Polícia
Marítima (art.º 3.º, em ambas as versões – ver a seguir), logicamente a
Polícia Marítima pertence à Marinha.
Artigo 3.º
Alteração ao anexo do Decreto-Lei n.º 248/95, de 21 de Setembro |
O artigo
5.º do Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima, aprovado em anexo ao Decreto-Lei nº 248/95, de
21 de setembro,
alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/2005, de 23 de dezembro, passa a ter a
seguinte redação:
«Artigo 5.º Comandante-geral da Polícia Marítima 1 - O comandante-geral é o órgão superior de comando da PM, competindo-lhe, como dirigente máximo da PM: a) Dirigir a PM; b) [Anterior alínea a) do corpo do artigo.] c) [Anterior alínea b) do corpo do artigo.] d) [Anterior alínea c) do corpo do artigo.] e) [Anterior alínea d) do corpo do artigo.] f) [Anterior alínea e) do corpo do artigo.] 2 - Das decisões do comandante-geral proferidas no âmbito das competências referidas nas alíneas c) e e) do número anterior cabe recurso hierárquico para a AMN. 3 - Das decisões do comandante-geral proferidas no âmbito das competências referidas nas alíneas d) e f) do número anterior cabe recurso hierárquico para o Ministro da Defesa Nacional.»
Redacção original do Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 248/95:
Artigo 5.º
Comandante-geral
O
comandante-geral é o órgão superior de comando da PM, competindo-lhe em
especial:
a) Representar a PM; b) Assegurar a gestão do pessoal, nomeadamente ao nível de efectivos, carreiras, nomeações e movimentos; c) Exercer o poder disciplinar; d) Fazer executar toda a actividade respeitante à organização, meios e dispositivos, operações, instrução e serviços técnicos, logísticos e administrativos da PM; e) Inspeccionar ou mandar inspeccionar os órgãos e serviços da PM em todos os aspectos da sua actividade; f) Exercer as competências delegadas pelo Ministro da Defesa Nacional.
Redacção actual, dada pelo Decreto-Lei
n.º 235/2012:
|
Artigo 4.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 44/2002, de 2 de Março |
Os
artigos 1.º, 2.º, 3.º, 7.º e 15.º do Decreto-Lei
nº 44/2002, de 2 de março, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 1.º [...] 1 - ... 2 - (Revogado.)
Redacção original do Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 44/2002:
Redacção actual, dada pelo Decreto-Lei n.º 235/2012:
|
||||||||||||||
Redacção original do Artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 44/2002:
Artigo 2.º
Atribuições da Autoridade Marítima
1 — A AMN é a
entidade responsável pela coordenação das actividades, de âmbito
nacional, a executar pela Marinha e pela DGAM, na área de jurisdição e
no quadro do SAM, com observância das orientações definidas pelo Ministro da
Defesa Nacional, devendo submeter a este a proposta do respectivo orçamento.
2 — O Chefe do
Estado-Maior da Armada é, por inerência a AMN.
Redacção actual, dada pelo Decreto-Lei
n.º 235/2012:
Artigo 2.º
Atribuições
e competências
1 - A AMN é a entidade responsável pela coordenação
das actividades, de âmbito nacional, a executar
pela Armada, pela Direcção-Geral da Autoridade Marítima (DGAM)
e pelo Comando-Geral da Polícia Marítima (CGPM), nos espaços de
jurisdição e no quadro de atribuições definidas no Sistema de Autoridade
Marítima, com observância das orientações definidas pelo Ministro da Defesa
Nacional, que aprova o orçamento destinado à AMN.
2 - O Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) é, por
inerência, a AMN e nesta qualidade funcional depende do
Ministro da Defesa Nacional.
3 - Nos processos jurisdicionais que
tenham por objeto a ação ou omissão da AMN ou dos órgãos e serviços nela
compreendidos, a parte demandada é a AMN, sendo representada em juízo por
advogado ou por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, constituído
ou designado pela AMN.
1. Uma vez que o Decreto-Lei n.º
235/2012 considera que a Marinha engloba a Armada e a Autoridade Marítima
Nacional, e que nesta estão compreendidas a DGAM e a Polícia Marítima (art.º
3.º), a nova redacção do art.º 2.º segue esta formulação. A Armada
(componente de acção militar: unidades navais e comandos operacionais) continua
a desempenhar missões (fiscalização, etc.) no quadro do SAM (embora a ele não
pertença), a par da DGAM e da PM.
2. O Art.º 8.º do Decreto-Lei 44/2002, de 2 Março 2002, continua a estipular que a
AMN tem a DGAM na sua directa dependência. No actual n.º 2
acrescenta-se explicitamente que o Almirante AMN depende do MDN, o aliás já
sucedia. O n.º 3 é novo e agora acrescentado.
Artigo 3.º
[...]
1 - A AMN compreende os seguintes órgãos e serviços:
a) ...
b) ...
c) DGAM;
d) Polícia Marítima.
2 - (Revogado.)
3 - (Revogado.)
[...]
1 - A AMN compreende os seguintes órgãos e serviços:
a) ...
b) ...
c) DGAM;
d) Polícia Marítima.
2 - (Revogado.)
3 - (Revogado.)
Redacção original do Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 44/2002:
Artigo 3.º
Estrutura da autoridade marítima nacional
1 — A AMN
compreende os seguintes órgãos consultivos:
a) Conselho Consultivo (CCAMN);
b) Comissão do Domínio Público Marítimo (CDPM).
2 — Integra
ainda a AMN a DGAM, como órgão central da AMN.
3 — A Polícia
Marítima (PM) integra a estrutura operacional da AMN, nos termos previstos
no presente diploma.
Redacção actual,
dada pelo Decreto-Lei n.º
235/2012:
Artigo 3.º
Estrutura da
autoridade marítima nacional
1 — A AMN compreende os seguintes órgãos e serviços:
a) Conselho Consultivo (CCAMN);
b) Comissão do Domínio Público Marítimo (CDPM).
c) DGAM;
d) Polícia Marítima
2 — (Revogado)
3 — (Revogado)
É uma redacção mais simples que a original.
Artigo 7.º
[...]
A DGAM é o serviço, integrado no Ministério da Defesa Nacional através da Marinha para efeitos da gestão de recursos humanos e materiais, dotado de autonomia administrativa, responsável pela direção, coordenação e controlo das atividades exercidas pelos seus órgãos e serviços no âmbito da AMN.
[...]
A DGAM é o serviço, integrado no Ministério da Defesa Nacional através da Marinha para efeitos da gestão de recursos humanos e materiais, dotado de autonomia administrativa, responsável pela direção, coordenação e controlo das atividades exercidas pelos seus órgãos e serviços no âmbito da AMN.
Redacção original do Artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 44/2002:
Artigo 7.º
Natureza
A DGAM é o
serviço, integrado no Ministério da Defesa Nacional através da Marinha, dotado
de autonomia administrativa, responsável pela direcção, coordenação e controlo
das actividades exercidas no âmbito da AMN.
Redacção actual,
dada pelo Decreto-Lei n.º
235/2012:
Artigo 7.º
Natureza
A DGAM é o serviço, integrado no Ministério da Defesa
Nacional através da Marinha para efeitos da gestão de recursos humanos e
materiais, dotado de autonomia administrativa, responsável pela direcção,
coordenação e controlo das actividades exercidas pelos seus órgãos e serviços
no âmbito da AMN.
Em relação à anterior, a versão actual
especifica que a DGAM está integrada no MDN através da Marinha “para efeitos da gestão de recursos
humanos e materiais”. Depreende-se pois que a Marinha “se limita” a
fornecer meios materiais e pessoal à DGAM e a pagar o seu funcionamento.
Presume-se que seja este o significado de “gestão” neste diploma.
Artigo 5.º
Norma revogatória |
São revogados o n.º 2 do artigo 1.º, os n.os 2 e 3 do artigo
3.º e o n.º 5 do artigo 15.º do Decreto-Lei nº 44/2002,
de 2 de março.
|
5 Novembro 2012 – Decreto Regulamentar Regional n.º 32/2012/M – Aprova
a orgânica da Direção Regional de Pescas. Revoga o Decreto
Regulamentar Regional 11/96/M de 6 de Setembro. Revogado
pelo Decreto Regional Regulamentar n.º , de 23/2015/M, de 18 Dezembro 2015.
...
...
ANEXO
(a que
se refere o artigo 1.º do diploma preambular)
Orgânica da Direção Regional de Pescas
Artigo 1.º
Natureza e missão
1 - A
Direção Regional de Pescas, neste diploma abreviadamente designada por DRP, é
um serviço central da administração direta da Região Autónoma da Madeira,
integrado na Secretaria Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais, a que se
reporta a alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto
Regulamentar Regional 2/2012/M, de 13 de março, na
redação dada pela Declaração de Retificação n.º 22/2012, de 30 de abril,
alterado pelo Decreto
Regulamentar Regional 20/2012/M, de 22 de agosto.
2 - A DRP tem por missão, em estreita
ligação com o Secretário Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais, executar
as políticas definidas superiormente para o setor de pesca e o controlo da
atividade piscatória.
Artigo 2.º
Atribuições
Na prossecução da sua missão, são atribuições da
DRP:
... ...
m) Assegurar, sem prejuízo das
atribuições e competências de outras entidades, o cumprimento da legislação
comunitária, nacional e regional, bem como da respetiva regulamentação,
aplicável ao exercício da pesca marítima e das culturas marinhas, nas áreas que
não sejam da competência específica da autoridade marítima e de outras
entidades;
n) Fiscalizar as atividades
da pesca marítima, aquicultura e indústria transformadora e de acondicionamento
de produtos da pesca em
articulação com os demais serviços competentes;
o)
Instruir os processos de contraordenação da inspeção regional de pescas e tomar
a decisão final relativa aos mesmos;
p) Acompanhar a atividade de
fiscalização exercida no setor por outras entidades [Marinha,
Força Aérea, que prosseguiram sem alteração as suas missões neste campo], bem
como recolher e tratar informação relativa à fiscalização em geral desenvolvida
no âmbito do mesmo;
...
...
Artigo 2.º
Norma revogatória
1 - É revogado o Decreto
Regulamentar Regional 11/96/M de 6 de setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto
Regulamentar Regional 18/99/M, de 30 de novembro.
... ...
6 Dezembro 2012 – “Diário de Notícias” – “Marinha:
vigilância e fiscalização” – Jorge Silva Paulo
A Marinha, num comunicado
de 16 de novembro, colocado na sua página oficial na Internet, pretende
esclarecer o público sobre as suas competências
legais relativas à fiscalização da pesca, referindo-se a recentes
artigos publicados no DN sobre a matéria. Presume-se que foi aprovado pelo
chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA).
Registo que num texto que
visa demonstrar as competências dum ramo militar não há referências à
Constituição nem às leis que a densificam em relação às Forças Armadas, como a
lei orgânica do MDN.
Veja-se o que diz esta lei:
Artigo 10.º
Ramos das Forças Armadas
1 — Os ramos
das Forças Armadas — Marinha, Exército e Força Aérea — têm por missão principal
participar, de forma integrada, na defesa militar da República, nos termos do
disposto na Constituição e na lei, sendo fundamentalmente vocacionados para a
geração, preparação e sustentação das forças da componente operacional do
Sistema de Forças Nacional, assegurando também o cumprimento das missões
particulares aprovadas, de missões reguladas por legislação própria
e de outras missões de natureza operacional que lhes sejam atribuídas.
Veja-se agora o que são “missões particulares
aprovadas”, ”missões reguladas por legislação própria” e “outras missões de
natureza operacional que lhe sejam atribuídas”:
Decreto-Lei n.º 233/2009 (LOMAR 2009)
Artigo 2.º
Missão
... ...
3 - Compete também à Marinha assegurar o
cumprimento das missões particulares aprovadas, de missões reguladas
por legislação própria e de outras missões de natureza operacional
que lhe sejam atribuídas, designadamente:
a) Exercer a autoridade marítima e
garantir o cumprimento da lei nos espaços marítimos sob soberania ou
jurisdição nacional;
b) Assegurar o serviço de busca e
salvamento marítimo nos espaços marítimos sob responsabilidade nacional;
c) Realizar operações e actividades no domínio
das ciências e técnicas do mar.
Portanto, a Lei Orgânica do MDN estipula
exactamente que a Marinha deve fiscalizar.
Registo que, estando em
causa medidas de polícia,
aquele texto também não refere a Lei de Segurança Interna (LSI) e o seu
capítulo V em particular.
Veja-se o que são “medidas de polícia” tipificadas na Lei
de Segurança Interna (Lei n.º 53/2008 – ver 29 Agosto 2008):
Capítulo V
Artigo 28.º
Medidas de polícia
1 — São
medidas de polícia:
a) A identificação de pessoas suspeitas que
se encontrem ou circulem em lugar público, aberto ao público ou sujeito a
vigilância policial;
b) A interdição temporária de acesso e
circulação de pessoas e meios de transporte a local, via terrestre, fluvial,
marítima ou aérea;
c) A evacuação ou abandono temporários de
locais ou meios de transporte.
2 —
Considera-se também medida de polícia a remoção de objectos, veículos ou outros
obstáculos colocados em locais públicos sem autorização que impeçam ou
condicionem a passagem para garantir a liberdade de circulação em condições de
segurança.
Durante
as acções de fiscalização levadas a cabo pela Marinha, são efetuadas várias ações e tomadas
medidas que, tendo alguma semelhança com "medidas de polícia",
contudo não o são, porque não são enquadradas pela Lei de Segurança
Interna, nem por quaisquer leis penais ou equiparadas, mas sim pelo Direito Internacional Marítimo e
pela Lei nº 34/2006 de 28 Julho 2006, também conhecida como Lei do
Mar, no respeitante ao direito de visita a navios e embarcações, pelo Decreto-Lei
nº 233/82, de 18 Junho 1982
(Regime Geral das Contraordenações) e, em outras
medidas específicas, pelos normativos específicos das atividades
fiscalizadas (no caso das pescas, pelo
Decreto-Lei nº 278/87 de 7 Julho 1987, tal como
foi republicado em anexo ao Decreto-Lei nº 383/98, de 27 Novembro 1998 e
pelos normativos europeus aplicáveis, que, por via do Tratado de Lisboa, são
supralegais e se sobrepõem à legislação nacional sempre que haja conflito.
Há apenas
dois regimes enquadrantes em termos de acção coerciva do Estado, no âmbito
jurisdicional: o regime do Ilícito de mera ordenação social, cuja
regulamentação base é o Regime Geral das Contra-Ordenações (RGC), e o Regime do
Ilícito Penal, cujas leis base são o Código Penal e o Código do Processo Penal.
Complementarmente,
o decreto-lei 276/2007 de 31
Julho 2007 regulamenta a atividade
de inspeção da administração direta e indireta do estado, a qual pode cair em
qualquer dos regimes anteriores, consoante a tipologia do ilícito detetado. Os
Inspetores do Estado, quando atuam no quadro do RGC, atuam enquanto Agentes de
fiscalização.
As
medidas tomadas durante aquelas acções da Marinha são basicamente idênticas às tomadas
em muitas outras situações em que intervêm os agentes de fiscalização
previstos no Decreto-Lei n.º 233/82, de 18
Junho 1982 – Regime Geral das Contra-ordenações – os quais compreendem os
inspectores dos “serviços da
administração directa e indirecta do Estado aos quais tenha sido cometida a
missão de assegurar o exercício de funções de controlo, interno ou externo”
(Decreto-Lei n.º 276/2007, de 31 Julho
2007, que “estabelece o regime
jurídico da actividade de inspecção, auditoria e fiscalização” daqueles
serviços). Os agentes de fiscalização (e os inspectores) não são autoridades policiais. Nem as acções que tomam, e que
abaixo se transcrevem, são “medidas de
polícia”.
Decreto-Lei
n.º 233/82, de 18 Junho 1982:
Artigo
48.º
(Da polícia e dos agentes de fiscalização) |
1
- As autoridades policiais e fiscalizadoras deverão tomar conta de
todos os eventos ou circunstâncias susceptíveis de implicar responsabilidade
por contra-ordenação e tomar as medidas necessárias para impedir o
desaparecimento de provas.
2 - Na medida em que o contrário não resulte desta lei, as autoridades policiais têm direitos e deveres equivalentes aos que têm em matéria criminal. 3 - As autoridades policiais e agentes de fiscalização remeterão imediatamente às autoridades administrativas a participação e as provas recolhidas.
|
Decreto-Lei n.º 276/2007, de 31 Julho 2007:
Garantias do exercício da actividade de inspecção
Artigo 16.º
Garantias do exercício
da actividade de inspecção
No exercício das suas
funções, os dirigentes dos serviços de inspecção e o pessoal de inspecção gozam
das seguintes prerrogativas:
a) Direito de
acesso e livre-trânsito, nos termos da lei, pelo tempo e no horário
necessários ao desempenho das suas funções, em todos os serviços e instalações
das entidades públicas e privadas sujeitas ao exercício das suas
atribuições;
b) Requisitar para
exame, consulta e junção aos autos, livros, documentos, registos, arquivos
e outros elementos pertinentes em poder das entidades cuja actividade seja
objecto da acção de inspecção;
c) Recolher
informações sobre as actividades inspeccionadas, proceder a exames a
quaisquer vestígios de infracções, bem como a perícias, medições
e colheitas de amostras para exame laboratorial;
d) Realizar
inspecções, com vista à obtenção de elementos probatórios, aos locais
onde se desenvolvam actividades sujeitas ao seu âmbito de actuação e passíveis
de consubstanciar actividades ilícitas, sem dependência de prévia
notificação;
e) Promover, nos
termos legais aplicáveis, a selagem de quaisquer instalações, bem como a
apreensão de documentos e objectos de prova em poder das entidades
inspeccionadas ou do seu pessoal, quando isso se mostre indispensável à
realização da acção, para o que deve ser levantado o competente auto;
f) Solicitar a
colaboração das autoridades policiais, nos casos de recusa de acesso ou
obstrução ao exercício da acção de inspecção por parte dos destinatários,
para remover tal obstrução e garantir a realização e a segurança dos actos
inspectivos;
g) Solicitar a adopção
de medidas cautelares necessárias e urgentes para assegurar os meios de
prova, quando tal resulte necessário, nos termos do Código de Processo Penal;
h) Obter, para auxílio
nas acções em curso nos mesmos serviços, a cedência de material e equipamento
próprio, bem como a colaboração de pessoal que se mostrem indispensáveis,
designadamente para o efeito de se executarem ou complementarem serviços em
atraso de execução, cuja falta impossibilite ou dificulte aquelas acções;
i) Utilizar nos locais
inspeccionados, por cedência das respectivas entidades inspeccionadas,
instalações em condições de dignidade e de eficácia para o desempenho das suas
funções;
j) Trocar
correspondência, em serviço, com todas as entidades públicas ou privadas sobre
assuntos de serviço da sua competência;
l) Proceder, por si ou
com recurso a autoridade policial ou administrativa, e cumpridas as
formalidades legais, às notificações necessárias ao desenvolvimento da acção de
inspecção;
m) Ser considerado
como autoridade pública para os efeitos de protecção criminal.
... ...
Artigo 18.º
Porte de arma
O pessoal de inspecção e os
dirigentes dos serviços de inspecção cujo âmbito de actuação é externo à
Administração Pública podem ainda ter direito a possuir e usar arma de
defesa, com dispensa da respectiva licença de uso e porte de arma, valendo
como tal o respectivo cartão de identificação profissional, quando previsto no
respectivo diploma orgânico.
A mesma lei
estipula também os deveres dos inspeccionados:
Artigo 4.º
Deveres de informação
e cooperação pelas entidades inspeccionadas
1 - Os serviços da
administração directa, indirecta e autónoma do Estado, bem como as pessoas
singulares e colectivas de direito público e privado objecto de acção
inspectiva, encontram-se vinculados aos deveres de informação e cooperação,
designadamente fornecendo os elementos de informação necessários ao desenvolvimento
da actividade de inspecção, nos moldes, suportes e com a periodicidade e
urgência requeridos.
2 - Os dirigentes e
trabalhadores das entidades inspeccionadas têm o dever de prestar, no
prazo fixado para o efeito, todos os esclarecimentos, pareceres, informações
e colaboração que lhes sejam solicitados pelos serviços de inspecção.
... ...
5 - A violação dos
deveres de informação e de cooperação para com os serviços de inspecção faz
incorrer o infractor em responsabilidade disciplinar e criminal, nos
termos da legislação aplicável.
Não
saindo do assunto pescas, é assim que está legislada, por exemplo, a actuação
dos inspectores da DGRM (Decreto-Lei
n.º 49-A/2012, de 24
Fevereiro 2012) e da Inspecção Regional das Pescas dos Açores (até
2015: Decreto Regulamentar Regional
n.º 13/2007/A, de 16 Maio 2007, posteriormente:
Decreto Regulamentar Regional n.º 4/2015/A, de 20
Fevereiro 2015) – que não são polícias, nem aplicam medidas de polícia:
Inspectores
da DGRM:
Artigo 8.º
Poderes de autoridade
... ...
2 - O pessoal da DGRM que desempenhe funções
de inspecção e fiscalização é detentor dos necessários poderes de autoridade, e no exercício das
suas funções goza das seguintes prerrogativas:
a) Aceder
e inspeccionar, sem necessidade de aviso prévio, as instalações, os equipamentos, os
serviços e os documentos das entidades sujeitas a inspecção e fiscalização pela
DGRM;
b) Requisitar para análise
equipamentos e documentos;
c) Identificar
as pessoas que se encontrem
em flagrante violação das normas cuja observância lhe
compete fiscalizar, no caso de não ser possível o recurso à autoridade policial em tempo útil;
d) Solicitar a intervenção das autoridades
administrativas e policiais quando necessário ao desempenho das suas funções.
3 - O disposto nas alíneas a), b) e
d) do número anterior é igualmente aplicável às entidades e agentes
credenciados pela DGRM para o exercício de funções
de fiscalização, nos termos
previstos no presente diploma.
Inspectores da Inspecção Regional das Pescas dos
Açores (até 20 Fevereiro 2015):
Artigo 14.º
Poderes e
prerrogativas dos inspectores
1 - No exercício da
sua actividade e quando devidamente identificado, o pessoal das carreiras de
inspecção de pesca pode:
a) Exercer o
direito de visita nos termos previstos no regime geral da pesca;
b) Ter livre acesso
a todas e quaisquer embarcações em que se exerçam actividades de pesca,
viaturas, instalações portuárias, lotas, estabelecimentos de aquicultura,
estabelecimentos industriais ou comerciais em que se conservem, transformem, armazenem
ou transaccionem produtos da pesca ou apetrechos para a actividade da pesca;
c) Permanecer nos
locais referidos na alínea anterior pelo tempo necessário à execução das
respectivas diligências inspectivas, nomeadamente à análise de documentos relevantes
e recolha de matéria de prova;
d) Obter a colaboração
e fazer-se acompanhar de peritos ou técnicos de serviços públicos, devidamente
credenciados pela IRP;
e) Solicitar a
identificação de qualquer pessoa que se encontre no local inspeccionado;
f) Requisitar, com
efeitos imediatos, ou para apresentação nos serviços da IRP, examinar e copiar
documentos ou quaisquer interessem ao bom exercício da actividade inspectiva e
fiscalizadora;
g) Efectuar registos
fotográficos, imagens vídeo, pesagens ou medições que se mostrem relevantes
para a acção inspectiva;
h) Adoptar, em
qualquer momento da acção inspectiva, as medidas cautelares necessárias e
adequadas para impedir a destruição, o desaparecimento ou alteração de
documentos, registos, pescado ou bens, sujeitando-as à ratificação do inspector
regional das Pescas;
i) Solicitar a
colaboração de autoridades policiais, sempre que a mesma se registos que se
mostre necessária ao cumprimento da actividade inspectiva.
2 - Quem por qualquer
forma recusar a colaboração devida, dificultar ou se opuser ao exercício da
acção inspectiva e fiscalizadora da IRP e dos seus inspectores, incorre em
responsabilidade criminal, nos termos da lei.
Inspectores da Inspecção Regional das Pescas dos
Açores (depois de 20 Fevereiro 2015):
Artigo 36.º
Exercício da atividade
inspetiva
A
IRP, no exercício das suas competências, goza de autonomia e independência
técnica, regendo-se na sua atuação pelo disposto no Decreto-Lei 276/2007,
de 31 de julho [ver 31
Julho 2007],
adaptado à Região nos termos do Decreto Legislativo
Regional 40/2012/A, de 8 de outubro, e
pelas orientações do secretário regional da tutela emitidas nos termos legais.
Em
todo o caso, o direito de visita no âmbito das actividades de fiscalização
(que pressupõe naturalmente identificações, entre muitas outras coisas, como a
preservação de meios de prova e até mesmo a detenção de pessoas ou o
apresamento de embarcações) está previsto no Direito interno:
Na Lei n.º 34/2006 – Lei do Mar (ver 28 Julho 2006). Segundo o mesmo
diploma:
Artigo 13.º
Âmbito dos poderes
Âmbito dos poderes
Os poderes a exercer pelo Estado Português no mar
compreendem, sem prejuízo
do estabelecido em legislação especial, [no
caso da pesca profissional, basicamente o Decreto-Lei n.º 278/87, de 7 Julho 1987] aqueles que estejam consagrados:
a) Em normas e princípios do direito internacional que vinculam o Estado Português;
b) Nas disposições da presente lei.
a) Em normas e princípios do direito internacional que vinculam o Estado Português;
b) Nas disposições da presente lei.
Artigo 14.º
Entidades competentes
O exercício da autoridade do Estado Português
nas zonas marítimas sob a sua soberania ou jurisdição e no alto mar, … …
compete às entidades, aos serviços e organismos que exercem o poder de
autoridade marítima no quadro do Sistema de Autoridade Marítima, à Marinha
e à Força Aérea, no âmbito das respectivas
competências.”
Artigo 16.º
Actividades de fiscalização e
exercício do direito de visita
1 - No âmbito das actividades
de fiscalização, pode ser exercido, nos termos do direito internacional e
do direito interno, o direito de visita sobre todos os navios,
embarcações ou outros dispositivos flutuantes, nacionais ou estrangeiros, à
excepção daqueles que gozem de imunidade:
No mar territorial quando existirem motivos
fundados para presumir que a passagem desse navio é prejudicial à paz, à boa
ordem ou à segurança nacional;
b) Na zona contígua, quando necessário para evitar ou reprimir as infracções às leis ou regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários no território nacional ou no mar territorial, ou as infracções relativas ao património cultural subaquático ocorridas naquela zona ou no mar territorial;
c) Na zona económica exclusiva, no quadro:
i) Dos direitos de soberania relativos a exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos, e a exploração e aproveitamento desta zona para fins económicos;
ii) Do exercício de jurisdição no que concerne, designadamente, a protecção e a preservação do meio marinho, investigação científica marinha e ilhas artificiais, instalações e estruturas.
…
b) Na zona contígua, quando necessário para evitar ou reprimir as infracções às leis ou regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários no território nacional ou no mar territorial, ou as infracções relativas ao património cultural subaquático ocorridas naquela zona ou no mar territorial;
c) Na zona económica exclusiva, no quadro:
i) Dos direitos de soberania relativos a exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos, e a exploração e aproveitamento desta zona para fins económicos;
ii) Do exercício de jurisdição no que concerne, designadamente, a protecção e a preservação do meio marinho, investigação científica marinha e ilhas artificiais, instalações e estruturas.
…
“O exercício da autoridade do Estado Português
nas zonas marítimas sob a sua soberania ou jurisdição e no alto mar, … …,
compete às entidades, aos serviços e organismos que exercem o poder de
autoridade marítima no quadro do Sistema de Autoridade Marítima, à Marinha
e à Força Aérea, no âmbito das respectivas competências.
Como
atrás se referiu, a lei (LOMAR 2009, para só citar esta) também manda a Marinha
“Exercer a autoridade marítima e
garantir o cumprimento da lei nos espaços marítimos sob soberania ou
jurisdição nacional”.
Está
também previsto no acima citado Decreto-Lei n.º 278/87:
Artigo 33.º
Direito de visita
Direito de visita
No exercício das suas atribuições e a fim de
assegurar o cumprimento da legislação em vigor, as entidades com poderes de
fiscalização referidas no artigo 15.º [entre outros, órgãos e serviços
do Ministério da Defesa Nacional] poderão visitar quaisquer
embarcações de pesca atracadas em portos, no mar, em
estuários, rias, lagoas costeiras ou rios, bem como nos estabelecimentos de
aquicultura e conexos, locais de descarga de pescado, lotas, postos de
vendagem, nas áreas dos portos de pesca e em todos os locais ou
estabelecimentos relevantes para o controlo do cumprimento das medidas de
defesa e conservação dos recursos piscatórios.
Registo, ainda, que se referem algumas disposições legais e
jurisprudência de modo vago. Não basta dizer que um serviço do Estado pode
exercer funções de autoridade do Estado; é necessário definir e balizar as
competências dos seus órgãos e que elas sejam interpretadas em conjugação com
as demais disposições, designadamente na Constituição e em leis de valor
superior.
Sobre
a interpretação que o poder político dá ao art.º 275.º da Constituição, ver o
comentário ao artigo “Marinha de duplo uso: uma reflexão” – 24 Setembro 2011.
Ao silêncio sobre disposições legais de valor superior e regras de
interpretação da lei, o dito comunicado acrescenta o esvaziamento da tese que
pretende demonstrar: o decreto-lei 45/2002 atribui ao capitão de porto e à
Polícia Marítima a competência de fiscalização e residualmente
[?!] -
sempre que sejam detetados ilícitos - aos comandantes dos navios da Marinha.
Veja-se
o que diz a o Decreto-Lei n.º 45/2002:
Artigo 10.º
Fiscalização
… …
3 — Sempre que sejam
detectados ilícitos contra-ordenacionais por unidades navais da Marinha
em áreas sob jurisdição marítima nacional, compete ao comandante do navio
levantar o auto de notícia e tomar todas as medidas consideradas adequadas
à salvaguarda de todos os meios de prova admissíveis em direito.
4 — Compete ainda ao
comandante do navio, nos termos previstos no número anterior, caso considere
provável a fuga do infractor ou a destruição de meios de prova, determinar o apresamento
do navio ou embarcação, acompanhando-o até ao porto nacional mais próximo,
fazendo entrega do mesmo ao capitão do porto competente para os demais
procedimentos subsequentes.
… …
A lei é clara ao atribuir aos
Comandantes das unidades navais da Marinha a competência para levantar auto de
notícia quando sejam detectados ilícitos contra-ordenacionais pelos seus navios
(obviamente que por “pessoal dos seus navios”, já que estes são inanimados…
e que ele, observando-os directamente ou não, ratifica). Concede-lhes
ainda, em determinadas circunstâncias, o poder de apresar o navio ou a
embarcação infractora. (Ver uma vez mais a Lei n.º 34/2006 – 28 Julho 2006, cujo n.º 1 do Artigo
19.º também determina que “ Caso se constate a prática de ilícito durante a
visita a bordo, é levantado auto de notícia relativo às infracções
verificadas, sendo aplicadas as medidas cautelares adequadas,
designadamente a apreensão dos bens e documentos que constituem os meios
de prova, a detenção dos tripulantes infractores e o apresamento
do navio”.
Assumindo,
aliás em sintonia com os poderes político e judicial, que a Marinha tem
legitimidade constitucional para fiscalizar, a competência dos Comandantes dos
Navios é tudo menos residual.
Ao dizer que é necessário
fiscalizar para saber se há ilícitos, confundem-se a vigilância e a
fiscalização.
A fiscalização
pressupõe a vigilância, a visita, a vistoria (inspecção) e eventuais
procedimentos subsequentes (autuação, medidas cautelares…). Há ilícitos que são
detectados na fase da vigilância e outros que o são apenas na vistoria. Pode
haver acções de fiscalização em que se dispense a vigilância, assumindo
aquelas, neste caso, o cariz de “operação”, visando um alvo ou alvos
específicos, cuja localização se conhece previamente ou se presume. E um
determinado meio (embarcação ou instalação em terra com sensores e/ou
instrumentos ópticos apropriados) pode ainda fazer simplesmente vigilância,
transmitindo eventualmente em tempo real dados relevantes para outro ou outros
meios que lhes possam dar seguimento.
A vigilância, por
si só, nunca é fiscalização. É, em determinadas circunstâncias – se for
discreta e eficaz – um excelente meio auxiliar da fiscalização. Noutras circunstâncias
poderá ser, quando muito, uma presença dissuasora. Noutras ainda poderá ser
altamente contraproducente: quando não é discreta e os potenciais infractores
sabem que o meio avistado é, na prática, o único que actua na zona, é garantia
de transgressão impune em áreas mais afastadas. (Desnecessário referir que
o avistamento de um meio naval ou da Polícia Marítima que seja tomado como
potencial agente de fiscalização é imediata e amplamente difundido).
A tese é ainda abalada pelo
facto de a Marinha não ter os inspetores
previstos na legislação comunitária, os quais, nessa qualidade, não têm poderes
de polícia.
Os inspectores comunitários não têm poderes de polícia ou
execução fora do território
ou das águas comunitárias sob a soberania e jurisdição do seu Estado-Membro de
origem. E têm os mesmos poderes que os inspectores das pescas do
Estado-Membro em que é realizada a inspecção. Abaixo se transcreve um
excerto do Regulamento (CE) N.º 1042/2006 DA COMISSÃO de 7 de Julho de 2006 que foca estes aspectos.
Em Portugal existem os inspectores da Direção-Geral dos
Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, que devem, entre outras coisas:
… …
Participar e
acompanhar, sempre que tal se justifique
ou seja solicitado, nas missões de vigilância, controlo e fiscalização
marítima, aérea e terrestre, no âmbito do controlo da pesca, desenvolvidas por outras entidades competentes [(alínea e) do
Artigo 6.º da Portaria 219-D/2007, de 28
Fevereiro 2007).
Por conseguinte, só nestas circunstâncias estarão
a bordo dos navios da Marinha.
E
têm os seguintes poderes, de acordo com o Decreto-Lei n.º 14/2004, de 13 Janeiro 2004:
Artigo 23.º
Poderes e prerrogativas do pessoal das carreiras de
inspecção de pesca
1 - No exercício da
sua actividade e quando devidamente identificado, o pessoal das carreiras de
inspecção de pesca pode:
a) Exercer o
direito de visita nos termos previstos no regime geral da pesca;
b) Ter livre
acesso a todas e quaisquer embarcações em que se exerçam actividades de
pesca, viaturas, instalações portuárias, lotas, estabelecimentos de
aquicultura, estabelecimentos industriais ou comerciais em que se conservem,
transformem, armazenem ou transaccionem produtos da pesca ou apetrechos para a
actividade da pesca;
… …
e) Solicitar a
identificação de qualquer pessoa que se encontre no local inspeccionado;
… …
i) Solicitar a
colaboração de autoridades policiais, sempre que a mesma se mostre necessária
ao cumprimento da actividade inspectiva.
2 - Quem por
qualquer forma recusar a colaboração devida, dificultar ou se opuser ao
exercício da acção inspectiva e fiscalizadora da DGPA e dos seus inspectores,
incorre em responsabilidade criminal, nos termos da lei.
Existem também os inspectores da Inspecção Regional de Pescas
dos Açores, cujos poderes são (Decreto Regulamentar Regional n.º 4/2015/A, de 20 Fevereiro 2015):
Artigo 36.º
Exercício da atividade
inspetiva
A
IRP, no exercício das suas competências, goza de autonomia e independência
técnica, regendo-se na sua atuação pelo disposto no Decreto-Lei 276/2007,
de 31 de julho [ver 31
Julho 2007],
adaptado à Região nos termos do Decreto Legislativo
Regional 40/2012/A, de 8 de outubro, e
pelas orientações do secretário regional da tutela emitidas nos termos legais.
Veja-se agora o estipulado no Regulamento (CE) N.º 1042/2006 DA
COMISSÃO, de 7 de Julho de 2006:
Artigo 8.º
Poderes e obrigações dos inspectores comunitários
1. No
cumprimento das suas tarefas e sob reserva do n.º 2, os inspectores comunitários têm os mesmos poderes que os inspectores
das pescas do Estado-Membro em que é realizada a inspecção,
nomeadamente no respeitante ao acesso a todas as zonas dos navios de pesca
comunitários e de quaisquer outros navios que exerçam actividades relacionadas
com a política comum da pesca.
2. Os
inspectores comunitários não têm
poderes de polícia ou execução fora
do território ou fora das
águas comunitárias sob a soberania e jurisdição do seu Estado-Membro de origem.
A
legislação comunitária (Regulamentos (CE) N.º 1224/2009
do Conselho, de 20 Novembro 2009
e 2371/2002, de 20 Dezembro 2002)
prevê ainda, para além dos “inspectores
comunitários”, a existência de “agentes”
– sendo que:
“Agente” é “uma pessoa autorizada por uma autoridade nacional, pela Comissão
ou pela Agência Comunitária de Controlo das Pescas para realizar uma inspeção”.
... ...
Se a tese não tivesse sido
esvaziada pela sua própria argumentação, ela era negada pela LSI, que só
confere às forças e serviços de segurança (e não aos militares em serviço nas
Forças Armadas) competência para aplicar medidas de polícia e medidas especiais
de polícia. A ordem de
paragem de uma embarcação e o ato de fiscalização são medidas de polícia.
Já atrás se viu que
a Marinha pode exercer o direito de visita nos termos dos diplomas citados –
que envolve na generalidade dos casos (não em todos) a paragem da embarcação.
Também já se viu o que são “medidas de polícia”, entre as quais não figura
o mandar parar embarcações. Igualmente se viu que as medidas tomadas durante
uma acção de fiscalização não são “medidas de polícia” e estão
inclusivamente na competência dos inspectores de pesca da Direção-Geral dos
Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos – que não são obviamente
polícias.
A menos que haja sido
detetado (sublinha-se, previamente) um ilícito na embarcação, a guarnição de navio da Marinha não tem competência
própria para fiscalizar.
Remete-se para as leis atrás citadas e para o comentário feito
acima sobre o mesmo assunto. Seria um absurdo total se a equipa de visita
tivesse que ser constituída exclusivamente pelo comandante do navio. Ou que não
fosse possível fazê-la. Acresce que o poder político entende que a Marinha
tem competência para fiscalizar, como ressalta claramente deste estudo. O
poder judicial também: quando por duas vezes foi especificamente
questionado sobre o assunto, pronunciou-se nesse sentido; e aceita os processos
iniciados pelos Comandantes dos NRP´s que lhe são remetidos em recurso das
decisões dos Capitães dos Portos (o que
não fariam se entendessem que aqueles Comandantes não tinham competência para
autuar).
Com algum simplismo, pode
dizer-se que um comandante de navio da Marinha tem pouco mais competência do
que o cidadão anónimo perante um flagrante delito - só passa a ter se lhe for
pedido apoio pelas autoridades competentes para tomar medidas de polícia, e sob
a autoridade daquelas.
Sem qualquer simplismo, pode dizer-se um comandante de navio da
Marinha tem exactamente a mesma competência que um cidadão anónimo perante
um flagrante delito.
No entanto, esta figura não se aplica a transgressões,
que constituem praticamente a totalidade dos ilícitos detectados pelas unidades
navais.
Mas atente-se uma outra vez na Lei n.º 34/2006 (Lei do Mar) e no
seu:
Artigo 19.º:
“Procedimento da visita a bordo
1 - Caso se constate a prática
de ilícito [pode, portanto, ser uma
transgressão] durante a visita a bordo [que não é obviamente feita pelo Comandante do Navio,
e muito menos em exclusivo], é levantado auto de notícia relativo às
infracções verificadas, sendo aplicadas as medidas cautelares adequadas,
designadamente a apreensão dos bens e documentos que constituem os meios
de prova, a detenção dos tripulantes infractores e o apresamento
do navio.”
Estes poderes estão, naturalmente, muito acima dos de
um “cidadão anónimo”.
É este o quadro normal num
Estado de direito democrático na segurança interna.
Não é. Numerosos estados de direito democrático têm a sua
fiscalização de pesca feita por navios / pessoal das Forças Armadas: Espanha,
França, Reino Unido, Estados Unidos da América são alguns exemplos – ver Anexos A e B.
Esta situação traz grave
incerteza [?! Tanto quanto sei, nunca foi detectada
semelhante incerteza. Em que se baseia o autor para afirmar isto?] aos militares das Forças
Armadas que servem nas guarnições dos navios da Marinha que se vejam envolvidos
em ações cuja legalidade não é clara [não é clara
salvo para a Marinha, para o poder político e para o poder judicial deste país
e, salvo excepções muitíssimo pontuais, também para a totalidade dos homens do
mar] - quando juraram cumprir e
defender a Constituição e a lei, e representam o Estado de direito democrático
perante o cidadão administrado, neste caso, no mar. São as ações destes
militares que são diretamente avaliadas; eles procuram dar o seu melhor numa
situação que lhes é colocada, a qual exige deles uma grande amplitude de
decisão, sem serem preparados para as vulnerabilidades da fundamentação dessas
ações.
Pelo contrário: são mesmo preparados no pressuposto oposto.
É lamentável que depois da
entrada em vigor do decreto-lei 235/2012, que demarcou com clareza as
fronteiras entre a Marinha e a Autoridade Marítima, haja dirigentes do Estado a insistir em proceder sem ser pela mais
rigorosa e consensual legalidade, ante a passividade da tutela, com
prejuízo para aqueles que estão na "linha da frente" e, sobretudo,
para o Estado, que representa, e que se revela menos do que exemplar perante o
cidadão.
À data deste artigo não havia fronteiras entre a Marinha e a AMN.
De acordo com o Decreto-Lei n.º 235/2012 há fronteiras entre a Armada e a
AMN. Veja-se o que diz este diploma:
“… …
Importa, por isso, reconhecer que atualmente a
Marinha representa uma
moldura institucional com legitimidades heterogéneas e capacidades
multifuncionais, onde se identifica uma componente de ação militar que
constitui o ramo naval das Forças Armadas, histórica e conceptualmente
designado de Armada, e uma componente de ação não militar, fora do propósito
imediato e do âmbito próprio das Forças Armadas, que constitui uma outra
estrutura do Ministério da Defesa Nacional, designada Autoridade Marítima Nacional.
De facto, atualmente, ambas as componentes, militar e não militar, não se confundem, sem prejuízo de se articularem sinergicamente numa lógica funcional de alinhamento e complementaridade entre capacidades e competências, no exercício do emprego operacional no mar, quer da Armada no quadro próprio das missões das Forças Armadas, quer da Autoridade Marítima Nacional no quadro das atribuições do SAM.
De facto, atualmente, ambas as componentes, militar e não militar, não se confundem, sem prejuízo de se articularem sinergicamente numa lógica funcional de alinhamento e complementaridade entre capacidades e competências, no exercício do emprego operacional no mar, quer da Armada no quadro próprio das missões das Forças Armadas, quer da Autoridade Marítima Nacional no quadro das atribuições do SAM.
… ..
Artigo 2.º
Atribuições e competências
1 - A AMN é a entidade responsável
pela coordenação das actividades, de âmbito nacional, a executar pela Armada,
pela Direcção-Geral da Autoridade Marítima (DGAM) e pelo Comando-Geral da
Polícia Marítima (CGPM), nos espaços de jurisdição e no quadro de
atribuições definidas no Sistema de Autoridade Marítima, com observância das
orientações definidas pelo Ministro da Defesa Nacional, que aprova o orçamento
destinado à AMN.”
Para além da Marinha, o poder político,
tal como se disse no comentário ao artigo “Marinha de duplo uso: uma reflexão”
(24 Setembro 2011) entende a fiscalização das nossas águas
como uma missão (militar) de
soberania, distinta da tarefa (civil)
desempenhada pela AMN (DGAM, Departamentos, Capitanias, Polícia Marítima,
etc.). Este documento reflecte, de uma forma ou outra, este conceito. Sugiro
uma vez mais ver, como exemplos as intervenções do deputado José Magalhães (PS)
em 17 Outubro 1997 e Luís Fazenda em
9 Março 2013.
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