Autoridade do Estado no Mar XIV - alguma cronologia comentada de Janeiro de 2010 a Dezembro de 2011

21 Janeiro 2010 – “Avante” – “Os trabalhadores e o povo que paguem – Submarinos e Defesa Nacional”

 

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Portugal tem a 3.ª maior Zona Económica Exclusiva da UE e a 11.ª no mundo tendo apresentado recentemente o seu alargamento para mais 1,2 milhões de km2. Como é óbvio tamanha imensidão necessita de patrulhamento aéreo e naval, a fim de preservar as nossas águas de predadores de outros países o que só pode ser feito através de navios da Marinha, os quais, com mais de quarenta anos e com limitações orçamentais que afectam a sua operacionalidade – como tem sido várias vezes denunciado por profissionais da Marinha – se revelam incapazes de cumprir com eficácia.
O bom senso e a defesa dos interesses nacionais impunham que se apetrechasse a Marinha com os meios necessários e nada foi feito; fizeram ouvidos de mercador.
A menos que se argumente com a construção do NRP “Viana do Castelo” que não vai para os Açores segundo o comandante da Zona Marítima dos Açores, construção essa decidida em 2000 para ser entregue em 2004 e até hoje, nada. Para quem se auto intitula de gestores de rigor...

Outra hipótese é de se estarem nas tintas para a defesa do património nacional, o que bem calhando é o caso; deixaram de patrulhar, ou reduziram a sua área, as águas açorianas (com a argumentação de que há directivas da CEE nesse sentido, o que é falso) e que levou a Federação das Pescas dos Açores a levar o Estado a tribunal pelos prejuízos causados, dando-lhe este razão e exigindo o pagamento de uma indemnização aos pescadores.

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O governo de António Guterres teve a «brilhante» ideia de comprar submarinos,

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É legítima, portanto, a interrogação:
- Submarinos para quê?

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Mas existem outros argumentos que pretendem justificar a colossal despesa tais como: temos uma escola de homens dos subs que não se pode perder; são um meio óptimo de desembarque e recolha de elementos infiltrados, este argumento foi apresentado por alguém que desempenhou os mais altos cargos na instituição militar, e provavelmente viu muitos filmes do James Bond – digo eu; os submarinos são a arma dos pobres (outra de calibre); as vantagens das contrapartidas – ah, as célebres contrapartidas que é onde está o pote do mel – e por último a protecção da Zona Económica Exclusiva.
Nenhum destes argumentos tem ponta por onde se lhe pegue… …

 

http://www.avante.pt/pt/1886/temas/32214/

 

O órgão oficial do PCP vai um pouco mais longe que as intervenções dos seus deputados na Assembleia da República, que não contestavam a aquisição dos submarinos, mas apenas a prioridade que lhe foi atribuída, em detrimento dos patrulhões (para fiscalização das nossas águas, “só pode ser feito através de navios da Marinha”). 

 

26 Janeiro 2010 – “Diário de Notícias” – “Ministério acusado de "má-fé" em processo de vigilância do mar”


O Ministério Público (MP) afecto ao Tribunal Central Administrativo Sul pronunciou-se a favor das associações de pesca açorianas, no processo que as opõe ao Estado por causa da fiscalização dos mares do arquipélago, imputando ao Ministério da Defesa (MDN) "litigância de má-fé" nas alegações que prestou sobre o assunto.
Em causa está a acusação de que o MDN - cujo titular era então Paulo Portas - negligenciou a fiscalização das frotas pesqueiras nas águas da Zona Económica Exclusiva (ZEE) dos Açores, entre as 100 e 200 milhas, de 2002 a 2004.
Em Setembro de 2009, o MDN foi condenado pelo Tribunal Administrativo de Ponta Delgada a indemnizar os profissionais da pesca por não ter assegurado a fiscalização da ZEE, contribuindo assim para a delapidação dos recursos marinhos por frotas exteriores ao arquipélago.
O MDN recorreu da sentença para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS). Mas a decisão do MP afecto a este tribunal de segunda instância foi favorável aos pescadores e à manutenção da sentença inicial.
O MP representa o Estado, mas responsabiliza-o de ter agido com má-fé neste caso. Segundo o magistrado Carlos Monteiro, "é indiscutível que o recorrente deduziu dolosamente oposição cuja ilegalidade não ignorava, fez uso manifestamente reprovável do processo e alterou o sentido da prova e a verdade dos factos, constituindo-se em litigância de má fé (...)".
O MP mostra-se convicto de que o Estado não tem razão neste processo, pelo que o seu recurso não merece provimento: "Perante os factos provados e o direito aplicável (...), a douta sentença recorrida é irrepreensível, pois não era possível decidir de modo diferente, sendo certo que toda a prova está perfeitamente sustentada ao invés do que o recorrente alega."
O caso é insólito porque o MP representa o Estado no TCAS e, ao mostrar-se solidário com as associações de pesca açorianas, está também a dar um sinal de que os juízes dessa segunda instância poderão não dar razão ao MDN.
Considerado como facto provado é que tanto a Marinha como a Força Aérea deixaram de fazer fiscalizações nos mares do arquipélago para além das cem milhas, antes e após a publicação do Regulamento do Conselho Europeu n.º 1954/2003, que abriu parcialmente a ZEE açoriana às frotas de pesca estrangeiras.

http://www.dn.pt/portugal/acores/interior/ministerio-acusado-de-mafe-em-processo-de-vigilancia-do-mar-1478831.html

 

O Ministério Público (MP) afecto ao Tribunal Central Administrativo Sul não levanta quaisquer questões de legalidade no facto de a Marinha e a Força Aérea fazerem fiscalização no mar. Como é evidente, se o MP, considerasse inconstitucional o desempenho destas missões, certamente que não deixaria de a invocar nesta circunstância. 


15 Julho 2010 – AZORESDIGITAL – “Pesca de palangre: CDS-PP defende proibição de arte e cessação de licenças”
Paulo Rosa resumiu dizendo que "as preocupações evidenciadas por estes peticionários são sérias, devem merecer medidas sérias, quer na suspensão das licenças, quer ao nível do esforço de vigilância e fiscalização das embarcações que pescam ao largo do Grupo Ocidental, que é manifestamente deficitária".

Esta fiscalização era feita por embarcações da Polícia Marítima e por navios da Marinha. 

9 Setembro 2010 – CDS-Concelhia Vila Franca de Xira – Submarinos – Factos e argumentos

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4. Razões militares e estratégicas para Portugal ter capacidade submarina
É uma componente vital da Marinha para a defesa naval, para a vigilância, reconhecimento e
interdição dos nossos mares.
Por ser um meio silencioso, furtivo e flexível na utilização, dissimulando a sua presença, garante os requisitos de dissuasão nas missões de recolha de informações.
Nas missões de interesse público os submarinos desempenham um papel muito relevante na luta contra o tráfico de droga, pirataria, imigração ilegal, pesca ilegal, terrorismo, crimes ambientais e outros actos ilícitos.
A incerteza quanto à sua presença permite ser um excelente meio de dissuasão.
É também um excelente e fundamental meio militar no controlo dos espaços marítimos (e em caso de guerra).
É praticamente impensável ter fragatas se não houver um meio de as proteger, ou seja, capacidade submarina. E deixar de ter fragatas seria o mesmo que deixar de ter Marinha (sublinha-se que Portugal tem 5 fragatas cuja protecção depende dos submarinos);
Se Portugal abandonasse a capacidade submarina, seríamos o único país europeu com mar territorial e ZEE a deixar de ter essa capacidade.
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 Este mesmo artigo surge também em 28 de Dezembro de 2010 no sítio do CDS-PP – Mafamude – reflectindo notoriamente a posição do partido sobre o assunto. Sublinha-se o empenho dos submarinos em missões de interesse público.


Julho-Setembro 2010 – “Anais do Clube Militar Naval”, vol. III, pp. 415-447 – “A Marinha de Duplo Uso e a Pós-Modernidade na  Utilização do Poder Marítimo” – Nuno Sardinha Monteiro e António Anjinho Mourinha

1.        INTRODUÇÃO
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Este artigo começa por analisar os desenvolvimentos mais recentes em termos de estratégia marítima, prestando uma atenção particular aos documentos estruturantes da potência atual: EUA. Esses documentos têm reconhecido e defendido o incremento da participação das marinhas no âmbito da segurança marítima, uma função essencialmente não militar. Isso levar-nos-á a apresentar o caso português, em que, por imperativo de racionalidade no emprego dos recursos nacionais e, também, por tradição histórico-cultural, a Marinha assegura, há mais de 2 séculos, funções militares e funções não militares, [segundo J. A. Rodrigues Pereira, já em 1312 existia uma força naval permanente, capaz de defender o território e a navegação nacionais dos piratas mouros. In “Marinha Portuguesa – Nove Séculos de História”, p. 35] dando assim corpo ao conceito de Marinha de Duplo Uso.
Esse conceito será apresentado evidenciando o seu alinhamento com as modernas estratégias marítimas. Finalmente, apresentar-se-ão algumas vantagens e benefícios que o País retira da circunstância de possuir uma Marinha de Duplo Uso, que combina a atuação (ou ação) militar, apanágio das armadas, com a atuação (ou ação) não militar, típica das guardas costeiras.
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1.         TENDÊNCIAS DE APLICAÇÃO DO PODER MARÍTIMO NO INÍCIO DO SÉC. XXI

Na década de 1990, a US Navy publicou dois documentos estruturantes da sua estratégia naval: “… From the sea” (1992) e “Forward … from the sea” (1994), que atualizavam o papel das marinhas numa nova ordem, caracterizada pelo fim da confrontação bipolar e pela crescente conflitualidade regional. Esses documentos enfatizavam a importância da projeção de força sobre terra, particularmente sobre o litoral, o que justificou um estreitar de relações com o US Marine Corps. Por essa razão, os dois documentos estratégicos da série “From the sea” foram produzidos em conjunto pela Marinha e pelos Fuzileiros que, nos EUA, constituem ramos independentes das Forças Armadas.

Entretanto, o ambiente geoestratégico foi-se alterando e a US Navy sentiu necessidade de rever a sua doutrina, num
processo de revisão foi muito influenciado por um conceito surgido em 2005, pela voz do então Comandante da Marinha Americana Almirante Mike Mullen: o conceito da “1000 ship Navy”, ou “Marinha de 1000 navios” na terminologia portuguesa, introduzida em 2005 pelo então Comandante da Marinha Americana Almirante Mike Mullen.
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A expressão “1000 ship Navy” não era portanto para ser entendida em sentido literal, pois não correspondia a uma esquadra real, como a dos “600 ship Navy”, do tempo de Ronald Reagan, que visava, de facto possuir 600 navios. Tratava-se, como Geoffry Till explicou, de uma “fraternidade do mar”.
No que toca à nova estratégia marítima americana, “A Cooperative Strategy for 21st Century Seapower”, ela tem a particularidade
de provir dos 3 departamentos marítimos americanos: a Marinha, a Guarda Costeira e o Corpo de Fuzileiros, fato que aconteceu pela primeira vez. Uma das ideias dominantes deste documento é a de que prevenir as guerras é tão importante como ganhá-las. Outro aspecto importante é o elenco de capacidades que “constituem o núcleo do poder marítimo norte-americano e reflectem uma ênfase nas atividades destinadas a prevenir guerras e a estabelecer parcerias”[8]. Essas capacidades são as seguintes:

· Presença naval;

· Dissuasão estratégica;

· Controlo do mar;

· Projeção de força;

· Segurança marítima;

· Assistência humanitária / resposta a catástrofes.

Realce para o fato de a segurança marítima e a assistência humanitária aparecerem pela primeira vez num documento deste tipo.

No que respeita à segurança marítima, isto mostra a crescente importância da manutenção da lei e da ordem no mar, de forma a mitigar as ameaças aquém da guerra. A estratégia americana refere explicitamente a necessidade de os 3 departamentos marítimos americanos se juntarem “às marinhas e às guardas costeiras de todo o mundo para policiar os «global commons» e suprimir as ameaças comuns”.
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Em termos conceituais, esta nova estratégia marítima é muito inspirada no pensamento de dois estrategistas contemporâneos: o norte-americano Thomas Barnett e o britânico Geoffrey Till, que genericamente defendem a necessidade de incrementar a cooperação para fazer face ao carácter transnacional e à natureza difusa e híbrida de muitas das ameaças atuais. Estas fizeram esbater, de forma inapelável, as fronteiras entre segurança externa e interna, obrigando os Estados a aproximarem e a articularem as suas forças de defesa e de segurança, num ambiente cooperativo, tanto ao nível interno dos Estados, como ao nível externo ou inter-estados.
Geoffrey Till criou mesmo dois conceitos interessantes, que ilustram a maior ou menor propensão das marinhas para empenhamentos cooperativos. Segundo Till, identificam-se atualmente dois modelos de desenvolvimento naval. Um primeiro, que designa como o das marinhas modernas, vocacionado para a competição entre Estados por poder, território, recursos ou supremacia ideológica. Este modelo, que almeja a “batalha decisiva”, tem como grande apóstolo Mahan. E um segundo, que Till designa como o das marinhas pós-modernas, baseado numa abordagem internacionalista, colaborativa e quase coletiva, que visa assegurar a liberdade dos mares através de atuações cooperativas. Pode dizer-se que as marinhas modernas são as vocacionadas apenas para a ação militar e que as marinhas pós-modernas são as que, além da vertente militar, conseguiram evoluir para o empenho colaborativo no âmbito da ação não militar e, em concreto, da imposição da lei nos espaços marítimos. Neste particular, importa acentuar que o paradigma do Duplo Uso, adotado na doutrina estratégica portuguesa, integra a nossa Marinha na pós-modernidade, tal como definida por Geoffrey Till, mostrando, também, a validade universal deste conceito praticado em Portugal.

2.         CONCEITO DA MARINHA DE DUPLO USO

O conceito da Marinha de Duplo Uso está consagrado em lei desde o início do século XIX e, desde então, a legislação nacional tem vindo a reforçá-lo, com o Estado a cometer à Marinha uma atuação militar em paralelo com uma atuação não militar, ligada, sobretudo, à segurança marítima, ao exercício da autoridade pública no mar, à investigação no âmbito das ciências do mar e à promoção e preservação da cultura marítima. Aliás, não obstante a defesa militar ser a missão constitucional primária dos ramos das Forças Armadas, a atuação não militar da Marinha, detalhada em inúmeras leis da República, assume um peso bastante significativo no quadro dos empenhamentos quotidianos do ramo.

O modelo de Duplo Uso está consagrado em lei desde o início do século XIX, quando um Alvará Real, de 15 de Novembro de 1802, determinou que os Patrões-Mores (aquém cabia o exercício das funções de autoridade marítima) fossem propostos e escolhidos entre os oficias da Armada. Desde essa altura, a legislação nacional tem vindo a reforçar esse modelo de Duplo Uso, em que a Marinha desempenha uma actuação militar em paralelo com uma actuação não militar, ligada, sobretudo, à segurança marítima, ao exercício da autoridade pública no mar, à investigação no âmbito das ciências do mar e à promoção e preservação da cultura marítima. Aliás, não obstante a defesa militar ser a missão constitucional primária dos ramos das Forças Armadas, a actuação não militar da Marinha, detalhada em inúmeras leis da República, assume um peso bastante significativo no quadro dos empenhamentos quotidianos do ramo.
O modelo do Duplo Uso  ficou formalmente expresso na recente Lei Orgânica da Marinha [LOMAR 2009 – Decreto-Lei n.º 233/2009, de 15 Setembro 2009], que no Preâmbulo afirma dar “corpo ao paradigma da Marinha de “duplo Uso, materializado numa acção militar e numa acção não militar, privilegiando uma lógica de economia de esforço e de escala, bem como o desenvolvimento de sinergias, por partilha de conhecimento e de recursos”. Encontra-se, também, explanado na documentação estruturante da estratégia naval e, particularmente, num documento de 2005 intitulado “Funções e missões do poder naval nacional”, bem como num conjunto de quatro folhetos doutrinários que a Marinha publicou por ocasião do Dia da Marinha de 2009. Aí se elencam as seguintes funções da Marinha Portuguesa:

· Defesa militar e apoio à política externa;

· Segurança e autoridade do Estado;

· Desenvolvimento económico, científico e cultural.

O modelo de Duplo Uso corresponde, pois, a assegurar, em simultâneo, uma atuação militar, inerente à função de defesa e apoio à política externa, e uma atuação não militar, ligada às funções de segurança e autoridade do Estado no mar e de apoio ao desenvolvimento económico, científico e cultural.

A atuação militar da Marinha está polarizada no Comando Naval, que tem por missão:

· Preparar, aprontar e sustentar as forças e unidades operacionais (designadamente, forças navais, forças de fuzileiros, unidades navais, unidades de fuzileiros e unidades de mergulhadores);

· Exercer o comando operacional de todas as forças e unidades operacionais empenhadas nas missões atribuídas à Marinha.
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Além de assegurar a atuação militar da Marinha, o Comando Naval também tem competências e desempenha tarefas de âmbito não militar, vertente de atuação em que avultam ainda, integrados na Marinha:

· O Serviço de Busca e Salvamento Marítimo;

· A Autoridade Marítima Nacional;

· O Instituto Hidrográfico;

· Os Órgãos de Natureza Cultural.
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Quanto à Autoridade Marítima Nacional, as especificidades da sua inserção na administração pública portuguesa, bem como a complexidade do correspondente quadro legal, justificam maior detalhe na descrição da sua organização, do seu funcionamento e das suas responsabilidades.

De fato, Autoridade Marítima Nacional designa, de acordo com a lei, duas realidades.

Por um lado, é a entidade que constitui o topo hierárquico responsável pela administração e coordenação das atividades a executar pela Direção-Geral da Autoridade Marítima e pelos restantes órgãos da Marinha no quadro do Sistema da Autoridade Marítima, entidade essa que é, por inerência, o Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada. Na qualidade de Autoridade Marítima Nacional, este titular responde diretamente perante o Ministro da Defesa Nacional (principal responsável pela coordenação nacional das entidades e órgãos integrantes do Sistema da Autoridade Marítima). Além disso, o Almirante Autoridade Marítima Nacional tem assento no Conselho Superior de Segurança Interna e está representado no Gabinete Coordenador de Segurança e na Unidade de Coordenação Antiterrorismo, bem como, num âmbito diferente, na Comissão Nacional de Proteção Civil.

Por outro lado, Autoridade Marítima Nacional designa também o conjunto de órgãos e serviços que, integrados na Marinha, exercem o poder de autoridade marítima, que é “o poder público a exercer nos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional, traduzido na execução dos atos do Estado, de procedimentos administrativos e de registo marítimo, que contribuam para a segurança da navegação, bem como no exercício de fiscalização e de polícia, tendentes ao cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis nos espaços marítimos sob jurisdição nacional”. Os órgãos e serviços da Autoridade Marítima Nacional são, ainda, agentes de proteção civil, conforme previsto na respectiva Lei de Bases.

Como conjunto de órgãos e serviços, a Autoridade Marítima Nacional tem como órgão central a Direcção-Geral da Autoridade Marítima e integra na sua estrutura operacional a Polícia Marítima, a única força policial do nosso País especializada nas questões marítimas, actuando como órgão de polícia e de polícia criminal. A Direção-Geral da Autoridade Marítima, por sua vez, compreende cinco Departamentos Marítimos (Norte, Centro, Sul, Açores e Madeira) e 28 Capitanias dos Portos, que são os seus órgãos regionais e locais, integrando ainda o Instituto de Socorros a Náufragos, a Direção de Faróis e a Direção do Combate à Poluição do Mar.

O Diretor-Geral e o Subdirector-Geral da Autoridade Marítima são, respectivamente e por inerência de funções, o Comandante-Geral e o 2.º Comandante-Geral da Polícia Marítima. Concorrentemente, os Chefes dos Departamentos Marítimos e os Capitães dos Portos são, também por inerência, Comandantes Regionais e Locais da Polícia Marítima. A associação assim conseguida entre a autoridade do Capitão do Porto e a estrutura operacional da Polícia Marítima tem como grande vantagem agregar a imposição jurídica da autoridade marítima e a efetiva aplicação da medida determinada. É por isso que ela persiste há cerca de dois séculos, apesar das muitas reformas administrativas entretanto ocorridas.
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4. ALGUMAS VANTAGENS DO PARADIGMA DO DUPLO USO

Este modelo de Duplo Uso, decorrente da estrutura orgânica que foi descrita, proporciona ao País importantes vantagens. Neste artigo, tentaremos, de forma despretensiosa, abordar algumas dessas vantagens, relacionadas sobretudo com a nossa experiência e conhecimento profissionais. Por uma questão de sistematização, dividi-las-emos em:

· Vantagens de âmbito genético; e

· Vantagens de âmbito operacional.
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4.1. Vantagens de âmbito genético

As vantagens de âmbito genético são aquelas que estão ligadas às sinergias conseguidas na edificação de “novos meios em pessoal e material, segundo capacidades diversificadas, integráveis e conjugáveis, essenciais para constituir umas Forças Armadas flexíveis, que realizem operações no momento adequado, sirvam o conceito de ação estratégica (…) e permitam o cumprimento da missão estratégica (…)”. Abordaremos as seguintes vantagens de âmbito genético: (1) sinergias em pessoal e infra-estruturas; (2) sinergias no sistema de forças; (3) sinergias na logística; e (4) sinergias na formação.

4.1.1. Sinergias em pessoal e infra-estruturas

O organograma abaixo
[não incluído] evidencia uma das características-chave do conceito de Duplo Uso: a integração, de forma articulada, de três estruturas orgânicas diferenciadas. A primeira, vocacionada sobretudo para a ação militar, é o Comando Naval. A segunda, ligada principalmente à aplicação e à verificação do cumprimento das leis e dos regulamentos marítimos, é a Direção-Geral da Autoridade Marítima. A terceira, direcionada para a ação policial nos espaços marítimos sob jurisdição nacional, é o Comando-Geral da Polícia Marítima.

Ora acontece, não por acaso, que as chefias regionais das três estruturas referidas são uma e a mesma pessoa, em regime de acumulação de cargos – embora com salário único, frise-se. Além disso, as infra-estruturas dos Comandos de Zona Marítima e dos Departamentos Marítimos são comuns, como aliás consta explicitamente da Lei Orgânica da Marinha. Também ao nível local se verifica uma acumulação do cargo de Capitão do Porto com o cargo de Comandante Local da Polícia Marítima, sendo as respectivas infra-estruturas partilhadas.
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Esta fórmula permite (além de ganhos operacionais) uma economia significativa de custos com pessoal e com infra-estruturas. De fato, quanto mais custaria ao Estado ter estas três estruturas, todas absolutamente necessárias e complementares no apoio ao exercício da autoridade do Estado no mar, completamente separadas?

4.1.2. Sinergias no sistema de forças

Os casos recentes à volta do processo de aquisição dos submarinos, meios navais indiscutivelmente de grande importância estratégica para Portugal, parecem ter despertado a opinião pública e alguns centros de decisão nacionais para uma questão que os estrategistas levantaram, pelo menos desde há um século: as marinhas são caras e difíceis de edificar.

Com efeito, ter uma marinha é caro, mas muito mais caro seria ter duas, e ainda mais caro, incomensuravelmente mais caro, sobretudo para um país marítimo e quase arquipelágico como Portugal, seria não ter nenhuma. Neste contexto, o conceito de Marinha de Duplo Uso permite dar uma resposta cabal às exigências de utilização judiciosa dos recursos existentes (exponenciadas pela actual situação financeira) uma vez que evita a duplicação de meios ao serviço do Estado português.

Não seria matematicamente uma duplicação, mas o número de meios seria muito significativamente aumentado. Ver um dos comentários inseridos em 22 Outubro 2011 – “Diário de Notícias” – “Autoridade do Estado e o Mar”– Jorge Silva Paulo.
 
Importa referir que os navios da Marinha são concebidos, desde início, com o objectivo de potenciar uma utilização dual, possibilitando respostas militares e não militares e alargando, assim, o respectivo leque de opções de emprego. Os Navios de Patrulha Oceânica, que estão a ser construídos em Viana do Castelo, e os novos submarinos são exemplos dessa filosofia. Os primeiros estão primariamente preparados para missões de fiscalização dos espaços marítimos e de busca e salvamento, mas terão a possibilidade de embarcar módulos que lhes alargam significativamente o espectro de atuação, cobrindo não só outros aspectos da atuação não militar, como também a atuação militar (através de módulos de guerra de minas e de operações especiais). Quanto aos novos submarinos, eles proporcionam uma capacidade de dissuasão não igualada no sistema de forças nacional e constituem um contributo essencial para a defesa militar do País e para o apoio à política externa do Estado. Além disso, estão equipados com tecnologia para garantirem a vigilância encoberta dos nossos espaços marítimos, dessa forma contribuindo com capacidades únicas para a segurança e o exercício da autoridade do Estado no mar.

O modelo de Duplo Uso permite, assim, potenciar a polivalência que caracteriza o emprego das unidades navais, evitando dispersões de recursos, ... ...

4.1.3. Sinergias na logística

O modelo de Duplo Uso possibilita, também, sinergias significativas ao nível de toda a atividade logística, nomeadamente na aquisição, na manutenção e no abastecimento. Estas sinergias traduzem-se em economias de escala, sem diminuição na qualidade dos serviços obtidos.

De fato, se o País possuísse uma armada e uma guarda costeira separadas, cada uma delas dotada de meios navais para actuar no mar e das respectivas estruturas administrativo-logísticas, não seria possível a economia de escala nos processos de aquisição, que se consegue ao possuir uma única organização: a Marinha, que actua nas duas qualidades. Além disso, seria necessário, pelo menos ao nível mais baixo, do apoio logístico próximo, duplicar estruturas, designadamente para manutenção e abastecimento.

4.1.4. Sinergias na formação

A formação técnico-profissional dos militares da Marinha, nomeadamente a formação inicial e contínua, compete a um conjunto de escolas e centros de formação que, no seu todo, constituem o Sistema de Formação Profissional da Marinha. Naturalmente, essas escolas e centros preparam os formandos para o desempenho de um leque extremamente alargado de tarefas no mar ou relacionadas com o mar. As sinergias conseguidas ao formar pessoal, que tanto pode desempenhar tarefas no âmbito da acção militar (servindo no setor do Comando Naval, particularmente em unidades combatentes), como no âmbito da acção não militar (servindo no Serviço de Busca e Salvamento Marítimo, na Autoridade Marítima Nacional, no Instituto Hidrográfico, nos Órgãos de Natureza Cultural ou, mesmo, no Comando Naval, em unidades navais vocacionadas para tarefas de busca e salvamento ou de exercício da autoridade do Estado no mar) parecem-nos óbvias.

Neste artigo, aprofundaremos apenas algumas das sinergias conseguidas na formação de militares da Marinha e de pessoal da Polícia Marítima, visto ser um caso singular, no nosso País, de convergência na formação de militares e de polícias, possível pelo fato de ambos actuarem no mesmo ambiente: o mar. Isso permite usufruir de vários pontos de sobreposição em matéria de formação, tendo em conta as necessidades comuns.
Em primeiro lugar, na formação de base como marinheiros e homens do mar. O mar [em muitos aspectos e circunstâncias] não é para amadores, pelo que é fundamental dar, tanto aos militares como aos polícias marítimos, as ferramentas necessárias para poderem desempenhar as suas funções num ambiente marítimo, em segurança e com proficiência. Tanto uns como outros necessitam de aprender a ser marinheiros, a navegar em segurança, a ultrapassar as dificuldades que o mar lhes pode trazer e a reagir sob pressão e em condições difíceis – tudo para que possam ter a serenidade e o à-vontade suficientes para desempenharem bem a sua missão.
Em segundo lugar, no conhecimento das atividades e das realidades marítimas, essencial para que uns e outros possam executar apropriadamente a sua função. Não se pode fiscalizar ou controlar aquilo que não se conhece! Por exemplo, para se poder distinguir uma embarcação em actividades suspeitas, de uma embarcação de pesca em faina normal, tem que se conhecer bem o comportamento dos pesqueiros, quando em faina piscatória. Esta necessidade comum de conhecimentos sobre as actividades marítimas reflecte-se nas sinergias que poderão ser encontradas na formação de quem vai efectuar missões e tarefas no mar.
Em terceiro lugar, tal como os polícias marítimos, também os militares da marinha necessitam de formação de índole policial e legal, não apenas para missões de imposição da lei e de provimento da ordem pública, mas também para missões estritamente militares. O conhecimento do Direito Internacional Marítimo e outra legislação aplicável nos espaços marítimos é tão fundamental aos polícias como aos militares que exercem as suas funções no mar. De facto, hoje em dia, é fundamental que os militares possuam algumas valências em investigação criminal, nomeadamente no âmbito da preservação da prova, que é uma matéria que tem sido identificada como bastante importante nos teatros de operações militares.
Em quarto lugar, existem diversas matérias em comum no quadro da formação em procedimentos operacionais, designadamente técnicas de detecção e identificação de embarcações, procedimentos radiotelefónicos e técnicas de abordagem.

Os aspectos acima discriminados ilustram algumas das sinergias conseguidas com a potenciação das comunalidades na formação de militares e de polícias, um caso cujo sucesso poderia ser analisado e seguido por outros departamentos do Estado, que fazem a sua formação de modo individual.

4.2. Vantagens de âmbito operacional

As vantagens de âmbito operacional são aquelas que estão ligadas aos ganhos conseguidos no “emprego dos meios em pessoal e material, segundo capacidades expedicionárias, jurisdicionais e decisórias, essenciais para constituir umas Forças Armadas eficazes, que realizem operações no momento adequado, sirvam o conceito de acção estratégica (…) e permitam o cumprimento da missão estratégica (…)”.

Abordaremos as seguintes vantagens de âmbito operacional: (1) treino no mar; (2) conhecimento situacional marítimo (em inglês, Maritime Situational Awareness – MSA); (3) cooperação nacional; (4) gradação do uso da força; (5) continua ação do Estado no mar; (6) presença em todos os espaços marítimos nacionais e no alto mare (7) cooperação internacional; (8) cooperação entre civis e militares; e (9) preparação e trino de quadros.

4.2.1. Treino no mar

A componente naval do sistema de forças nacional é constituída por um conjunto de capacidades, que se alicerçam nos meios navais, mas vão muito além do material, propriamente dito. Segundo a doutrina da OTAN, cada capacidade tem que ser composta pelo seguinte conjunto de elementos funcionais: doutrina, organização, treino, material, liderança, pessoal, infra-estruturas e interoperabilidade. E neste quadro, assume particular relevância a necessidade de possuir pessoal devidamente treinado e conhecedor da doutrina aprovada, de forma a poder tirar o máximo partido do material posto à sua disposição. Ou seja, o treino assume um papel central na edificação de uma capacidade. E onde é que uma marinha treina? Essencialmente, no mar, pois se os navios não navegarem com frequência, o pessoal perde perícias e por conseguinte capacidade de intervenção. Dessa forma, é importante que os navios naveguem, pois ter navios sem perícias não serve de muito e pode, até, propiciar a ocorrência de acidentes

Este aspecto é um daqueles em que mais se evidenciam as sinergias conseguidas graças ao Duplo Uso. De facto, quando um navio está numa missão de busca e salvamento marítimo ou está a exercer a autoridade do Estado no mar, está também a elevar os seus padrões de desempenho, o que se refletirá, naturalmente, na atuação militar do navio, orientada quer para a defesa nacional, quer para o apoio à política externa. Da mesma maneira, quando um navio efetua uma missão de índole militar ou de apoio à ação externa do Estado está, também, a incrementar perícias de atuação no mar, que lhe serão extremamente úteis quando tiver que efetuar missões de busca e salvamento ou de exercício da autoridade do Estado no mar.

Isto materializa o conceito de que os navios da Marinha, quando no mar, encontram-se preparados para desempenhar qualquer tipo de tarefa, atuando sempre no respeito pelos princípios da necessidade, da legalidade e da proporcionalidade. Este conceito de emprego corresponde a uma utilização económica e eficiente dos navios, que permite desenvolver importantes sinergias em termos de adestramento no mar.

4.2.2. Conhecimento situacional marítimo

O conhecimento situacional marítimo tem como objetivo proporcionar um panorama de situação detalhado e fiável, através da integração e fusão de informação proveniente de uma multiplicidade de fontes e de sensores. Esse conhecimento do espaço de envolvimento visa facultar superioridade de informação, que permita, entre outras finalidades, identificar e localizar ameaças potenciais permitindo, em tempo, uma adequada tomada de decisão e uma pronta atuação. Pretende-se, pois, promover a detecção de ações ilícitas, através do entendimento profundo de todas as actividades ocorridas no espaço de envolvimento marítimo. O conceito subjacente pode resumir-se no seguinte: só conseguiremos detectar o que é ilícito, se conhecermos profundamente todas as atividades que se desenvolvem lícita e rotineiramente nos espaços marítimos.

Podem identificar-se duas características do modelo de Duplo Uso que contribuem para optimizar o conhecimento situacional marítimo. Por um lado, o fato de o Comandante de cada Zona Marítima ser, também, Chefe do respectivo Departamento Marítimo e, ainda, Comandante Regional da Polícia Marítima permite sinergias na obtenção, gestão, processamento, disseminação e partilha da informação, conferindo ao titular daqueles cargos o conhecimento integrado essencial à tomada de decisão.

Há informação que um Comandante da Polícia Marítima dispõe e não pode divulgar, por estar em segredo de justiça. De qualquer forma, mesmo exceptuando estes casos, há um enorme e extremamente valioso manancial de informação em sua posse que pode ser partilhado no sentido que os autores referem.

As sinergias assim conseguidas traduzem-se em superioridade de decisão, que é um elemento essencial na consolidação de todo o processo decisório relativo ao cumprimento das missões, tanto no âmbito da atuação militar, como no âmbito da atuação não militar.

Por outro lado, o fato de os militares da Marinha trabalharem em unidades navais que efectuam tarefas não militares, no âmbito do Duplo Uso, permite-lhes ganhar um conhecimento importante relativamente às atividades marítimas no seu todo, ao seu “modus operandi” e à legislação que lhes é aplicável. Isso faculta-lhes um melhor conhecimento situacional marítimo, essencial para o desempenho de missões no âmbito da defesa nacional, nas quais é essencial que os comandantes, aos vários níveis, disponham de todos os elementos necessários à tomada de decisão, visando o emprego da força militar.

4.2.3. Cooperação nacional

Os espaços marítimos nacionais ocupam uma área superior a 1,7 milhões de km2, em que o Estado tem os deveres de garantir a segurança, exercer a sua autoridade e assegurar uma presença equilibrada. Naturalmente, nenhum departamento público conseguirá, sozinho, dar resposta aos múltiplos desafios que se colocam no imenso mar português, o que implica uma conjugação de esforços de todos os departamentos competentes para a materialização da ação pública no mar.

Nessa linha, o modelo de Duplo Uso é um conceito inclusivo de aplicação do poder marítimo, em que a Marinha não tem, nem pretende ter, o exclusivo da ação do Estado no mar. Todavia, a amplitude de responsabilidades da Marinha (sem limitações geográficas), a disponibilidade de meios navais oceânicos (capazes de atuar nas zonas mais afastadas da costa) e, ainda, o saber e a experiência, fundados em séculos de operação no mar, facilitam a assunção, por parte da Marinha, de um papel de charneira na articulação dos variados departamentos do Estado com competências nos espaços marítimos. Assim, a Marinha tem adotado uma postura proativa de grande abertura na cooperação inter-departamental, que assenta no espírito colaborativo, na coerência de esforço, no respeito mútuo e na vontade de bem-fazer. Essa cooperação tem-se traduzido, sobretudo, em:

· disponibilização de plataformas da Marinha a outros departamentos do Estado com competências que se exercem no mar (normalmente, com agentes seus embarcados, que garantem, em razão da matéria, a especialização necessária ao serviço em causa), o que permite evitar duplicações desnecessárias de meios; e

· empenhamento coerente de meios nos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional, tendo em vista a sincronização de atividades de patrulha e outras.

A cooperação inter-departamental nacional reforçou-se, recentemente, com a publicação do Decreto Regulamentar n.º 86/07, de 12 de Dezembro, que veio regular a articulação entre autoridades de polícia e demais entidades com competências nos espaços marítimos, tendo criado, para o efeito, o Centro Nacional Coordenador Marítimo. Trata-se de um órgão coordenador da ação no mar, que utiliza as instalações e as facilidades disponíveis no Centro de Operações Marítimas, no Comando Naval, designadamente no que respeita a sistemas de comando, controlo e comunicações. Essa partilha de instalações e de facilidades é mais um exemplo das vantagens conseguidas com o modelo do Duplo Uso.

4.2.4. Gradação do uso da força

O fato de a Marinha possuir meios combatentes, vocacionados para a atuação militar, alarga o espectro de meios disponíveis no âmbito da ação não militar e, em concreto, do exercício da autoridade do Estado no mar, permitindo, se necessário e juridicamente possível, uma gradação do uso da força, respeitando sempre, também, o princípio da proporcionalidade no seu emprego. Assim, perante ameaças de âmbito securitário que requeiram uma intervenção mais musculada ou perante catástrofes cuja resposta exija capacidades mais robustas, a Marinha tem a possibilidade de empregar unidades operacionais vocacionadas para a ação militar, que ofereçam melhores garantias de eficácia. Podem-se elencar dois exemplos desta realidade.

O primeiro respeita às missões de combate ao narcotráfico, efetuadas em cooperação com a Polícia Judiciária (PJ) e que envolvem, normalmente, fragatas com helicóptero e lanchas de assalto rápido, bem como equipas de inserção do Corpo de Fuzileiros.

O segundo exemplo pôde constatar-se no recente aluvião na ilha da Madeira, em que o Chefe do Estado-Maior da Armada, na sua qualidade de Autoridade Marítima Nacional, empenhou, com sucesso provado, unidades operacionais mais vocacionadas para a ação militar (uma fragata com helicóptero embarcado, bem como equipes de fuzileiros e de mergulhadores) em apoio à proteção civil, complementando, assim, os meios destacados na Região ao dispor do Capitão do Porto, que é – ele próprio – agente de proteção civil.

4.2.5.
Continuum da ação do Estado no mar

Os benefícios decorrentes da articulação operacional e da possibilidade de gradação do uso da força permitem tratar o mar como um
continuum no que respeita à intervenção do Estado, desde o domínio público marítimo, em terra, até aos limites de jurisdição ou de responsabilidade de Portugal, podendo projetar-se inclusivamente sobre o alto mar.

Neste
continuum, existem espaços onde o Estado exerce competências diferenciadas e possui obrigações distintas, mas isso não implica uma compartimentação do mar, já que este não tem fronteiras, nem linhas de demarcação. A compartimentação do mar, em zonas onde se privilegiaria a actuação de um ou de outro departamento do Estado, conduziria inevitavelmente a duplicações de estruturas e de meios, normalmente muito dispendiosas.

O reconhecimento da continuidade do mar, para efeitos do exercício da autoridade pública, vai, aliás, ao encontro das normas e disposições da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, nomeadamente de conceitos como o de perseguição contínua.

A perseguição contínua é uma perseguição legítima efetuada por um navio de guerra do Estado costeiro (ou por um meio equiparado) a um navio estrangeiro, na sequência da violação (ou de fundadas suspeitas de violação) de uma lei do Estado perseguidor, numa zona sob sua soberania ou jurisdição: águas interiores, mar territorial, zona contígua, Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e plataforma continental. A razão de ser deste conceito é permitir uma administração efetiva da justiça, motivo pelo qual não seria razoável a perseguição terminar abruptamente no momento em que fosse alcançado o limite exterior das águas sob jurisdição nacional. Naturalmente, uma perseguição contínua apenas poderá ser cabalmente efetuada com meios de elevada capacidade de sustentação no mar, que só a Marinha possui.

4.2.6. Presença em todos os espaços marítimos nacionais e no alto mar

De acordo com a legislação nacional, a segurança interna “desenvolve-se em todo o espaço sujeito aos poderes de jurisdição do Estado Português”. Conforme mostrou Paulo Neves Coelho
[“As unidades navais da fiscalização dos espaços marítimos sob jurisdição nacional – questões de legitimidade” – “Anais do Clube Militar Naval”, Outubro-Dezembro 2000), isso significa que a segurança interna “não se confina à parte emersa do território, mas abrange, de igual modo e conjuntamente, as áreas correspondentes ao mar territorial e à ZEE”, a que podemos acrescentar a plataforma continental, que se estende para além das 200 milhas de distância contadas a partir das linhas de base, estando em curso o processo de fixação dos seus limites [e o reconhecimento dos direitos de Portugal a essa zona].

Perante a necessidade de fazer cumprir a lei nos espaços acima referidos, suscitam-se várias perguntas: Quem tem capacidade de presença nestes espaços? Quem pode exercer a segurança interna e, concretamente, a segurança marítima nestes espaços?

Para o poder político, acções desenvolvidas pela Marinha neste campo são um exercício de soberania e de autoridade do Estado, não se situando no âmbito da segurança interna. Sugiro ver, como exemplos, a intervenção do deputado José Magalhães (PS) em 17 Outubro 1997 e, mais recentemente, em 9 Março 2013, Luís Fazenda (BE).


[Em qualquer ponto desses espaços] Atualmente, apenas a Marinha e a Força Aérea, sendo que esta última tem limitações na capacidade de atuação, decorrentes da dificuldade em manter uma presença sustentada. Logo, poderemos concluir que, [actualmente] sem uma Marinha de Duplo Uso, a capacidade do Estado para exercer a sua autoridade e garantir a segurança em todos os espaços sob jurisdição nacional ficaria seriamente limitada.

Pode referir-se, como exemplo, o caso do navio “Borndiep”, o célebre “barco do aborto”. Em 2004 (altura em que estava acesa, em Portugal, a discussão sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez), esse navio propunha-se atracar num porto português, admitir a bordo cidadãs portuguesas interessadas em efetuar um aborto, conduzi-las fora do mar territorial e aí, fora da alçada da legislação portuguesa, proceder à pretendida interrupção da gravidez. O Estado português, tendo decidido vedar a entrada do navio no mar territorial por fraude à lei e abuso de direito, empregou a corveta “Baptista de Andrade” para exercer a sua autoridade nos espaços marítimos sob soberania nacional. De fato, apenas unidades navais da Marinha garantiam ao Estado português a capacidade para exercer a sua autoridade, independentemente das condições meteo-oceanográficas que se pudessem fazer sentir.

Além dos seus espaços marítimos jurisdicionais, os Estados costeiros também possuem legitimidade para atuar no alto mar, ao abrigo do direito internacional marítimo e de diversos acordos de cooperação internacional. No alto mar, a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar legitima o direito de visita a navios que se dediquem à pirataria ou ao tráfico de escravos, a navios sem nacionalidade e a navios utilizados para efetuar transmissões não autorizadas, mas esse direito de visita só pode ser exercido por navios de guerra. De acordo com a definição contida na referida convenção, considera-se navio de guerra “qualquer navio pertencente às Forças Armadas de um Estado, que ostente sinais exteriores próprios de navios de guerra da sua nacionalidade, sob o comando de um oficial devidamente designado pelo Estado cujo nome figure na correspondente lista de oficiais ou seu equivalente e cuja tripulação esteja submetida às regras da disciplina militar”. Ora não existe, ao serviço do Estado Português, nem se afigura que venha a existir nos próximos tempos, qualquer navio ou embarcação que preencha estes requisitos para além dos navios da Marinha.

A capacidade única de presença sustentada no mar e a legitimidade para atuar à luz do direito internacional levaram o legislador a explicitar, na Lei n.º 34/2006, de 28 de Julho, que “o exercício da autoridade do Estado português nas zonas marítimas sob a sua soberania ou jurisdição e no alto mar (…) compete às entidades, aos serviços e organismos que exercem o poder de autoridade marítima no quadro do Sistema da Autoridade Marítima, à Marinha e à Força Aérea, no âmbito das respectivas competências”.

4.2.7. Cooperação internacional

De acordo com Fernando de Sousa, no seu Dicionário de Relações Internacionais, “cooperar é agir conjuntamente com um parceiro, ou interagir em vista à realização de um fim comum. O sucesso na obtenção deste objetivo depende de determinadas condições que a cooperação implica, tais como um consenso em relação aos fins a atingir, a existência de interesses comuns, a confiança recíproca dos parceiros, a elaboração em comum de um conjunto de regras, um acordo sobre o modo de coordenação das ações e a participação ativa de todos os elementos, entre outras premissas”. Isto significa que cooperar é uma relação biunívoca que implica atender aos interesses próprios e aos do parceiro, procurando prossegui-los numa base de confiança e respeito mútuos.

A Cooperação Portuguesa é regulada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 196/2005, de 22 de Dezembro, que aprovou «Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa». Esse documento aponta, como um dos princípios orientadores, o “reforço da segurança humana, em particular em «Estados frágeis» ou em situações de pós-conflito” e identifica os países africanos de língua oficial portuguesa e Timor-Leste como espaços de intervenção prioritária da cooperação portuguesa.

Neste âmbito, assume papel de relevo a Cooperação Técnico-Militar (que, na prática, tem um carácter essencialmente técnico), como instrumento de ação externa do Estado junto desses países. A coordenação das respectivas atividades está cometida à Direção-Geral de Política de Defesa Nacional do Ministério da Defesa Nacional e a sua concretização compete aos ramos das Forças Armadas (em articulação com a Divisão de Planeamento Estratégico Militar, do Estado-Maior-General das Forças Armadas).

Retomemos então a necessidade de atender aos interesses mútuos, para referir que, nas atividades de Cooperação Técnico-Militar em que a Marinha tem estado envolvida, os países parceiros têm procurado, não tanto a cooperação militar, mas sobretudo apoio e aconselhamento no âmbito alargado dos assuntos do mar, com ênfase em matérias ligadas à segurança e à proteção marítima. De fato, as capacidades navais pretendidas não são capacidades puramente combatentes, mas sim, sobretudo, capacidades mais próximas das de uma guarda costeira, que lhes permitam o exercício da autoridade do Estado nas suas águas, muitas vezes alvo de atividades ilícitas, como a pesca ilegal, entre outras. Desta forma, o conceito de Duplo Uso vocaciona sobremaneira a Marinha para ajudar estes países a edificarem as capacidades marítimas que pretendem e que, de fato, lhes fazem falta.

4.2.8 Cooperação entre civis e militares
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Em Portugal, a Marinha possui uma longa experiência de articulação e de cooperação com inúmeras entidades públicas e privadas, no âmbito das actividades não-militares, em que os seus militares acabam por treinar, no dia a dia, a interacção cooperativa com civis. Esta experiência em operações inter-agências tem ajudado a que, nos teatros de operações onde têm estado presentes militares da Marinha (nomeadamente no Afeganistão e na Somália), a cooperação entre civis e militares venha decorrendo de forma escorreita, serena e profissional.

4.2.9 Preparação e treino de quadros
O facto de a Marinha possuir vários meios navais de pequena dimensão, direccionados sobretudo para a acção não militar (principalmente busca e salvamento marítimo e fiscalização das actividades marítimas), permite dar comandos no mar aos seus oficiais mais modernos. Esta possibilidade proporciona-lhes uma experiência única em termos de preparação e treino, no que respeita à responsabilidade, à liderança, à manobra dos navios, à navegação, às relações de comando, etc., contribuindo para a formação destes oficiais como militares e marinheiros.
A oportunidade de comandar navios tipo lancha ou patrulha, que desempenham essencialmente tarefas não militares, decorrentes do conceito do Duplo Uso, constitui, assim, uma excelente base para o desempenho ulterior de funções em unidades navais de maior tonelagem e sofisticação, como fragatas, naturalmente mais vocacionadas para a acção militar.
Se a Marinha não possuísse a vertente de actuação não militar, as oportunidades de proporcionar comandos de unidades navais a oficiais mais jovens seriam, naturalmente, muito mais escassas.

Independentemente de existir uma Guarda Costeira, a Marinha Portuguesa deveria ter sempre lanchas, lanchas de desembarque, patrulhas e considero que também draga-minas / caça minas. Estes meios seriam do comando de oficiais subalternos, mas o seu número seria sempre bastante mais escasso que o actual.

3.         CONCLUSÃO

A Marinha combina as capacidades operacionais das suas unidades navais e de mergulhadores, complementadas pela componente anfíbia dos seus fuzileiros (com meios de transporte e de desembarque), às capacidades proporcionadas pelo Serviço de Busca e Salvamento Marítimo, pelos órgãos e serviços da Autoridade Marítima Nacional, pelo Instituto Hidrográfico e, ainda, pelos Órgãos de Natureza Cultural, num conceito designado por Marinha de Duplo Uso.

Esta convergência revela potencialidades bastante significativas, quer ao nível das sinergias que é possível encontrar, com as consequentes vantagens económicas, quer no que respeita às vantagens operacionais que permite. O modelo de Duplo Uso revela-se, assim, particularmente adequado ao ambiente estratégico mundial actual, onde as fronteiras entre Defesa Nacional e Segurança Interna se encontram cada vez mais esbatidas e ténues, exigindo cada vez mais cooperação, articulação ou, mesmo, integração entre capacidades militares e policiais, sobretudo quando aplicadas ao
continuum que é o mar.

Não são apenas países da dimensão de Portugal que abordam a utilização do poder marítimo conforme descrevemos. Também nos EUA se sentiu esta necessidade de aprofundamento da cooperação entre departamentos do Estado com responsabilidades afins, como única forma de potenciar os recursos existentes face às crescentes solicitações. A US Navy assumiu este desígnio estratégico, tomando a iniciativa, junto do US Marine Corps e da US Coast Guard, de promover o estabelecimento de políticas concordantes e articuladas, com benefícios mútuos. Esta aproximação pôde ser constatada nas estratégias marítimas da década de 1990, conhecidas como a série “From the sea” e que foram subscritas em conjunto pela Marinha e pelos Fuzileiros, e sobretudo na estratégia marítima mais recente, “A Cooperative Strategy for 21st Century Seapower” (2007). Esta aumentou o leque de missões do poder marítimo americano (passando a incluir a segurança marítima e a assistência humanitária) e alargou, também, o número de subscritores, ao passar a incluir a Guarda Costeira – ambos fatos inéditos.

No caso nacional, importa relevar o fato de a Marinha Portuguesa integrar harmoniosamente – por imperativo de racionalidade no uso dos recursos nacionais e por tradição secular – todas essas valências que, nos EUA, estão dispersas em três departamentos marítimos, agora em aproximação esforçada, mas ainda assim distintos entre si. Representando um caso paradigmático de aliança entre a tradição e a modernidade, a Marinha Portuguesa poderá pois considerar-se como uma das primeiras marinhas pós-modernas, tal como descritas por Geoffrey Till. Este alinhamento com a modernidade, no que concerne à utilização do poder marítimo, significa, no nosso entendimento, que as melhorias e desenvolvimentos que venham a ser possíveis realizar no âmbito da Segurança e Defesa nos espaços marítimos nacionais deverão sempre fundar-se no modelo de Marinha de Duplo Uso, apostando sobretudo no seu refinamento e aprofundamento.
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Dezembro de 2010 – Revista “Negócios Estrangeiros”, n.º 18 – Contributos para um balanço estratégico da comunidade iberamericana: que fazer?

Nuno Rogeiro*
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A força das Marinhas (de “duplo uso”)
Os nossos estados possuem também uma longa tradição de navegação, de marinhas mercantes e de marinhas militares. Na área da defesa, que abrange cada vez mais a segurança humana, alimentar, ambiental, as operações de apoio à paz e de sustentação humanitária, de auxílio e resgate, a posse de unidades suficientes de intervenção é crucial.
A nossa comunidade tem, felizmente, e apesar das naturais restrições orçamentais, grandes frotas militares de mar alto e capacidades apreciáveis, se vistas em proporção, lembrando se, por exemplo, os meios e os programas, de superfície e submersíveis, de Espanha, Brasil, Argentina, Chile e Portugal. Estas marinhas têm cada vez mais, como se diz em jargão militar, “duplo uso”, podendo servir para a defesa dita clássica, mas também para um vasto leque de missões de serviço público. Numa área mais esotérica, digamos assim, o facto de muitos países da nossa comunidade possuírem submarinos relativamente modernos, de fabrico alemão ou francês, dos uma apreciável capacidade de dissuasão, e meios sofisticados de combate a perigos de vária ordem. Diga-se que esta realidade é tanto mais vital, quanto é certo que uma das maiores ameaças à comunidade como um todo, o narcotráfico, cada vez mais recorre a meios navais autónomos, incluindo submersíveis, mini-submarinos e semi-submersíveis, como se viu numa recente apreensão na Guatemala, em Outubro, a 330 quilómetros de Porto Quetzal. A embarcação tinha a bordo 10 toneladas de cocaína. Os submarinos conhecidos, construídos pelos narco-tubarões, possuem casco duplo, podem imergir até 100 metros, são propulsionados por motores a diesel de 350 cavalos, com uma tripulação de 4 elementos. Podem navegar mais de 3 mil quilómetros, e chegam a atingir 30 a 35 metros de comprimento. Sabemos também que os grandes cartéis da droga têm contratado engenheiros navais especializados, que aceitam trabalhar como párias para esta tecnologia criminosa. Estima-se que, entre 2008 e 2009, tenham operado de costas latino-americanas mais de 80 unidades deste tipo, correspondendo a cerca de 32 a 35% do tráfico de cocaína para os EUA. Diga-se ainda que várias destas embarcações foram apreendidas junto às costas de Itália e Espanha.
A ideia de uma “Marinha de Duplo Uso” tornou-se usual nas Armadas do pósGuerra fria, e vazouse, como conceito e realidade, por exemplo, no seminário promovido pelo Estado Maior da Armada de Portugal, em 2007, com programa e conclusões acessíveis em http://www.marinha.pt/PT/noticiaseagenda/informacaoReferencia/cadernosnavais/Documents/Cadernos_Navais_22.pdf. 21 Com os planos em curso, os melhoramentos e reparações, as aquisições e empréstimos,os países iberoamericanos possuirão, em breve, várias dezenas de submarinos de gerações modernas, incluindo os “Scorpéne” e os diversos melhoramentos do “Tipo 209” alemão.
Claro que o combate aos narcosubmarinos não se combate só com submarinos, mas novas gerações de sensores electroacústicos, meios aéreos e redes de informações. Isto só realça a necessidade de crescermos, ou sustentarmos o crescimento, nas áreas defensivas mais sofisticadas, que exprimem a já referida substância do duplo uso, sem concretizarem uma sempre temida corrida aos armamentos, sobretudo potencialmente ofensivos, que alarmaria os cidadãos e perturbaria os vizinhos.
A força de três pontos suplementares
Realcem se ainda, no domínio marítimo, três pontos. Primeiro, do outro lado do oceano atlântico, que banha a costa leste da CIB, ficam países africanos onde se fala português e espanhol. Lembramos Cabo Verde, GuinéBissau, Angola e Guiné Equatorial, para salientar as hipóteses de cooperação de segurança naval com todos estes parentes próximos da nossa comunidade, incluindo a produção e fornecimento de uma classe comum de navios multifunções, interoperáveis e capazes de reforçar mutuamente as marinhas carentes, pela solidariedade de outros membros. Depois, lembramos o esforço de vários dos nossos membros, nos ensaios de expansão da plataforma continental, na lógica plena da Convenção de Montego Bay. Esta expansão implica demonstrações científicas e tecnológicas relevantes, que, onde se pergunta se há corrida às armas ou renovação. E pode ainda perguntarse se existe uma real nova direcção de transformação das forças armadas, de exércitos de ordem pública em actores de defesa externa, e se os programas em curso se adequam a esse objectivo póspretoriano. Uma hipótese seria a expansão da classe “Viana do Castelo” de Navios Patrulha Oceânicos (NPO) da Marinha Portuguesa, de 1.750 toneladas, para uma perspectiva iberoamericana.
… …, o desenvolvimento de disciplinas do saber relevantíssimas, na área da biologia, da oceanografia, da cartografia e geografia, da meteorologia e das tecnologias de ponta de navegação e sinalização, comunicação e balizagem. A seguir, precisaríamos de lembrar as responsabilidades acrescidas de países com largas águas territoriais, ZEE e mares contíguos. Muitos desses deveres traduzemse, por exemplo, nas substanciais áreas de busca e salvamento que temos de patrulhar, e na necessidade possuir os meios aeronavais mínimos para cumprir essa missão de humanidade e segurança, alicerçada em convenção internacional. Lembrese a recente tragédia do voo 447 da Air France, neste Verão, onde se percebeu a extensão da zona de cobertura brasileira, e a vitalidade de uma colaboração luso brasileiraespanholaafricana nesse domínio.
Negócios Estrangeiros . N.º 18 Dezembro de 2010 pp. 5774

Nuno Rogeiro não levanta quaisquer questões de inconstitucionalidade a uma “Marinha de duplo uso” (cuja ideia se tornou “usual nas Armadas do pósGuerra fria”).

30 Dezembro 2010Nota do Gabinete de Imprensa do PCP (Partido Comunista Português) – Sobre a entrega à Marinha do primeiro “Patrulhão
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O PCP reafirma o alto interesse para Portugal em possuir Navios Patrulha. O discurso do mar como potencialidade exige meios nacionais adequados ao exercício da soberania, fiscalização e ao salvamento marítimo. Ao contrário do que é repetido, não são os submarinos o meio adequado a essas missões, mas sim os navios patrulha.

É a posição oficial do PCP: a fiscalização e o salvamento marítimo surgem a par do exercício da soberania nas das nossas águas. Nenhuma inconstitucionalidade o PCP detecta nestas missões. Antes pelo contrário: os patrulhas (“patrulhões”) são de “alto interesse para Portugal”.

12 Março 2011 – Diário da Assembleia da República I Série n.º 63 – Reunião Plenária de 11 Março

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O Sr. Lúcio Ferreira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, no pouco tempo que resta, quer para colocar questões quer para o Governo responder, não posso deixar de trazer também ao debate uma questão que é transversal e tem merecido o acompanhamento por parte do Ministério da Agricultura, a questão da segurança marítima.
Na Comissão, muito recentemente, tivemos oportunidade de visitar os serviços do MRCC (Centro de Coordenação de Busca e Salvamento Marítimo de Lisboa), mais concretamente o COMAR (Centro de Operações Marítimas), e verificámos que os meios disponíveis são francamente satisfatórios e demonstram a preocupação da parte dos vários ministérios envolvidos na segurança e no resgate marítimo relativamente a esta problemática.
E é de referir que nos foi comunicado que havia um êxito de salvamento de 97,9%, com nove navios em permanência contínua, com um plano integrado de busca e salvamento e com vários meios da Força Aérea, da Marinha e da autoridade civil. Trata-se, portanto, de boas notícias, com o que nos devemos regozijar.
Hoje e aqui houve a preocupação de trazer o discurso do bota-abaixo, a que já estamos habituados. E a oposição também primou, em parte, pela ausência, porque não lhes interessa verificar o que de bom se faz neste país,…

Nada se questiona quanto à constitucionalidade desta actividade. Antes pelo contrário, o deputado Lúcio Ferreira regozija-se com notícias que considera boas.

8 Abril 2011 – REGULAMENTO DE EXECUÇÃO (UE) N.º 404/2011 DA COMISSÃO

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CAPÍTULO I
Condução das inspecções

Secção 1
Disposições gerais

Artigo 97.º
Agentes autorizados a realizar inspecções no mar e em terra
1. Os agentes responsáveis pela realização de inspecções, nos termos do artigo 74.º do Regulamento Controlo, são autorizados pelas autoridades competentes dos Estados-Membros. Para o efeito, os Estados-Membros facultam aos seus funcionários um cartão de serviço que indique a sua identidade e qualidade. Cada agente em serviço deve ter consigo o referido cartão de serviço e apresentá-lo durante uma inspecção, na primeira oportunidade.
2. os Estados-Membros conferem os poderes adequados aos seus agentes, consoante necessário, para desempenhar as tarefas de controlo, inspecção e execução em conformidade com o presente regulamento e garantir o cumprimento das regras da Política Comum das Pescas.
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Artigo 99.º
Funções dos agentes durante a fase anterior à inspecção
Durante a fase anterior à inspecção, os agentes recolhem, sempre que possível, todas as informações adequadas, incluindo:
a) Licenças de pesca e autorizações de pesca;
b) Informações do sistema VMS correspondentes à viagem de pesca em curso;
c) Vigilância aérea e outros avistamentos;
d) Anteriores registos de inspecção e informações disponíveis na parte segura do sítio Web do Estado-Membro de pavilhão sobre o navio de pesca da UE em causa.PT 30.4.2011 Jornal Oficial da União Europeia L 112/29.
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Artigo 100.º
Funções dos agentes autorizados a realizar inspecções
1.º os agentes autorizados a realizar inspecções verificam e registam os pontos relevantes definidos no módulo de inspecção adequado do relatório de inspecção apresentado no anexo XXVII. Para esse efeito, podem realizar fotografias, gravações de vídeo e áudio em conformidade com o direito nacional, e, caso se aplique, recolher amostras.
2.º os agentes não devem interferir com o direito de qualquer operador a comunicar com as autoridades competentes do Estado de pavilhão durante as operações de inspecção.
3.º os agentes tomam em conta as informações fornecidas em conformidade com o artigo 95.º , n.º 2, do presente regulamento por qualquer observador de controlo a bordo do navio de pesca sujeito a inspecção.
4. Após conclusão de uma inspecção, os agentes devem, sempre que necessário, informar os operadores sobre os regulamentos de pesca que se aplicam às condições existentes.
5.º os agentes devem abandonar o navio de pesca ou as instalações inspeccionadas o mais depressa possível após a conclusão da inspecção se não for detectada prova de uma infracção aparente.
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Secção 2
Inspecções no mar

Artigo 102.º
Disposições gerais sobre inspecções no mar
1. Todos os navios utilizados para efeitos de controlo, incluindo a vigilância, exibem de forma claramente visível um galhardete ou um símbolo conforme apresentado no anexo XXVIII.
2. os botes de acostagem utilizados para facilitar a transferência de agentes que realizam as inspecções ostentam um pavilhão ou galhardete idêntico, com um tamanho adequado ao tamanho do bote, para indicar que estão envolvidos em tarefas de inspecção da pesca.
3. As pessoas responsáveis pelos navios de inspecção devem ter especial atenção às regras de boas práticas náuticas e manobrar a uma distância segura do navio de pesca, em conformidade com as regras internacionais para prevenção de colisões no mar.

Artigo 103.º
Embarque em navios de pesca no mar
1. os agentes responsáveis pela realização da inspecção garantem que nenhuma acção tomada possa comprometer a segurança do navio de pesca e da sua tripulação.
2. os agentes não devem exigir que o capitão de um navio de pesca em que estão a embarcar ou desembarcar pare ou manobre durante a pesca ou interrompa a largada ou a alagem de artes de pesca. Porém, os agentes podem exigir a interrupção ou o adiamento da largada de artes de pesca para permitir o embarque ou desembarque em condições de segurança até terem embarcado ou desembarcado do navio de pesca. No caso de embarque, este adiamento não deve ser superior a 30 minutos após os agentes terem embarcado no navio de pesca, a não ser que seja detectada uma infracção. Esta disposição não prejudica a possibilidade de os agentes exigirem que a arte seja alada para fins de inspecção.

Artigo 104.º
Actividades a bordo
1. Ao realizar a inspecção, os agentes verificam e registam todos os aspectos pertinentes enumerados no módulo do relatório de inspecção adequado indicado no anexo XXVII do presente regulamento.
2. os agentes podem exigir ao capitão que proceda à alagem de uma arte de pesca para fins de inspecção.
3. As equipas de inspecção são normalmente constituídas por dois agentes. Se for necessário, as equipas de inspecção podem ser complementadas por agentes adicionais.
4. A duração das inspecções não deve ser superior a quatro horas ou até se proceder à alagem e inspecção da rede e das capturas, aplicando-se o período que for mais longo. Esta disposição não é aplicável se for detectada uma infracção aparente ou se os agentes precisarem de informações adicionais.
5. No caso de detecção de uma infracção aparente, podem ser afixadas de forma segura marcas e selos de identificação em qualquer parte das artes de pesca ou do navio de pesca, incluindo nos contentores dos produtos da pesca e no(s) compartimento(s) em que podem estar estivados, podendo o(s) agente(s) permanecer a bordo durante o tempo que for necessário para a aplicação das medidas adequadas para garantir a segurança e a continuidade de todas as provas da infracção aparente.
… …

Artigo 114.º
Obrigações do capitão durante as inspecções
1.º capitão de um navio de pesca que está a ser objecto de uma inspecção ou o seu representante deve:
a) Facultar o embarque seguro e efectivo dos agentes de acordo com as boas práticas náuticas quando é dado o sinal apropriado do Código Internacional dos Sinais ou quando a intenção de embarcar é estabelecida através de comunicação rádio por parte de um navio ou helicóptero que transporta um agente;
b) Disponibilizar uma escada de portaló que cumpra os requisitos do anexo XXIX para facultar um acesso seguro e conveniente a qualquer navio que exija uma subida de 1,5 metros ou mais;
c) Facultar aos agentes a execução das suas tarefas de inspecção, proporcionando a assistência que for solicitada e que seja razoável;
d) Permitir que o(s) agente(s) comuniquem com as autoridades do Estado de pavilhão, do Estado costeiro e do Estado que procede à inspecção;
e) Alertar os agentes para eventuais perigos de segurança específicos a bordo dos navios de pesca;
f) Fornecer aos agentes acesso a todas as áreas do navio, a todas as capturas transformadas ou não transformadas e a todas as artes de pesca, assim como a todas as informações e documentos pertinentes;
g) Garantir um desembarque seguro aos agentes após a conclusão da inspecção.
2.º Os capitães não são obrigados a revelar informações comercialmente sensíveis em canais de rádio abertos.PT L 112/32 Jornal Oficial da União Europeia 30.4.2011
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CAPÍTULO III
Relatório de inspecção

Artigo 115.º
Regras comuns sobre os relatórios de inspecção
1. Sem prejuízo das regras especiais no quadro das organizações regionais de gestão das pescas, os relatórios de inspecção referidos no artigo 76.º do Regulamento Controlo incluem as informações pertinentes contidas no módulo adequado indicado no anexo XXVII. Os relatórios são preenchidos pelos agentes durante a inspecção ou logo que possível após a sua conclusão.
2. Se uma infracção aparente for detectada no decurso de uma inspecção, os elementos jurídicos e materiais, em conjunto com qualquer outra informação pertinente, são incluídos no relatório de inspecção. No caso de serem detectadas várias infracções no decurso de uma inspecção, devem ser registados no relatório de inspecção os elementos pertinentes de cada infracção.
3. No final da inspecção, os agentes comunicam as suas conclusões à pessoa singular responsável pelo navio de pesca, veículo, aeronave, aerodeslizador ou instalações objecto de inspecção (operador). O operador tem a possibilidade de aduzir comentários à inspecção e às suas conclusões. Os comentários do operador são registados no relatório de inspecção. Nos casos em que os agentes não falam a mesma língua do operador sujeito a inspecção, devem tomar as medidas adequadas para que as suas conclusões possam ser compreendidas.
4. Se for necessário, o operador tem o direito de contactar o seu representante ou as autoridades competentes do seu Estado de pavilhão, no caso de surgirem dificuldades graves relativamente à compreensão dos resultados da inspecção e do consequente relatório.
5.º formato para a transmissão electrónica a que se refere o artigo 76.º , n.º 1, do Regulamento Controlo é decidido após consulta entre os Estados-Membros e a Comissão.
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CAPÍTULO V
Inspectores da União Europeia

Artigo 119.º
Notificação dos inspectores da União Europeia
1. os Estados-Membros e a Agência Comunitária de Controlo das Pescas notificam à Comissão por via electrónica, no prazo de três meses após a entrada em vigor do presente regulamento, os nomes dos seus funcionários a incluir na lista de inspectores da União Europeia referida no artigo 79.º do Regulamento Controlo.PT 30.4.2011 Jornal Oficial da União Europeia L 112/33
2.ºs funcionários a incluir na lista devem:
a) Ter uma experiência exaustiva no campo do controlo e inspecção das pescas;
b) Ter um conhecimento aprofundado da legislação da União Europeia no domínio das pescas;
c) Ter elevado conhecimento de uma das línguas oficiais da União Europeia e um conhecimento satisfatório de uma segunda;
d) Preencher as condições de aptidão física requeridas para o exercício das suas funções;
e) Ter recebido, se for caso disso, a formação necessária no respeitante à segurança no mar.
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Artigo 122.º
Poderes e funções dos inspectores da União Europeia
1. No desempenho das suas tarefas, os inspectores da União Europeia cumprem a legislação da União Europeia e, tanto quanto possível, a legislação nacional do Estado-Membro onde a inspecção tem lugar ou, no caso de a inspecção ser realizada fora das águas da União Europeia, do Estado-Membro de pavilhão do navio de pesca inspeccionado, bem como as regras internacionais pertinentes.
2. os inspectores da União Europeia devem apresentar um cartão de serviço que indique a sua identidade e a qualidade em que exercem a sua função. Para este efeito, recebem um documento de identificação emitido pela Comissão ou pela Agência Comunitária de Controlo das Pescas que comprove a sua identidade e qualidade.
3.ºs Estados-Membros facilitam a execução das funções dos inspectores da União Europeia e facultam-lhes a assistência de que necessitem para cumprir as suas tarefas.
4. As autoridades competentes dos Estados-Membros podem permitir que os inspectores da União Europeia assistam os inspectores nacionais na execução das suas funções.
5. As disposições dos artigos 113.º e 114.º do presente regulamento aplicam-se “mutatis mutandis”.
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Primavera 2011 – “Nação e Defesa” – “A Segurança no Mar Português” – Vice-Alm. Victor Lopo Cajarabille

Resumo
A segurança é um bem inestimável para qualquer Estado, mas requer atenção permanente para que sejam tomadas medidas que evitem a sua degradação. No que respeita ao mar, existem determinados elementos específi cos que convém compreender, em benefício do processo de decisão política. Tendo em conta que mais de 90% do comércio mundial depende da regularidade da circulação marítima, podemos imaginar o que sucederia em situações de insegurança relativamente generalizada. São muitas e variadas as ameaças reais e potenciais que afectam o uso do mar em geral e, em particular, as áreas marítimas de especial interesse nacional. A liberdade da navegação, a protecção de recursos e as actividades criminosas no mar exigem instrumentos de força que garantam um grau de segurança adequado. Num quadro de cooperação institucional interna, a Marinha Portuguesa desenvolveu conceitos e organizou-se de forma a assegurar a autoridade do Estado no mar, a par das suas funções de cariz militar, em estreita colaboração com outros agentes nacionais e internacionais. As palavras-chave são economia de recursos e centralização de funções, requerendo-se planeamento e um conjunto de meios razoável para a dimensão das áreas em causa.
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9. Considerações Finais
A segurança no mar português, em termos de espaço estratégico de interesse nacional permanente, deve constituir uma preocupação constante do Estado da mais elevada prioridade. A insegurança, ou o mero sentimento de insegurança, neste caso, teria custos incalculáveis para o país. A variedade e a natureza das ameaças actuais e previsíveis tornam imperioso que a Marinha, como principal instrumento de força, possua continuadamente as capacidades necessárias para que o exercício efectivo da autoridade do Estado no mar não possa ter tendência a ser substituído por outro que ofereça as garantias em falta, vindo do exterior, mesmo que seja sob a capa de organizações internacionais.
Em Portugal, a experiência acumulada de séculos e a estrutura organizativa já muito aperfeiçoada proporcionam condições para se atingir uma boa eficácia, se o sistema for provido dos meios adequados em quantidade e qualidade. Afigura-se indispensável sustentar e aprofundar um conceito de economia de segurança no mar, baseado na Marinha de Duplo Uso, em coordenação com outros agentes com intervenção no mar e que obtenha vantagens da cooperação internacional, para a qual deve constituir também valor acrescentado. Face às disponibilidades do país, a eficiência determina um mínimo de dispersão de recursos e um máximo de agregação de funções. Finalmente, de tudo o que foi dito e do muito que ficou por dizer, vislumbramos mais um conjunto de razões, a juntar a tantas outras, que apontam o mar como elemento central de qualquer conceito estratégico nacional. Faço votos para que a sensibilidade estratégica nos traga bons ventos, rotas seguras e muitas venturas.


21 Junho 2011       – XIX Governo Constitucional – PSD / CDS – 1.º Ministro: Passos Coelho; Ministro da Defesa: Aguiar Branco (30 Out 2015); Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do ordenamento do Território: Assunção Cristas (24 Jun 2013); Ministra da Agricultura e do Mar: Assunção Cristas.

Programa:
Nada refere como missões de interesse público a desempenhar pelas Forças Armadas. Porém, elas continuaram a ser desempenhadas.

 

2 Agosto 2011 – “Diário de Notícias” – “Resiliência organizacional e Marinha de duplo uso” – Jorge Silva Paulo


A Marinha integrou recentemente na sua doutrina o conceito de resiliência, enquanto vector estruturante da expressão da eficiência e da eficácia da Marinha de "duplo uso", e prepara-se proactivamente para enfrentar as reduções orçamentais, sem prejuízo, no cumprimento da sua missão ao serviço dos portugueses.
A Marinha de "duplo uso" consubstancia, na sua essência, o serviço público militar de Defesa, característico de uma armada, e não militar de segurança, típico de uma guarda costeira. Esta lógica multifuncional tem possibilitado à Marinha usufruir de sinergias inerentes às actividades logísticas, organizacionais e operacionais, desenvolvidas numa simbiose sustentável de economia de escala. Por outras palavras, se o País possuísse uma armada e uma guarda costeira, separadas e com meios próprios, haveria seguramente um aumento exponencial da despesa pública, sem qualquer benefício de defesa ou segurança para os cidadãos.
Aplicado às organizações, o conceito de resiliência emerge num contexto relacionado com situações críticas de ameaça à segurança e à respectiva competitividade. Neste sentido, a resiliência traduz-se "na capacidade de uma organização manter ou restabelecer níveis de funcionamento aceitáveis, apesar das perturbações ou dos choques que possam ocorrer" (Robert, 2010).
Tendo presente esta definição, a resiliência organizacional na Marinha está associada a níveis desempenho:
- Um alto nível de desempenho: associado à capacidade de a Marinha assegurar o cumprimento eficaz e eficiente das tarefas e missões atribuídas, apesar das circunstâncias adversas;
- Um baixo nível de desempenho: associado à degradação dessas tarefas, por falta de recursos materiais/humanos, cujas consequências negativas recairão sobre a segurança, a saúde e o bem-estar económico e social das populações.
Em tempos de grave crise financeira do País, a adopção do conceito de resiliência, mais do que uma visão ou uma aspiração de futuro, é uma abordagem desafiante e de vanguarda, que permitirá a esta organização militar enfrentar, com grande esforço, mas também com optimismo, transparência e de forma proactiva, as adversidades decorrentes das restrições orçamentais.
Todavia, é indispensável que o Governo use com discernimento o princípio de precaução nos cortes orçamentais, para evitar ser responsável pela degradação do “output” da Marinha [de “duplo uso”, como o autor refere], relegando a segurança da população para uma zona periférica.
Por enquanto, a questão que se levanta é a seguinte: será a Marinha suficientemente resiliente ao ponto de absorver o choque orçamental, sem consequências sobre a população?


24 Setembro 2011 – “Diário de Notícias” – “Marinha de duplo uso: uma reflexão” – Jorge Silva Paulo

Bens e tecnologias de “duplo uso" são aqueles que podem ser usados em aplicações civis e militares. Parece análogo à expressão "Marinha de duplo uso". E a ideia original também: aproveitar bens concebidos com uma finalidade para aplicações em ambas.
Mas no direito e no comércio internacionais de armamento, onde nasceu o conceito, trata-se de aplicar bens e tecnologias declarados para fins civis em armas - para explorar economias de escala pelos fabricantes, ou por Estados legalmente proibidos de aceder a bens e tecnologias para fins militares e que contornam as proibições, importando disfarçadamente bens e tecnologias de duplo uso para fabricar armas.

“Duplo uso” é uma expressão vulgar, aplicável a uma infinidade de situações correntes e terá sido aplicada também a esta situação].

Na "Marinha de duplo uso", a ideia é contrária: aplicar legitimamente em fins civis meios concebidos para operações militares - o que o ramo faz há séculos. A reputação dos bens de duplo uso é oposta à que a Marinha visa com o seu "duplo uso".

Sugiro uma busca neste documento por “duplo uso”. A primeira entrada reporta-se a 1984 e ao deputado da UEDS César de Oliveira, que lhe dá a pitoresca designação de “matar dois coelhos de uma cajadada”.

Mesmo que o "duplo uso" tivesse sentido inverso - a Marinha submetida à estratégia da Autoridade Marítima (AM) -, acharia infeliz a expressão.
A "Marinha de duplo uso" também não consta da lei, apesar de a expressão surgir no preâmbulo da Lei Orgânica da Marinha (LOMAR) e em textos do ramo. Conclui-se que o legislador não dá à "Marinha de duplo uso" mais do que um valor comunicacional, senão definia-o nalguma norma jurídica.

Na realidade não parece necessário definir em lei um conceito tão evidente. Já o Decreto-Lei n.º 52/85 (ver 1 Março 1985) estabelecia no seu art.º 12.º, n.º 2: O Ministério da Defesa Nacional, tendo em conta os imperativos da defesa nacional e a disponibilidade dos meios existentes, garantirá os meios militares necessários à vigilância e à fiscalização das actividades de pesca, de acordo com as políticas estabelecidas pelo Ministério do Mar”. Será fastidioso enumerar toda a legislação subsequente (e presente neste documento) que segue este princípio.

A Constituição separa as funções de segurança externa - atribuídas às Forças Armadas - das de segurança interna - atribuídas às Polícias. A actual acumulação de cargos dos comandantes regionais da Polícia Marítima com os de comandantes das Zonas Marítimas e a primazia da competência disciplinar estar no Comandante Naval [?!] dá poder à estrutura militar sobre uma estrutura policial, o que parece ferir a Constituição.

O Comandante Naval não tem competência disciplinar sobre Chefes de Departamento Marítimo, Capitães de Porto ou elementos da Polícia Marítima.

Não basta ter capacidades; é necessária base legal para as usar, que os polícias usualmente têm e os militares usualmente não têm. Sem ela, os cidadãos visados podem recorrer aos tribunais por violações dos seus direitos e obterem indemnizações e sanções para o Estado, com perdas materiais e de prestígio doméstica e internacionalmente.

Tanto quanto se sabe, as duas vezes que isto se tentou não teve acolhimento – ver 29 Setembro 2009. E os Tribunais aceitam e julgam processos originados por autos levantados por Comandantes de Unidades navais, e a eles remetidos em recurso de decisões dos Capitães dos Portos – o que não fariam se não reconhecessem competência aos primeiros para autuar.

Havendo vontade política de separar a Marinha e a AM, admito que o ramo veja aí uma ameaça. Uma forma de a combater será persuadindo o público e os políticos de que sairá mais barato a Portugal que a Marinha continue a incorporar e a dominar a AM.

Mês e meio atrás – ver 2 Agosto 2011 – “Diário de Notícias” – “Resiliência organizacional e Marinha de duplo uso” – o autor dizia sobre o mesmo assunto: se o País possuísse uma armada e uma guarda costeira, separadas e com meios próprios, haveria seguramente um aumento exponencial da despesa pública, sem qualquer benefício de defesa ou segurança para os cidadãos.

 

A existir, considero esta linha de acção ilegítima: há um consumo de recursos (verbas e pessoal) para contrariar intenções ou orientações superiores, o que põe em causa a subordinação das Forças Armadas ao poder político; esses recursos podem ser atribuídos a outras actividades, sobretudo em época de restrições.

 

O artigo 275.º da Constituição parece claro. Porém, o seu mais que provável autor – Prof. Freitas do Amaral – afirma não ser nada líquido” e até “ porventura, muito inconveniente que se entendesse que pura e simplesmente, a revisão constitucional proibiu isso tudo e impõe ao Estado português que vá agora, de repente, apetrechar a PSP e a GNR ou um novo corpo de polícia que para o efeito venha a ser criado, com meios navais e aéreos poderosos para desempenhar todas essas funções de fiscalização”. – ver 25 Novembro 1982. Este conceito foi acolhido de um modo geral nos partidos, Governos,  Assembleia da República e Presidência da República, entendendo-se a fiscalização das nossas águas como uma missão (militar) de soberania, distinta da tarefa (civil) desempenhada pela AMN (DGAM, Departamentos, Capitanias, Polícia Marítima). Este estudo, no que toca a intervenções dos políticos, reflecte, de uma forma ou outra, este conceito. Sugiro ver, como exemplos, a intervenção do deputado José Magalhães (PS) em 17 Outubro 1997 e, mais recentemente, em 9 Março 2013, Luís Fazenda (BE).


E há quem aponte a dualidade da Marinha: quando o principal chefe militar [CEMGFA? Presidente da República?] quer exercer a sua autoridade sobre a Marinha, esta afirma a autonomia da AM e até actua através dela (como no aluvião da Madeira); quando essa autoridade não está em causa, a Marinha trata a AM como um seu serviço. Não se entende o que o autor pretende dizer.
Está por demonstrar que há poupanças para o Estado em combinar a Marinha e a AM.

Também falta demonstrar o inverso. Era exactamente isso que se esperaria de quem questiona o modelo de facto em vigor. E veja-se uma vez mais o que autor disse sobre o assunto em 2 Agosto 2011, e já transcrito acima.

Falta contabilidade analítica para saber como se gastam os recursos que o Governo põe à disposição da Marinha. Mas, a haver, a Marinha devia depender da AM e não o inverso.

A haver contabilidade analítica a Marinha devia depender da AM?! A frase, interpretando “devia depender” como “tinha a obrigação de depender” seria absurda. A Marinha é um ramo das Forças Armadas, cuja missão constitucional é a defesa militar da República. Como poderia então depender de uma Autoridade Marítima?
Será que o autor pretendia dizer que, se houvesse uma contabilidade de custos, se verificaria que a Marinha sustentava, pelo menos em parte, a sua actividade relativa à defesa militar da República e a outras actividades que não da AMN, a expensas desta? Vejamos: no universo da Marinha, quem, em exclusivo ou na maior parte da sua actividade, se encontra afecto à AMN serão basicamente a DGAM (órgão central), os Departamentos Marítimos, as Capitanias, as Delegações Marítimas, a Polícia Marítima, o SBSM, a Direcção de Faróis e, no que concerne a unidades navais, as LFP’s e os patrulhas. Face à exiguidade de verbas atribuídas (que em 2011 se estava a acentuar), não parece que fosse de algum modo possível desviar verbas da sua já reduzida acção para custear as despesas de fragatas, submarinos, Fuzileiros, serviços de saúde, Escolas, Comandos operacionais, etc., etc., etc.

Tudo seria mais simples se a Marinha, ultrapassando a visão de que só o é se estiver centrada em meios navais oceânicos, e uma vez satisfeitos os compromissos externos com a NATO, subordinasse as suas orientações à AM - porque parece ser disso que o País mais precisa agora.

A Marinha não está centrada em meios oceânicos, dos quais obviamente precisa, não só para as missões NATO mas principalmente porque o país está repartido por Continente e ilhas oceânicas afastadas. E também precisa deles para o Serviço de Busca e Salvamento Marítimo e para fiscalizar a ZEE. O “duplo uso” pressupõe o aproveitamento racional dos meios que o Estado afecta à Marinha, numa perspectiva de aproveitamento de alguma da sua disponibilidade – e não o contrário. A sua missão primária é a defesa militar da República (não especificamente da NATO) e as suas orientações, vindas do poder político legítimo, só podem ir nesse sentido. Apesar disto, é forçoso reconhecer que a Marinha afecta uma significativa parte dos seus recursos a actividades relacionadas com a Autoridade Marítima. 

NOTA FINAL: lê-se este artigo e custa a acreditar que o autor – Jorge Silva Paulo – seja o mesmo do artigo “Resiliência organizacional e Marinha de duplo uso”, publicado no mesmo jornal cerca de mês e meio atrás. Ver 2 Agosto 2011. No artigo ora publicado, o autor, mais que uma “reflexão” faz uma verdadeira “inflexão”.

14 Outubro 2011 – “Diário de Notícias” – Marinha faz proposta que esquece a Constituição” – Manuel Carlos Freire

NOTA: As opiniões de Manuel Carlos Freire publicadas no “Diário de Notícias” coincidem, no essencial, com as expendidas por Jorge Silva Paulo em artigos do mesmo jornal. Uma vez que se irão comentar estas últimas, far-se-á apenas, e eventualmente, um ou outro comentário nos artigos do primeiro. A ausência de comentários mais alargados não significa, portanto, que se concorde com o que está escrito.

Estudo para racionalizar estruturas de Autoridade do Estado no Mar coloca ramo militar no centro da solução, sem ter autoridade sobre as entidades com competência marítima.

A Marinha propõe concentrar na Defesa as funções de Autoridade do Estado no Mar, permitindo poupar cerca de 13,5 milhões de euros anuais ao Estado, soube ontem o DN. Porém, parece existir um problema legal na solução para eliminar a duplicação de estruturas no mar: a Marinha (ramo das Forças Armadas) indica-se a si própria como a entidade responsável - em vez da Autoridade Marítima Nacional (AMN).
… …
Não foi possível aceder ao resto do artigo, pelo que não se comenta.

22 Outubro 2011 – “Diário de Notícias” – “Autoridade do Estado e o Mar”– Jorge Silva Paulo

Está em curso uma competição entre a Marinha e a GNR pelos poderes de Autoridade do Estado no Mar.

Quando muito, “alguns” poderes e no mar territorial.

Para a Marinha, este poder é vital para sustentar a sua autonomia [?!] face ao mais graduado chefe militar [CMGFA, General piloto-aviador Luís Araújo], usando a Autoridade Marítima (AM), a qual submete [?!] à estratégia militar-naval com o "duplo uso", invocando economias de escala e sinergias (possíveis, mas por provar com números credíveis), e negando a oficiais com mais formação de base em direito administrativo (de administração naval) que possam ser capitães de porto.

A redacção é demasiado confusa e mistura assuntos, desde alegados expedientes para a Marinha se autonomizar face ao CEMGFA, passando pelo “duplo uso” e acabando na impossibilidade de os oficiais de Administração Naval chegarem a Capitães do Porto. Julga-se, que o autor pretendia dizer que a Marinha perderia drasticamente “peso institucional”, designadamente na sua relação com o CMGFA, se sofresse uma amputação de poderes de autoridade do Estado no mar. Em primeiro lugar, face ao Direito Internacional, a Marinha nunca iria perder de todo o poder de Autoridade do Estado no mar. Em segundo lugar, a GNR só tem competências no mar territorial e, em questões fiscais e aduaneiras, na zona contígua. Para se constituir em autoridade marítima teria que alargar as suas competências também à ZEE e à plataforma continental. Para isso precisaria de meios oceânicos. Ou seja, seria necessário instituir em Portugal uma verdadeira Guarda Costeira. Não se está a ver, de modo algum, ela nascer e funcionar sob a égide da GNR. 
Em todo o caso, com amputação da autoridade marítima ou sem ela, não se vê em que medida isso tenha alguma coisa a ver com uma “autonomia” da Marinha face a quem quer que seja. Maior ou menor “peso” institucional é uma coisa. “Autonomia” é outra.

“Duplo uso” e números credíveis.
Presume-se que o autor se insurge contra o que a Marinha entende – e pratica – como sendo um “duplo uso”, ou seja, a utilização de parte dos seus recursos, ou da disponibilidade dos seus recursos, em missões de Autoridade Marítima e de busca e salvamento no mar. 
A não haver este “duplo uso”, todas as unidades navais, por exemplo, estariam empenhadas em exclusivo na defesa militar da República e teria que haver em Portugal uma Guarda Costeira (qualquer que fosse o nome que se lhe desse). A Marinha de um país com parcelas insulares importantes e afastadas, tem que ter fragatas e submarinos, mas também corvetas, patrulhas, lanchas e, no meu entender, também draga-minas / caça-minas (para além de navios auxiliares diversos).
 A Guarda Costeira de um país com uma ZEE que se estende até 200 milhas de costa, pretensões a ampliação da sua jurisdição sobre uma plataforma continental alargada e responsabilidades de busca e salvamento em espaços ainda mais ainda mais afastadas, para além de meios costeiros (uns ligeiros e outros já de algum porte – o equivalente a lanchas e patrulhas) tem que ter também meios oceânicos.
Tomemos como exemplo os Açores, onde só há presentemente uma corveta (mas deveriam existir duas, como antes da “crise de meios” acontecia) – exercendo soberania, fiscalizando e assegurando o serviço SAR. Estando fora de questão, do meu ponto de vista, deixar de haver meios da Marinha de Guerra no local (ainda mais se Portugal levar efectivamente por diante o seu projecto de extensão da plataforma continental), teria que haver nessa Região Autónoma também dois meios oceânicos da Guarda Costeira. Assim sendo, e assumindo que nessas circunstâncias um meio oceânico da Marinha de Guerra seria então suficiente, passa-se de duas corvetas (é o mínimo aceitável que, como se disse, presentemente não se cumpre, com claro prejuízo da missão) para um dispositivo de uma corveta ou um patrulhão (pouco aproveitados) mais dois meios oceânicos da Guarda Costeira.
E este raciocínio aplica-se, com as necessárias adaptações, ao Continente e à Madeira.
A solução Marinha de Guerra + Guarda Costeira acarreta um inevitável aumento de meios operacionais e de pessoal (não seria uma duplicação, mas apesar de tudo, seria um aumento muito significativo). E também de infraestruturas (cais de atracação, edifícios de comando e de apoio, oficinas, etc.). Não vejo qualquer hipótese de cedência de meios actualmente operados pela Marinha a uma Guarda Costeira (ou porque estão demasiado velhos, ou porque fazem falta). Alguma futura (e pequena) retracção da Marinha não compensaria de modo algum o aumento que seria necessário para se edificar uma Guarda Costeira.
As “contas” exactas só se poderão fazer definindo os efectivos necessários em navios, em pessoal e em tudo o mais que seria necessário para o funcionamento de ambas. Mas serão grandes. Aliás o próprio Silva Paulo o reconheceu há escassos dois meses e meio no artigo do DN “Resiliência organizacional e Marinha de duplo uso” (ver 2 Agosto 2011):
… se o País possuísse uma armada e uma guarda costeira, separadas e com meios próprios, haveria seguramente um aumento exponencial da despesa pública, sem qualquer benefício de defesa ou segurança para os cidadãos.
Refira-se que Silva Paulo é co-autor de artigos publicados sobre o custo do ciclo de vida de lanchas rápidas e de patrulhões – ver Julho-Setembro 2002 e Outubro-Dezembro 2006.

Veja-se também, a título de exemplo, a intervenção de José Niza (PS) na Assembleia da República em 23 Maio 1996.
O Sr. José Niza (PS): … … E, Sr. Primeiro-Ministro, há, fundamentalmente, uma questão que me parece que o Governo deverá assumir, que é o controle da fiscalização daquilo que se passa no mar, do movimento dos barcos e dos navios e do seguimento desse movimento.
Ora, isto pressupõe, digamos, um envolvimento da Força Aérea e da Marinha, porque, se não for assim, alguém terá de fazer esse serviço, e trata-se de um serviço caríssimo.

A intervenção do Almirante Medeiros Alves no seminário “Uma Marinha de Duplo uso” (ver 13/14 Março 2007) vai no mesmo sentido:
O vértice institucional comum, que é precisamente o Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada e Autoridade Marítima Nacional, dá a garantia necessária ao exercício integrado, e uniforme, de competências normalmente exercidas por modelos de Guarda Costeira – ao qual, em Portugal, acrescem competências de repartição marítima e de conservatória de registo patrimonial – garantindo-se, assim, um modelo de funcionamento que para o Estado, por ano, representa um valor da ordem dos €50 milhões/ano (sendo o custo para o Estado apenas de 37 milhões, face a um quadro jurídico de receitas próprias), verba que - certamente - atingiria montantes acentuadamente mais elevados se um tal quadro orgânico fosse desagregado e desinserido da Marinha (e do seu modelo de funcionamento) e recriado noutra tutela, com outro figurino de carreiras e de prestação funcional, sem o suporte estrutural, genético e operacional da Marinha existente na situação actual.

Segundo o Vice-Almirante Silva Ribeiro, na sua intervenção por ocasião da 4.ª Conferência da ASPPM (ver 16 Junho 2016), a criação de uma Guarda Costeira de raiz, totalmente independente da Marinha, custaria ao país mais várias centenas de efectivos e quase 20 000 000 €/ano:

“...A não ser que, muito inesperadamente, houvesse uma qualquer decisão política que entendesse reforçar a AMN com mais várias centenas de efectivos e poder despender mais quase duas dezenas de milhões de euros/ano para recriar, e manter, capacidades, estruturas, equipamentos e recursos num outro formato qualquer. ...”

Caberá a quem duvida da bondade da solução actual “provar com números credíveis” a solução que preconiza, não o contrário.

A GNR, sem experiência no mar, teme deixar o mar territorial [obviamente], espaço onde conseguiu penetrar há pouco, preenchendo uma lacuna na sua ubíqua rede de informações nacional, que oferece ascendentes e poder. Discretamente, a presença da GNR no mar permite ao Exército também lá estar presente, pois são oficiais do Exército que comandam e formam o pessoal da GNR.

Surpreenderá não haver autoridades ambientais e regionais nesta competição. Isso deve-se em boa parte à usualmente fácil e eficaz relação entre as autoridades ambientais (e regionais) e os capitães de porto; e à impressão de que não há um problema sério de poluição no nosso mar. A poluição do mar é cada vez menos devida a impressionantes acidentes, e mais a fontes em terra e descargas de resíduos de navios. Passam centenas por dia nas nossas costas e os satélites CleanSeaNet (ao serviço da UE) detectam muitas manchas poluentes por hidrocarbonetos, que se dispersam e não dão à costa; ninguém vê, logo não há problema... O combate à poluição do mar é uma atribuição da AM, mas é um domínio em que a GNR nunca tentou competir (porquê?). E não é uma alta prioridade para a Marinha, como a fraca vigilância da costa e a baixa taxa de validação de alertas do CleanSeaNet revelam - em contraste com a muito alta taxa nas águas de Espanha, onde a vigilância aérea e de superfície é apertada. Claro que usar meios aéreos para seguir manchas e poluidores é caro e mais caro do que usar navios (a cooperação, neste âmbito, entre a Marinha e a Força Aérea já foi melhor), mas a necessidade dos aéreos cresce com a rarefacção de navios em patrulha.

O combate à poluição é uma atribuição da AM. À data deste artigo, a vigilância e fiscalização competiam à Marinha (incluindo a AMN) e à GNR.
Não estou a ver a GNR, que é uma força policial, a querer equipar-se com meios para o combate à poluição (tal como existem na Direcção do Combate à Poluição no Mar, da AMN). Nem faz parte da sua missão. Quanto a vigilância e fiscalização, a GNR deve fazê-las dentro da sua área de acção, que são as águas interiores e o mar territorial. Para as fazer mais longe teria que se equipar com meios oceânicos, e duvido muito que esteja interessada nisso.
Passo por cima da expressão “tentou competir”, que pressupõe um serviço em simultâneo e em concorrência com o existente. Mais duplicações? Presume-se que o autor queria dizer “mas é um domínio que a GNR nunca tentou reivindicar”. Será assim?

E não é uma alta prioridade para a Marinha, como a fraca vigilância da costa e a baixa taxa de validação de alertas do CleanSeaNet revelam - em contraste com a muito alta taxa nas águas de Espanha, onde a vigilância aérea e de superfície é apertada. Claro que usar meios aéreos para seguir manchas e poluidores é caro e mais caro do que usar navios (a cooperação, neste âmbito, entre a Marinha e a Força Aérea já foi melhor), mas a necessidade dos aéreos cresce com a rarefacção de navios em patrulha.
Esta questão de Estado está reduzida [?!] a uma competição entre "quintas públicas", por dotações e poder.

É uma opinião, que me parece, ela sim, simplista, redutora, algo ofensiva e desfasada da realidade.

É quase universal a procura do aumento de recursos (pessoal e dotações) nos organismos dos estados; na GNR, somar-se-á o aumento da rede de informações. [??] Reduzir factores de poder é uma ameaça. E, pior, são as vozes que visem superar esta competição e impor uma visão global e independente, acima dos interesses sectoriais - pior do que a alternância, para os competidores, é acabar com ela e submetê-los a uma lógica superior.
Esta competição entre a Marinha e a GNR (e o Exército) é cara e disfuncional e revela que os governos têm ignorado o mar; espero que o actual acabe com esta competição e atribua, por direito e economia, o exercício da Autoridade do Estado no Mar só à AM, com meios próprios [já atrás se comentou uma eventual Guarda Costeira que, mesmo assim, desempenharia as suas missões sem prejuízo das competências da PJ, ASAE, SEF, etc., e das que são conferidas à  Marinha pelo Direito Internacional Marítimo], ou com meios militares e policiais, coordenados pela AM.

1.1.1.1.1.1.1.                       Numa operação em que Marinha apoie outra entidade competente, por exemplo a PJ numa operação relacionada com droga, não se vê qualquer vantagem, antes pelo contrário, numa coordenação da AM. Seria apenas um intermediário, desfasado de qualquer dos intervenientes.
1.1.1.1.1.1.2.                        

Esta tem de ser dirigida e operada por profissionais, a todos os níveis, com boa formação em direito e grande sensibilidade para questões de economia e ambiente [e pescas e segurança no mar e fiscalização e assuntos do mar em geral...], para valorizar Portugal. Com a actual fragmentação e competição institucionais, e a fraca vigilância no mar, Portugal está vulnerável à criação de uma Guarda Costeira Europeia e a ver as suas águas patrulhadas por meios que podem ter bandeira europeia, mas cuja guarnição provavelmente falará espanhol.


29 Dezembro 2011 – Decreto-Lei n.º 122/2011 – Lei Orgânica do MDN. Revoga o Decreto-Lei n.º 154-A/2009. Foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 183/2014 de 29 Dezembro 2014.

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Artigo 7.º
Outras estruturas
1 — No âmbito do MDN funcionam ainda:
... ...
c) A Autoridade Marítima Nacional;
d) A Autoridade Aeronáutica Nacional, nos termos a definir em legislação própria.
2 — Compete ao Ministro da Defesa Nacional:
a) Dirigir o Sistema Nacional para a Busca e Salvamento Marítimo e o Sistema Nacional para a Busca e Salvamento Aéreo;
b) Presidir ao Conselho Coordenador Nacional do Sistema de Autoridade Marítima.
... ...

Artigo 10.º
Ramos das Forças Armadas
1 — Os ramos das Forças Armadas — Marinha, Exército e Força Aérea — têm por missão principal participar, de forma integrada, na defesa militar da República, nos termos do disposto na Constituição e na lei, sendo fundamentalmente vocacionados para a geração, preparação e sustentação das forças da componente operacional do Sistema de Forças Nacional, assegurando também o cumprimento das missões particulares aprovadas, de missões reguladas por legislação própria e de outras missões de natureza operacional que lhes sejam atribuídas [fiscalização, busca e salvamento, hidrografia, etc. – ver 15 Setembro 2009 – Decreto-Lei n.º 233/2009 – Aprova a Orgânica da Marinha – LOMAR 2009 – art.º 2.º, n.º 3].
... ...

Artigo 23.º
Autoridade Marítima Nacional
A Autoridade Marítima Nacional é a entidade responsável pela coordenação das actividades, de âmbito nacional, a executar pela Marinha e pela Direcção-Geral da Autoridade Marítima, na área de jurisdição e no quadro do Sistema da Autoridade Marítima, com observância das orientações definidas pelo Ministro da Defesa Nacional.

No Decreto-Lei n.º 154-A/2009, revogado pelo presente diploma, lia-se: As atribuições, competência, organização e funcionamento dos órgãos e serviços da Autoridade Marítima Nacional constam de diploma próprio”. Aqui, a redacção é mais explícita, se bem que se limite a transcrever o que então constava no art.º 2.º do Decreto-lei n.º 44/2002 (ver 2 Março 2002). Persiste a incongruência: a Marinha, não pertencendo ao SAM, executa acções “no quadro do SAM”. 
Por outro lado, o art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 44/2002, de 2 Março 2002, estipula que a AMN tem ainda a DGAM na sua dependência directa.

Artigo 24.º
Autoridade Aeronáutica Nacional
A Autoridade Aeronáutica Nacional é a entidade responsável pela coordenação e execução das actividades a desenvolver pela Força Aérea, na regulação, inspecção e supervisão das actividades de âmbito aeronáutico na área da defesa nacional, na observância das orientações definidas pelo Ministro da Defesa Nacional.


Artigo 25.º
Sistema Nacional para a Busca e Salvamento Marítimo
1 — O Sistema Nacional para a Busca e Salvamento Marítimo, abreviadamente designado por SNBSM, tem por missão a salvaguarda da vida humana no mar, bem como os respectivos procedimentos.
2 — O SNBSM, dirigido pelo Ministro da Defesa Nacional, rege-se por diploma próprio, que estabelece o seu âmbito e atribuições e define a sua estrutura de coordenação.

Artigo 26.º
Sistema Nacional para a Busca e Salvamento Aéreo
1 — O Sistema Nacional para a Busca e Salvamento Aéreo, abreviadamente designado por SNBSA, dentro das regiões de informação de voo (Flight Information Region — FIR) em caso de acidente ocorrido com aeronaves ou de situações de emergência destas.
2 — O SNBSA, dirigido pelo Ministro da Defesa Nacional, rege -se por diploma próprio, que estabelece o seu âmbito e atribuições e define a sua estrutura de coordenação.
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Artigo 35.º
Norma revogatória
É revogado o Decreto -Lei n.º 154-A/2009, de 6 de Julho.
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Outubro – Dezembro de 2011 – Cadernos Navais n.º 39 – Edições Culturais da Marinha –  “Espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional. Um modelo para potenciar o exercício da autoridade do estado no mar” – Capitão-de-mar-e-guerra António Manuel de Coelho Cândido.

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7. CONCLUSÕES
O reconhecimento da importância crescente da integração das políticas marítimas, da partilha de informação de forma mais eficaz, da utilização de sistemas militares na respostas aos novos desafios da segurança marítima, da procura dos melhores processos para um custo-benefício mais favorável e de uma “comprehensive appproach” civil e militar às ameaças, demonstrado por diversos autores e pela evolução que têm vindo a sofrer as estruturas organizativas de países de pequena e grande dimensão, principalmente os marítimos, entendendo que no mar se exige uma abordagem holística aos problemas, consagra o modelo português de Exercício da Autoridade Marítima através da Marinha, como o mais adequado. Modelo que também satisfaz as limitações jurídico-constitucionais, comuns a qualquer Estado de direito democrático, que impõem uma demarcação clara entre funções de segurança e funções de defesa. No entanto, apesar de transparecer vontade política em manter e desenvolver o modelo português de autoridade marítima, por vezes surgem iniciativas legislativas que não se enquadram nesse modelo, e que fazem com que Portugal se desvia de um rumo cujos méritos, outros Estados começaram agora a descobrir.
A Marinha de Duplo Uso é fundamental para as funções de Defesa e de Segurança não sendo possível, por falta de massa crítica, manter níveis de desempenho e de prontidão operacional, em ambas as estruturas, se funcionassem independentemente.

Aparentemente existe aqui alguma contradição: em primeiro lugar, o modelo português “satisfaz as limitações jurídico-constitucionais, comuns a qualquer Estado de direito democrático, que impõem uma demarcação clara entre funções de segurança e funções de defesa”. Mas pouco mais adiante afirma-se que “a Marinha de Duplo Uso é fundamental para as funções de Defesa e de Segurança”.
Refere-se uma vez mais que as missões da Marinha no âmbito do interesse público são entendidas pelo poder político como um exercício de soberania e de autoridade do Estado – e não como estando englobadas na Segurança. No essencial, presume-se que é esta também a opinião do autor.

Mas existe muito espaço para a evolução do modelo, desde a melhoria da integração dos sistemas de comando, controlo e vigilância marítima, à falta de assertividade na identificação da autoridade e da responsabilidade para planear e executar missões, condição ainda mais relevante atendendo à dispersãode competências em razão da matéria.
Não foi objecto principal deste trabalho, como se referiu, a análise à componente segurança segura, mas é indispensável concluir que, no mar, qualquer missão deve ser pensada com uma preocupação integral em relação à segurança (segura e safa), e que é o racional subjacente à forma de actuardas guardas costeiras, aproveitando a flexibilidade dos meios e optimizando a utilização de recursos com custo de aquisição e de operação muito elevados.
Também, em relação à distribuição de competências entre o Comando de Componente Naval e a Autoridade Marítima Nacional, pode existir espaço de evolução no sentido de incrementar a coerência e a eficácia do sistema, matéria que não se abordou neste trabalho.
As semelhanças existentes entre o modelo português e o modelo francês, modelo este que mantém uma grande coerência em toda a estrutura e uma adequada integração de procedimentos para as questões marítimas, recomendam que, como há mais de dois séculos, se continue a olhar para este modelo como uma referência inspiradora.

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